29/12/2015 às 05h00
Por Luciana Seabra | De São Paulo
O peso de dados ambientais e sociais na definição de valor das empresas tem crescido de forma exponencial segundo um estudo da EY, antiga Ernst & Young, divulgado com exclusividade para o Valor. A consultoria entrevistou 200 investidores institucionais, incluindo fundos de pensão, gestores de recursos, analistas e diretores de investimento em todo o mundo. Aqueles que consideram informações não-financeiras relevantes para decisões de investimento em todos os setores cresceram dos 33,7% apurados na primeira edição da pesquisa, em 2014, para 61,5% neste ano. Os que recorrem a uma avaliação metódica e estruturada de questões socioambientais saltaram de 19,6% dos entrevistados para 37%.
Os europeus são os investidores mais atentos às questões de sustentabilidade e governança. Os latinos, entretanto, cujos investidores e companhias tinham previamente mostrado menos interesse em informações não-financeiras, parecem correr atrás do prejuízo, de acordo com o relatório da EY. Foi na América Latina - sede de 10% dos entrevistados - que a consultoria registrou o maior percentual de investidores, 57,1%, que disseram ter reduzido posições em ações de alguma companhia no último ano devido a riscos ligados aos chamados “ativos encalhados”, aqueles que perdem valor por conta de fatores socio-ambientais.
“O que a pesquisa mostra é que o investidor está realmente tomando atitudes para proteger o patrimônio”, diz Leonardo Dutra, diretor de consultoria em sustentabilidade da EY.
O desastre ambiental em Mariana (MG) é apenas o exemplo mais recente de que não dá para deixar o tema da sustentabilidade apenas no orçamento dedicado às boas ações. Na semana que se seguiu ao rompimento da barragem, em 5 de novembro, os papéis emitidos no mercado internacional pela mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, perderam um terço do valor. A Vale, por sua vez, foi cortada no mesmo mês do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa.
Casos como o da Samarco têm feito a sustentabilidade migrar dos panfletos da organizações não governamentais para os relatórios das grandes casas de análise e das consultorias. “O caso de Mariana ensina ao mostrar ao investidor quanto custa para a empresa ter incorrido naquela falta, que certamente vai diminuir a disponibilidade de recurso para o acionista”, diz Milton Cabral Filho, gestor sênior do Bradesco.
A ameaça de falta de água e energia, que também assombrou o mercado ao longo deste ano, virou preço na gestora do Itaú Unibanco. Especialistas do banco dedicaram-se a calcular o efeito sobre o fluxo de caixa das companhias caso o cenário evolua, como o esperado, para uma cobrança pela captação de água.
O estudo resultou em uma divisão dos setores em três grupos - os de alto impacto, como saneamento, mineração, siderurgia, geração de energia, bebidas e alimentos; os de médio, que incluem construtoras, petroquímica, papel e celulose, distribuição elétrica; e os de baixo ou nenhum impacto, como aviação, bancos e transmissão de energia.
A gestora do Itaú foi além, com o cálculo do tamanho do custo para cada setor. Com base no preço da água cobrado pelas poucas bacias hidrográficas que já o fazem, chegou-se ao valor de 5 centavos por metro cúbico de água consumida, assumindo-se que esse valor será cobrado em até dez anos. Para calcular o efeito sobre o valor de mercado, a gestora levantou os dados de consumo anual de água por empresa, em geral disponíveis nos relatórios anuais das companhias listadas.
Foi assim que a gestora do Itaú acendeu um sinal vermelho, por exemplo, ao setor de bebidas, que consome 3,6 hectolitros de água para cada hectolitro de cerveja produzido. E um sinal verde para o segmento petroquímico, ao concluir que a principal empresa do setor trabalha com um consumo de água de cinco vezes menor do que a média global do setor.
O próximo passo é avaliar se os riscos ambientais já estão nos preços ou se é algo que somente o Itaú tem em vista, conta Tatiana Grecco, superintendente de fundos indexados da gestora. Além disso, é preciso estimar o momento em que o risco pode virar realidade. Para 2016, por exemplo, o risco foi bastante reduzido por conta do regime de chuvas acima do projetado e pelo efeito depressivo da desaceleração da economia sobre a demanda, mas a ameaça continua para o futuro.
Para quem pensa que a análise de sustentabilidade de governança se resume a questões ambientais, o Itaú também obteve retorno na frente ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), ao acompanhar queixas de consumidores sobre empresas de telefonia na internet, no Procon e na Justiça. Assim antecipou punições de suspensão de serviço pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O levantamento deu origem a pares “long and short” entre empresas do setor, em que as ações das companhias que tratam bem o consumidor são compradas, enquanto as de pior qualidade ficam do lado vendido, em que se aposta na queda de preço.
