Empresa vai lançar serviço de vendas pelo WhatsApp, entrar em entregas de 15 min, reformular a rede de supermercados e abrir novas lojas
Por Carlos Sambrana
Jorge Faiçal, CEO do Grupo Pão de Açúcar, deu uma declaração emblemática logo depois de anunciar que o GPA estava vendendo 71 lojas do Extra para o Assaí por R$ 5,2 bilhões. Na ocasião, em outubro do ano passado, ele disse a analistas de mercado que a companhia ia ficar mais leve.
Passados alguns meses da transação, Faiçal explica, na prática, o que ele quis dizer. “O Extra representava 25% das nossas vendas, menos de 10% do lucro e 80% da agenda”, diz o executivo ao NeoFeed, em sua primeira entrevista exclusiva a um veículo de comunicação desde que assumiu a empresa em março de 2021. “Agora, estamos conseguindo dar mais foco nos negócios que são mais rentáveis e promissores.”
Alguns deles começam a sair do papel nos próximos dias e foram revelados em primeira mão ao NeoFeed. Dentro de um mês, por exemplo, o Pão de Açúcar vai lançar a compra via WhatsApp. Segundo Faiçal, será tudo automatizado e o pagamento poderá ser feito no próprio aplicativo.
Para fevereiro está previsto também o início de um projeto-piloto em três lojas, em São Paulo. Trata-se do início do “15 minutos do Pão de Açúcar”. “Vamos fazer entregas rápidas, em até 15 minutos. Estou aprendendo com os caras (iFood e Rappi) e colocando para dentro de casa”, diz Faiçal sobre os players que oferecem esse tipo de serviço.
Em outro campo de batalha, o GPA se prepara para entrar onde a Ambev conseguiu se estabelecer com seu serviço Zé Delivery: na entrega de cerveja gelada. O Pão de Açúcar vai começar a rodar um projeto-piloto para o delivery de cerveja gelada em menos de 30 minutos, com a bebida acondicionada em embalagens com gelo.
Além disso, diz o executivo, dos R$ 5,2 bilhões que entraram no caixa da companhia depois de vender as lojas do Extra para o Assaí, R$ 1,5 bilhão serão revertidos para a melhoria das operações atuais. Até o fim do ano, todas as 185 lojas do Pão de Açúcar estarão completamente transformadas para o que o GPA chama de G7 (Geração 7).
Só nisso, serão desembolsados cerca de R$ 700 milhões. O processo foi iniciado em 2019 e 50 lojas já foram renovadas, desde então. Nesse modelo, o Pão de Açúcar foca nos serviços, comidas prontas, padaria e produtos frescos. Tudo para aumentar a margem de lucro, que nesses formatos atingem dois dígitos, e estar onipresente para a necessidade dos consumidores.
“O Pão de Açúcar tem boas margens, é gerador de resultados e é onde mais andou a agenda digital do GPA”, diz Alberto Serrentino, sócio-diretor da consultoria Varese Retail. “O Extra pesava muito para o grupo. Primeiro pelo estrangulamento de hipermercados com o crescimento do atacarejo e, em segundo lugar, por conta das crises econômicas que fizeram os consumidores mudarem seus costumes.”
Agora, mais “leve”, a agenda de Faiçal mudou da água para o vinho. “Tenho dedicado 50% do meu tempo nessa área digital, para ganhar diferencial competitivo”, diz ele, de olho no futuro do setor. Segundo o presidente do GPA, em supermercados, o e-commerce ainda engatinha no Brasil, não chega a 1,5% do total do setor.
“Estimamos que movimente cerca de R$ 10 bilhões. Desse total, o Pão de Açúcar vende quase R$ 2 bilhões, o que significa 20% de market share. Nos próximos cinco anos, acreditamos que o e-commerce em supermercados vai chegar ao patamar dos EUA, que representa cerca de 7% de participação das vendas.”
Isso elevaria esse mercado para mais de R$ 40 bilhões. Para abocanhar um naco maior desse futuro bolo, a companhia está trabalhando nas plataformas próprias e também no seu marketplace, criado em 2020. Mas com uma mudança de posicionamento do que vinha adotando anteriormente.
