29/10/2015 às 05h00
Por Vívian Soares | Para o Valor, de São Paulo
Em 2013, Alberto Encinas, CEO da empresa de alimentos Gomes da Costa, passou o bastão para Anderson Souza, executivo da área de distribuição da empresa. Ele não confiou o comando da companhia a um sucessor, mas sim a tarefa de terminar uma maratona de revezamento - nessa prova de equipe, os corredores cumprem parte do trajeto e entregam ao colega um bastão para que ele siga com o circuito.
Encinas confessa que não estava muito confiante no desempenho de Souza, então iniciante nas corridas. “Ele estava acima do peso e sofreu muito para cumprir a prova”, conta. Dois anos depois e 40 quilos a menos, o executivo tornou-se um atleta semi-profissional e conquistou a admiração do presidente. “Aquele foi o começo dele na atividade física. Depois que o Anderson abraçou o esporte, teve melhoras impressionantes em qualidade de vida, ganhou foco no trabalho e passou a ser uma referência de superação na empresa. Gosto de brincar dizendo que a pessoa à qual entreguei o bastão não é a mesma de hoje.”
Encinas e Souza fazem parte de um grupo de corrida criado pela Gomes da Costa há dois anos e meio. Duas vezes por semana, aproximadamente 15 profissionais da unidade de São Paulo se reúnem para treinar depois do trabalho. “São pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos da organização. Esse encontro favorece a integração descontraída de colegas e melhora o clima de trabalho no escritório”, afirma o CEO.
Em busca de melhor produtividade, engajamento e, sob um viés mais pragmático, redução dos custos com tratamentos de saúde, as empresas vêm investindo em programas mais estruturados de esporte e bem-estar nos últimos anos. Mesmo em tempos de crise, as organizações fortalecem suas ações de qualidade de vida, promovendo atividades preventivas como orientação nutricional e esportiva, atendimento psicológico e eventos sociais.
“São programas muitas vezes criados para atender questões como a redução de custos de saúde. Aos poucos, eles são incorporados à estratégia de algumas empresas visando outros resultados como a retenção de talentos, redução de passivos trabalhistas e até a melhoria da reputação organizacional”, afirma Ana Cristina Limongi-França, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho da Universidade de São Paulo (USP). “A ideia por trás disso é que tratar bem as pessoas e prevenir é menos custoso do que os prejuízos por afastamentos médicos e causas trabalhistas.”
No grupo varejista GPA, responsável por marcas como Pão de Açúcar e Extra, o gasto crescente com os planos de saúde dos 150 mil funcionários e suas famílias foi um dos motivadores para uma reformulação dos programas corporativos de qualidade de vida. As ações pontuais de promoção do esporte como o patrocínio a maratonistas e as 20 academias internas não eram suficientes para atender a todo o universo de funcionários.
“Melhor do que formar alguns megaesportistas é fazer com que os 150 mil comecem a andar”, afirma Antonio Salvador, vice-presidente de gente e sustentabilidade do GPA. No último ano, a organização iniciou um projeto-piloto com colaboradores de algumas unidades, comparando dados fornecidos pelo plano de saúde como taxa de colesterol e obesidade com hábitos de vida. Em um escritório administrativo de 400 pessoas, por exemplo, 65% dos funcionários tinham sobrepeso e quase nenhum vivia uma rotina saudável. No centro de distribuição, os hábitos eram melhores, mas os problemas ortopédicos eram mais frequentes.
A solução para as necessidades diversas, segundo Salvador, foi desenvolver ações específicas de acordo com o perfil dos funcionários. “A ideia é montar um plano de qualidade de vida personalizado, com opções viáveis e sustentáveis ao longo do tempo”, diz. Todo o programa vem sendo baseado em um banco de dados que reunirá informações sobre saúde, nutrição e hábitos dos colaboradores. Dessa forma, Salvador espera também engajar a liderança no processo de mudança. “Vamos usar a linguagem de negócios e apresentar os indicadores e um plano de ação, tornando o projeto tangível para os gestores”, diz.
O envolvimento e a presença dos líderes nesse tipo de projeto, segundo Ana Cristina, ainda é um dos desafios para o sucesso das ações corporativas de qualidade de vida. “Boa parte das empresas ainda atua de forma reativa, oferecendo apoio clínico apenas quando o problema está instalado. Atuar de forma estratégica é promover a educação e o atendimento primário, até para que o funcionário seja capaz de fazer a autogestão da sua saúde e do seu bem-estar”, afirma.
Engajar a liderança, no entanto, não é apenas fazer com que os gestores se comprometam com a qualidade de vida dos funcionários, mas também que se tornem modelos para o restante da companhia. Na Metlife, dois membros da alta diretoria são maratonistas. O CEO treina três vezes por semana e sai mais cedo para jantar com os filhos. “Oferecer incentivos não adianta se não houver bons exemplos”, afirma a diretora de RH, Andrea Barradas, também adepta da academia.
Desde o ano passado, a Metlife vem reestruturando seu programa de bem-estar.
Atividades como grupo de corrida, massoterapia e parcerias com restaurantes para oferecer lanches saudáveis foram reunidas sob uma só área. “A criação de um clube fez com que amarrássemos iniciativas isoladas que já tínhamos a outras ações de bem-estar, com o apoio da alta liderança”, afirma Andrea.
O clube tem cinco pilares de atuação, que envolvem estímulo e patrocínio a atividades físicas variadas para os 700 funcionários, campanhas e palestras educativas, prevenção, alimentação saudável e inclusão da família. “Estamos promovendo encontros em parques com empregados e seus familiares nos fins de semana, oferecendo atividades físicas e comida saudável, buscando educar também as novas gerações”, explica a diretora de RH. Hoje, 47% dos colaboradores se dizem engajados em uma atividade física e a meta é chegar a pelo menos 70%. Como consequência indireta, espera-se reduzir o turnover de atuais 18% para 10%.
A professora da Fundação Instituto de Administração (FIA) Maria Lúcia Coutinho, que no seu mestrado avaliou iniciativas de qualidade de vida em grandes empresas, ressalta que é importante ir além do exercício físico e dos dados médicos. Atividades nas esferas sociais (como confraternizações entre funcionários), psicológicas (de acompanhamento terapêutico e organizacional), além de apoio à educação e qualificação, deveriam ganhar mais atenção do mundo corporativo. “A insatisfação em alguma dessas dimensões pode comprometer o engajamento do profissional. Elas devem ser trabalhadas juntas, como um projeto integral.”
Valor Econômico – SP