“Às vezes as pessoas acham que ser sustentável é abraçar árvore, mas é uma questão financeira”, diz Tatiana. Avaliar questões socioambientais ao selecionar ativos, considera, vai além de ser politicamente correto, tem a ver com desvendar fatores que ainda não estão nos preços e, por isso, são oportunidades. “E, ao mesmo tempo, tenho o dever fiduciário de capturar o máximo de informações possíveis para ver riscos ocultos. O investidor espera isso de nós”, diz.
Na gestora do Bradesco, uma consultoria foi contratada para avaliar as empresas de acordo com os riscos ligados a sustentabilidade e governança.
Cada empresa tem sua nota e o setor uma média, que vai de zero a 100%. As companhias respondem a questionários que incluem desde questões sobre se os insumos que utilizam são renováveis e se há alguma compensação no caso dos que não são até a existência ou não de assistência aos filhos dos empregados. A gestora pede comprovantes das informações dadas e também faz avaliações próprias, como dos passivos trabalhistas da empresa.
Foi a partir dessa análise que o banco posicionou, por exemplo, as elétricas integradas - que geram, distribuem e transmitem energia - acima das outras companhias do setor. Dentre as geradoras, um nome destaca-se. É o da Tractebel, por conta da força dos acionistas minoritários nas decisões. O setor de siderurgia e mineração apareceu entre os mais vulneráveis, mas também com diferenciação entre as companhias.
De um ano para cá, as notas têm sido usadas de maneira objetiva para a seleção de ações para todos os fundos do Bradesco, segundo José Alberto Baltieri, gestor responsável pela carteira de sustentabilidade da gestora do banco. “Em momentos de crise, você paga um prêmio pela qualidade e se pressupõe que essas empresas estão mais bem preparadas para enfrentar as dificuldades, já que têm controles e processos melhores”, afirma.
As notas das empresas na avaliação de sustentabilidade e governança entram nas contas na forma de um beta, um multiplicador da taxa de desconto, que na prática pune o preço-alvo, ou seja, o valor potencial de uma ação aos olhos da gestora do Bradesco.
Ter em conta que as gestoras têm ampliado a análise em sustentabilidade e governança para toda a seleção de ativos torna menos preocupante o encolhimento de patrimônio nos fundos dedicados aos temas. O patrimônio nas carteiras que carregam sustentabilidade no nome está em R$ 756,2 milhões, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), referentes a 18 de dezembro. Ao fim de 2014, o tipo somava R$ 1,3 bilhão, menos ainda do que o R$ 1,6 bilhão de 2013.
De acordo com um levantamento da Sitawi, organização sem fins lucrativos que presta consultoria a instituições financeiras, o valor administrado por gestoras e fundos de pensão que levam em conta questões de meio ambiente, sustentabilidade e governança na seleção de ações de forma intermediária ou avançada chega a US$ 6,8 bilhões. “A tendência que vejo é dessa abordagem mais transversal”, diz o diretor-gerente Gustavo Pimentel. Ficam para trás as listas de companhias proibidas e os fundos dedicados e cada vez mais os riscos socio-ambientais viram preço na análise de toda a cadeia de gestão de recursos.
Os processos ainda estão longe do ideal, pondera Pimentel, e bem atrás dos países mais avançados no tema, com destaque para os europeus. A análise em renda fixa, por exemplo, que domina os portfólios brasileiros está mais atrasada no que se refere a avaliações não-financeiras. E apenas quatro gestoras, segundo o levantamento mais recente da casa, tinham profissionais dedicados às questões ESG. Por outro lado, se considerados apenas os países emergentes, o Brasil tem uma posição de liderança no tema, empatado com a África do Sul, segundo o executivo da Sitawi. Já no caso dos fundos de pensão, 49% dos ativos estão sujeitos a práticas intermediárias ou avançadas em ESG.
“No Brasil, a maioria dos atores ainda está muito na fase aspiracional, entendem que é positivo, mas estão pouco instrumentalizados”, diz Pimentel.
Para Luzia Hirata, superintendente da gestora do Santander, para que a questão avance falta ainda mais estímulo de quem aplica recursos nos fundos. “Temos muitos investidores institucionais que nos cobram, mas poucas pessoas físicas”, afirma.
Valor Econômico – SP