“Decidimos que não vamos competir com Amazon, Magalu e Mercado Livre querendo ser marketplace generalista. Seremos especialistas em sete categorias”, afirma Faiçal
“Decidimos que não vamos competir com Amazon, Magalu e Mercado Livre querendo ser marketplace generalista. Seremos especialistas em sete categorias”, afirma. Entre elas, estão vinhos. “Temos hoje 30 mil rótulos de sellers mais distintos.” Outras categorias são cervejas, destilados, mundo bebê e mundo beleza.
O executivo ainda está definindo as outras duas que entrarão na plataforma. No ano passado, o grupo montou a empresa logística GPA Log para fazer o serviço de logística se for contratado pelos sellers.
Em outra ponta, o próprio GPA está entrando como um seller dentro de outras plataformas. “Temos negócios com iFood, Rappi, Uber Cornershop, Mercado Livre, Americanas e HomeRefill.” Em todos esses apps, o cliente encontra a marca Pão de Açúcar dentro da plataforma deles. No caso da HomeRefill, o Pão de Açúcar funciona como a “dark store” da empresa.
Apesar de ressaltar a parceria com as plataformas, a vida do Pão de Açúcar não vai ser tão fácil assim. Algumas delas estão entrando no terreno do GPA, virando varejistas ao criarem suas próprias dark stores.
Em recente entrevista ao NeoFeed, a CEO do Rappi Brasil, Tijana Jankovic, revelou que essa é uma área que está crescendo muito dentro da companhia e pretende aumentar a rede de 128 dark stores para 300 nos próximos anos. A Americanas, por sua vez, comprou a rede Hortifruti Natural da Terra em um negócio de R$ 2,1 bilhões.
“Tem uma zona cinzenta aí, é verdade. No passado, a gente foi cauteloso de não formar uma parceria com um potencial adversário. Mas vai ganhar o jogo quem beber água limpa, sair na frente”, diz Faiçal. “Nesse momento, trabalhar com eles não é um problema; o dia que for, eu penso nisso.” O jogo que está sendo jogado pelo GPA com as plataformas, por enquanto, é outro.
“Estou aprendendo com eles e eles aprendem muito com a gente.” O projeto de entrega em 15 minutos é algo que o GPA está observando na dinâmica das plataformas e de seus consumidores. “Por outro lado, eles estão aprendendo a vender cerveja, coisa que eles não sabiam fazer. É saudável para as duas partes em termos de aprendizagem e rentabilidade.”
Nesse mercado de entrega de última milha, ainda há muita queima de caixa para escalar a operação e aumentar o número de usuários ativos. Na opinião de Faiçal, dentre as mais de 20 empresas que estão nesse segmento, vão sobrar cerca de cinco. O GPA tem, inclusive, um caso curioso dentro de casa.
A companhia, que conta com 3 milhões de usuários cadastrados no seu e-commerce, é dona do James Delivery, que, notoriamente, queima caixa do GPA. O grupo já discutiu a possibilidade de vender a plataforma. Mas, agora, com essas novas ações, a empresa está integrando todos os processos do James ao GPA.
“Por enquanto estamos descartando a possibilidade de vender o James. Ele é considerado quase um passe de segurança que estou comprando”, diz o CEO do GPA
“Por enquanto, estamos descartando a possibilidade de vender o James. Ele é considerado quase um passe de segurança que estou comprando.” Passe de segurança porque, se os parceiros passarem a se aventurar como supermercadistas, fazendo uma desintermediação do GPA, a companhia tem uma alternativa na mão.
“Com o James, a gente consegue copiar e colar o mesmo serviço que eles fazem hoje. O James tem uma plataforma tecnológica de administração de rota, de frota de motoqueiro, de taxista, de uberista. É manter dentro de casa esse know how.”
No mundo físico, as mais de 800 lojas do grupo, que servem como uma poderosa rede para o digital, os planos são, de certa forma, resgatar o passado da rede. O Pão de Açúcar vai aumentar a quantidade de SKUs, passando de cerca de, em média, 10 mil por loja para 12 mil. “No passado, eu tinha dez marcas de linha de tempero, várias marcas de geleia”, diz Faiçal.
