Por Hugo Cilo
À frente da principal associação de shopping center do País, Glauco Humai viveu nos últimos anos dois extremos na história do setor. O fundo do poço, em 2020, causado pelo fechamento do comércio durante a pandemia, se tornou em recorde histórico de vendas neste ano. Já neste ano as vendas dos shoppings devem atingir R$ 210 bilhões, representando 19% da receita total do varejo brasileiro. Mesmo com a turbulência gerada pela crise em grandes empresas varejistas, o presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) acredita que os shoppings continuarão crescendo de forma consistente, com um modelo de negócios que une em um mesmo local mix de segmentos de lojas e oferta de serviços.
DINHEIRO — Os shoppings foram os primeiros a afundar na pandemia e um dos últimos segmentos do varejo a se recuperar. Como foi esse processo?
GLAUCO HUMAI — Hoje já recuperamos o nível de vendas pré-pandemia. Mas é fato que depois da reabertura houve um pico de consumo. As pessoas saíram às ruas, voltaram a fazer compras físicas, a tocar produtos e realizar os seus serviços in loco. Desse boom, houve um assentamento natural. Uma acomodação entre essa euforia pós-pandemia e a vida como ela é. Mas acabamos sendo afetados por outros fatores macroeconômicos.
Principalmente pela taxa de juros muito elevada, pelo salário mínimo sem aumento real durante alguns anos e inflação fora de controle. Nesse contexto, o poder aquisitivo da população caiu e o desemprego subiu. Então, o cenário contribuiu muito para o esfriamento da euforia.
Essa conjuntura ajuda a explicar a crise do varejo tradicional e a ascensão do e-commerce?
Temos que dividir o varejo para entender isso. Aquela explosão do e-commerce passou. Os consumidores exauriram o modelo de compras on-line conforme os shoppings e o varejo geral foram reabrindo. A volta à vida como ela era, ou pelo menos o mais próximo possível da vida como ela era, isso impulsionou muito as vendas do varejo e as vendas do shopping. Tanto é que os shoppings terão em 2023 o melhor ano da história. Serão R$ 210 bilhões em vendas. Só os shoppings. Em 2019, chegamos a R$ 202 bilhões. Mesmo com juros a 13,25% ao ano, vivemos o melhor momento de todos.
Por que, então, há tantas lojas fechando e varejistas tradicionais em dificuldade?
O segundo trimestre foi bastante ruim para o varejo. Mas o shopping é mais resiliente do que o varejo em geral. A gente sentiu também o segundo trimestre, mas a partir de julho ficou bastante positivo. E esperamos um fim de ano forte. Historicamente, 60 % das vendas do ano são no segundo semestre, com Dia das Crianças, Black Friday, Natal e décimo terceiro. E outro fator que tende a ajudar é a retomada da confiança.
Mais confiança na economia. Aquelas incertezas do período de troca de governo passaram. Todo mundo já sabe o que está pela frente. A volatilidade cambial está menor. A taxa de juros, mesmo ainda muito alta, está em trajetória de queda. Mesmo que fique próximo a 10% até o ano que vem, a sinalização é de redução. O desemprego está em queda. E quando o consumidor deixa de ver um parente ser demitido ou um amigo ficar desempregado, ele fica mais motivado a consumir. A massa salarial está crescendo e a inflação está sob controle. Isso gera uma expectativa positiva. Tudo ajuda a restaurar a confiança.
Mas a inadimplência segue alta…
Nesse segundo semestre, as datas comemorativas e o dinheiro que entra de 13º devem ajudar a reduzir. Evidentemente, há muitas questões para se avançar. A economia está longe de ser o ideal. Mas a gente já vê um horizonte melhor. Se a gente olhar para trás, os shoppings tiveram receita de R$ 129 bilhões em 2020, de R$ 140 bilhões no ano seguinte e de R$ 191 bilhões no ano passado. Agora, chegando a R$ 210 bilhões.
A perspectiva de mudanças nas regras para o rotativo e parcelamento no cartão de crédito preocupa o setor?
O consumidor brasileiro é muito acostumado a comprar o parcelado sem juros. Isso já está na cultura do brasileiro, já está na conta do brasileiro. Acabar com o parcelado sem juros seria um desastre para o varejo em geral. Tanto empresas quanto consumidores já entraram em um ponto de equilíbrio em relação a esse parcelamento. Seja as empresas financiando, seja aplicando o valor e recebendo o valor aplicado, ainda mais com essa taxa de juros elevado. Não dá para imaginar um brasileiro médio entrando numa loja, comprando uma geladeira, uma TV ou um celular à vista. A gente não tem esse cenário no Brasil. Faço eco a outras entidades do varejo, de outros segmentos, que têm dito isso também.
Por que existe, então, tanta pressão para mudanças nas regras?
Ou entendemos errado a proposta ou é o Banco Central que entendeu errado. É preciso entender melhor essa proposta. Não se pode acabar com parcelamento sem juros ou com a opção de rotativo. É preciso, sim, aprimorar a ferramenta para que tanto as bandeiras, as credenciadoras, os bancos e os consumidores possam ter um ponto de equilíbrio. Não se pode extinguir uma ferramenta que é útil só porque ela está sendo mal usada.
“O crescimento dos shoppings não significa que o varejo todo vai crescer. Os shoppings vão ter uma fatia maior de um bolo menor”
Qual é a solução?
Achar formas que solucionem essa questão dos juros absurdos no rotativo. Há várias propostas que são colocadas. Vão encontrar um equilíbrio mais justo, mais interessante para todos.
