A maior empresa de cosméticos do País perde dinheiro e assiste de camarote ao avanço de rivais. A abertura de sua primeira loja própria é mais uma tentativa de reverter a perda de terreno no mercado
A sensação foi de alívio para os paulistanos na quarta-feira, 27. Após dias de calor intenso e de um outono incomum, a garoa e a queda de temperatura deram, enfim, as caras em São Paulo. Naquela manhã, uma outra notícia, há muito esperada, se concretizou: após anos de rumores, a Natura, uma das referências das vendas diretas, inaugurou sua primeira loja física. Instalado em um espaço de 68 metros quadrados no Morumbi Shopping, em uma área nobre da capital paulista, o ponto de venda simboliza mais uma tentativa da empresa para buscar dias melhores e reverter a queda de suas operações.
No início de 2013, a Natura era uma das meninas dos olhos do mercado brasileiro de capitais e uma das companhias mais valiosas da América Latina, avaliada em R$ 25,6 bilhões. De lá para cá, no entanto, a fabricante de cosméticos perdeu o brilho, além da liderança do setor, para a rival Unilever. Seu valor de mercado despencou para R$ 11, 8 bilhões, enquanto sua lucratividade recuou cerca de 40% no período. Na quinta-feira, 28, a empresa divulgou um prejuízo de R$ 69 milhões, a primeira perda trimestral desde que abriu capital, em 2004.
A receita líquida cresceu 2,9%, para R$ 1,69 bilhão, mas ficou abaixo da estimativa de analistas, de R$ 1,72 bilhão. “O contexto é desafiador”, disse Roberto Lima, presidente da Natura, que dirige a companhia há um ano e meio. “Temos confiança na construção de uma organização mais ágil e alinhada aos tempos atuais.” Transformar discurso em realidade, ao que parece, é o maior problema de sua gestão. Para analistas ouvidos pela DINHEIRO, a lentidão para se adaptar às novas dinâmicas do mercado é uma cultura enraizada na Natura e um dos pontos que explicam sua má fase.
Por trás dessa abordagem, está o cuidado em não criar zonas de atrito com seu principal ativo: um exército de 1,9 milhão de consultoras. “Eles são reféns do sucesso que tiveram com esse modelo”, afirma Guilherme Assis, analista do banco Brasil Plural. “É natural que tenham tido essa cautela, mas ela foi exagerada e estão pagando o preço por isso”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese. Ele cita a o exemplo da Rede Natura, canal de e-commerce, cujo projeto começou em 2012 e ganhou escala nacional em 2015. Atualmente, possui 60 mil consultoras cadastradas.
“Eles entraram sem convicção. O digital é um canal que exige agressividade. Do contrário, ele não acontece.” Outro componente é a influência dos controladores da empresa – Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos. “Cada um dá um peso para uma vertente na operação, o que dificulta um consenso”, diz uma fonte do setor. “Enquanto a Natura debatia a entrada em novos canais, O Boticário invadiu seu terreno.” Conhecido por sua atuação no varejo, O Boticário passou a investir nas vendas porta a porta há cerca de quatro anos.
No modelo, seus 3,9 mil franqueados centralizam a distribuição de produtos e a gestão das consultoras em suas respectivas regiões. “É uma estratégia consistente, que rapidamente ganhou escala”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. A empresa saltou de uma participação de mercado de 6,9%, em 2010, para 10,9%, em 2015, aproximando-se da Natura, que, no período, caiu de 14,9% para os atuais 11,1%. No movimento inverso, a Natura dá indícios de que não tem pressa para crescer no varejo.
A empresa não revelou a meta de expansão, mas destacou que 2016 será um ano de abertura de poucas lojas, restritas a São Paulo. “A ideia é testar o modelo”, disse Lima. “Ainda temos muitos conceitos para confirmar no ‘mundo real’.” Para Ana Paula Tozzi, CEO da consultoria GS&AGR, mesmo tardia, a estratégia trará benefícios. “Eles vão ter acesso a dados mais precisos dos clientes”, diz. “É uma grande evolução”, afirma Assis. “Mas ela só trará resultados em longo prazo. A Natura ainda irá perder terreno por um bom tempo.”