Pode parecer mero detalhe, mas é decisivo para atrair o cliente. “Ter a geleia do cliente faz com que ele escolha o Pão de Açúcar na sua viagem de compra e não vá buscar no St. Marche, no Oba ou no empório perto da sua casa.” A atenção do executivo é mais do que justificável. O Pão de Açúcar representa quase metade do faturamento do GPA no Brasil.
O outro pilar da companhia é o Minuto Pão de Açúcar. São 100 lojas, na cidade de São Paulo, que se encaixam como o bom e velho mercadinho de bairro. “É uma lojinha pequena, tem de tudo, o pão francês, a cerveja. É o mercadinho com uma cara mais sofisticada”, diz Faiçal. A rentabilidade nesse formato é de dois dígitos.
O próximo passo é abrir 100 unidades em cidades do estado de São Paulo e partir para outros estados até 2024. “Estamos olhando para cidades como Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza”, diz o executivo. São capitais onde o Pão de Açúcar já tem lojas. O investimento previsto neste negócio deve alcançar R$ 500 milhões.
O Pão de Açúcar tradicional tem, em média, um tamanho de 1,2 mil metros quadrados e o Minuto Pão de Açúcar, 300 metros quadrados. Mais recentemente, a empresa passou a testar outro modelo, o Pão de Açúcar Fresh, que fica no meio entre os dois, com, em média, 700 metros quadrados de área.
O grupo abriu a primeira loja em outubro do ano passado e outra há duas semanas. “Ele é um competidor microrregião de padarias, mercadinhos, feiras livres e de players como o Oba e o Natural da Terra, em São Paulo, e o Hortifruti, no Rio de Janeiro.”
O azul para a última linha do balanço
Os esforços de Faiçal estão concentrados em trazer o azul para a última linha do balanço da companhia. No terceiro trimestre de 2021, o dado mais recente, o GPA apresentou prejuízo de R$ 89 milhões ante um lucro de R$ 386 milhões um ano antes.
No período, o grupo faturou R$ 12,08 bilhões, uma alta de apenas 0,17% em relação ao mesmo trimestre de 2020. O que fez as receitas se manterem estáveis foi a operação do Grupo Éxito, da Colômbia.
Enquanto a operação colombiana apresentou uma receita líquida de R$ 5,6 bilhões, 6,6% a mais do que no mesmo período do ano passado; o GPA Brasil anotou uma receita de R$ 6,39 bilhões, uma queda de 5%.
Não à toa, a companhia foi criticada por analistas de mercado de vários bancos. “O GPA apresentou números fracos no 3T21, ligeiramente abaixo de nossas estimativas, após forte desempenho no mesmo período do ano passado”, escreveram os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Victor Rogatis, do BTG Pactual, em relatório divulgado logo depois.
Mas um gestor com o qual o NeoFeed conversou aponta que, mesmo com esses resultados, o online cresceu 46% no período e as ações da companhia estão subvalorizadas. O valor de mercado do GPA na B3 alcançou R$ 5,82 bilhões, na sexta-feira, 28 de janeiro.
Ele diz que só as participações do GPA em empresas como Éxito e a Cnova, a companhia europeia de comércio eletrônico do Casino, valem mais de R$ 14 bilhões. Somando a operação brasileira, diz ele, o GPA deveria valer, por baixo, R$ 20 bilhões. Mas não é tão simples convencer os investidores disso.
Nos últimos anos, a empresa enfrentou problemas de gestão, sobretudo de governança sob o comando do grupo francês Casino, que arquitetou as mudanças de controle do GPA para o grupo colombiano Éxito, em 2015, e depois, em 2019, com o GPA comprando os papéis do Éxito numa operação de R$ 9,5 bilhões.
Desde 2019, a companhia está tentando ficar mais leve e destravar valor. Além da resolver a questão societária na região, a companhia vendeu a Via Varejo para um grupo de investidores, incluindo Michael Klein. Depois, em 2020, a rede fez o spin off do Assaí e, no ano passado, a venda do Extra. Agora, não tem mais nenhum “peso” para atrapalhar sua corrida. Para o mercado, chegou a hora de o GPA entregar o que está prometendo.
Fonte: Neofeed