Um ponto interessante nisso é que a solução passa pelo shopping. O modelo de negócio do shopping é colocar no mesmo local outras atividades que impulsionam o varejo. Esse é o segredo do shopping. Uma loja acaba impulsionando a venda da outra. É o que a gente chama de mix. Uma atividade de serviço acaba puxada por lazer, entretenimento, alimentação.
No varejo de rua é diferente?
O potencial de conversão e de vendas no shopping é diferente do varejo de rua. Os shoppings têm investido nos últimos anos para melhorar esse ambiente e essa prestação de serviço e de atividades. Tudo para levar mais público para dentro do shopping. Com mais público dentro do shopping, a gente consegue trabalhar a conversão e melhorar as vendas. Os shoppings também investiram bastante na questão do comércio eletrônico. Hoje, o cliente pode comprar on-line e receber em casa, comprar no shopping e receber em casa, experimentar no shopping e escolher se quer levar… O consumidor entendeu bem esse modelo. Ele quer ser atendido 24 horas por dia, da melhor forma. Por isso, shoppings e e-commerce são aliados.
Esse modelo tende a crescer?
Com certeza. As vendas em shopping representam 19% do wvarejo no Brasil. Os shoppings vão crescer muito.
Mesmo com a perspectiva de retração do varejo tradicional?
Mesmo. O crescimento dos shoppings não significa que o varejo todo vai crescer. Os shoppings vão ter uma fatia maior de um bolo menor. As redes varejistas que você citou como estando em crise representam uma parcela pequena dos shoppings. Prova disso é que há shopping que cresce 30%. Outros crescem 5%. Mas, na média, as vendas nos shoppings crescem 17,5% ao ano. Muito mais do que o varejo convencional. Essa crise do varejo passa longe dos shoppings.
A reposição de lojas tem sido fácil?
Sim. Muitas empresas usam os shoppings para construção de marca, mesmo entre as empresas que vendem pela internet. Nem sempre a loja depende das vendas dos shoppings para se manter nos shoppings. Tanto é que os números de inadimplência do nosso setor estão muito baixos. É a menor taxa histórica, na casa de 4%, com vacância de 5%. Não que os shoppings sejam uma ilha da fantasia. Não é uma ilha, não está isolada. Mas com profissionalismo e com a gestão nos últimos anos, e com entendimento da dinâmica do comportamento do consumidor, estamos nos adequando às ferramentas de comércio eletrônico e crescendo. Nos últimos seis meses, mais de 1,5 mil marcas entraram em shopping. Marcas, não lojas. Marcas novas entrando em shopping.
Marcas brasileiras?
Principalmente de marcas internacionais e de marcas regionais que resolveram nacionalizar. O shopping é a porta de entrada dessa expansão. Os shoppings promovem muito fluxo. Para ter uma ideia, os shoppings brasileiros recebem, em média, 443 milhões de visitas por mês. Não são pessoas únicas, evidentemente. São mais de dois Brasis por mês, mas é um fluxo muito grande de consumidores. Por isso é que o shopping se descola muito do varejo de rua. Tem um ambiente encantador, que constrói relacionamento.
“Sozinho, o comércio eletrônico não se sustenta. O mundo ideal para as empresas é figital, que é a mistura do físico com o digital”
Os shoppings e o e-commerce vão engolir o varejo de rua?
Não vejo uma relação de varejo tradicional versus varejo on-line, nem versus shoppings. O varejo tradicional não vai acabar. A marca é construída no ponto físico. Não existe nenhuma marca de relevância no mundo que foi construída só digitalmente. O consumidor precisa sentir, ir lá ver, entender a história da marca, ver uma loja, conversar com o vendedor. Então, a partir daquele momento em que ele se encantou, que vestiu aquela marca, aí sim ele pode ir para o comércio eletrônico.
Mas muitas marcas estão construindo reputação no digital…
Sozinho, o comércio eletrônico não se sustenta. O mundo ideal para as empresas é figital, que é a mistura do físico com o digital. É o que chamamos de omnichannel, no qual o consumidor hoje é o centro. No passado, o centro do varejo era a marca. Então uma marca grande fazia algo e o consumidor girava em torno dela. Nos últimos dez anos houve uma transformação. O centro do varejo hoje é o consumidor. A marca se adequa ao cliente. O varejo que conseguir entender isso e se atualizar vai sair mais forte.
A Abrasce fez um estudo sobre perfil dos clientes dos shoppings. Quais foram as principais conclusões?
A geração prateada prefere os shoppings. Os mais velhos têm comodidade na locomoção. O segundo ponto é a questão do estacionamento. Os mais jovens, quando a gente pega o recorte da pesquisa, preferem ir ao shopping de transporte público, coletivo, de compartilhado, de bicicleta… Os mais velhos vão com seus veículos. É fácil de estacionar, é fácil de achar, tem vaga reservada na entrada do shopping. E o terceiro ponto é a comodidade e a conveniência de fazer tudo. Pode pegar um óculos que deixou para arrumar, pode jogar na Mega Sena, passar no caixa do banco para tirar dinheiro e comprar um presente para o netinho. Se fosse na rua, demoraria 4 horas o que ele faria em 40 minutos. A geração prateada é um público importante para a gente, que chega a uns 30%.
Os shoppings estão preparados para uma nova pandemia?
Não sei se a gente está preparado. Aprendemos muito com a última. A gente foi o primeiro segmento, o primeiro setor da economia a ter um protocolo de operação. Mas não sei se alguém está preparado. Sei que vamos conseguir reagir de forma ainda mais rápida caso isso venha a ocorrer.
Fonte: Istoé Dinheiro