03/07/2015 20:00
// Por: Milton Gamez e Márcio Kroehn
A quarta-feira 1º de julho teve um significado especial para a BRF. A empresa de alimentos, que foi criada a partir da fusão de Sadia e Perdigão, em 2009, cumpriu o período de restrição que constava no acordo assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a aprovação da união dos negócios. Entre dezenas de recomendações feitas pelo órgão de defesa da concorrência, como a venda de marcas e fábricas, havia a proibição do uso da marca Perdigão em nove categorias de produtos, por três anos. Durante esse prazo, os negócios da marca foram reduzidos em 40%.
Internamente, essa limitação era tratada como se fosse uma competição esportiva de luta e a BRF tivesse um dos braços amarrado. A força estava concentrada na Sadia. A partir de agora, o lutador está livre para usar toda sua energia. Para a BRF, uma gigante com vendas totais de mais de R$ 30 bilhões ao ano, é como se uma nova empresa tivesse nascido. Para marcar esse novo momento, a BRF deu início a uma grande campanha publicitária nacional na quinta-feira 2, na qual destaca os seu valores e, principalmente, convida os interessados a trabalhar lá.
Acreditamos no Brasil, estamos fazendo investimentos pesados e contratando pessoas que acreditam em nossos valores para crescerem com a gente, disse à DINHEIRO Flávia Faugeres, diretora-geral da BRF, no Brasil (confira entrevista ao final da reportagem). Dinâmica, ela busca novos profissionais que acreditem em sete atributos que movem a nova BRF: amor de dono, inspiração pelo consumidor, vida saudável, fazer juntos, fome de performance, inconformismo positivo e o é para já. Queremos gente que valorize a ética, afirma. Não dá para trabalhar com comida sem achar que tem de fazer sempre a coisa certa.
No mesmo dia do lançamento da campanha de recrutamento, antes das 7 horas da manhã, o diretor nacional de vendas, Rafael Ivanisk, comandou do Rio de Janeiro uma apresentação para os vendedores que estavam reunidos nos escritórios da BRF de todo o País. Ele destacou o quanto a volta da Perdigão era esperada pela companhia e como posicionar o presunto cozido, o apresuntado e a linguiça defumada da marca no varejo. Com esses três produtos, a BRF calcula que deva recuperar 83% de seu potencial de mercado. Agora vamos para o tatame com as duas mãos livres, o mercado vai poder sentir toda a força da BRF, diz Flávia.
De acordo com pesquisa da consultoria Nielsen, a Perdigão volta em duas categorias que acumulam crescimento na casa de dois dígitos, nos dois últimos anos, principalmente pela consolidação do aumento do poder aquisitivo da nova classe média que agora está sendo corroído pela inflação e o aumento gradativo do desemprego. Neste ano, as empresas precisam de boa estratégia de execução dos investimentos para manter em alta esse potencial de consumo da categoria, diz Mayane Soares, analista de mercado da Nielsen. No próximo ano, chega ao fim a suspensão da venda do salame Perdigão e, em 2017, de lasanha, pizza congelada, peito de peru, quibe e almôndega.
A ordem é driblar a crise desde já, especialmente com uma marca de apelo mais popular, como a Perdigão. A empresa irá investir R$ 1,85 bilhão em 2015, cifra suficiente para espantar e animar qualquer pessimista de plantão. Muitos empreendedores falam de crise, de teimosia do governo, mas temos de fazer a nossa parte, afirmou Abilio Diniz, presidente do conselho de administração da BRF, em evento em Paris, na quinta-feira. O Brasil é maior e mais forte que o governo. Os governos passam, o Brasil vai adiante. O mercado que a BRF enfrenta agora não se compara com o de três anos atrás, principalmente pela chegada de um novo e forte concorrente.
Trata-se da Seara, que, em novembro de 2013, foi vendida pelo frigorífico Marfrig para o JBS, o maior grupo privado do País e um dos maiores investidores do setor de alimentos no mundo na semana passada, o JBS adquiriu duas fábricas de processamento de suínos da Cargill Pork, nos Estados Unidos, por US$ 1,45 bilhão. O principal trunfo utilizado pela Seara foi a contratação da apresentadora Fátima Bernardes para estrelar agressivas campanhas de marketing. No início deste ano, a BRF preparou seu contra-ataque com a associação ao casal Luciano Huck e Angélica, que passou a destacar o conceito família da Perdigão.
A volta de uma marca que estava adormecida há três anos faz sentido se a BRF for posicioná-la no marketing de guerrilha, na briga de preço com a concorrência, diz Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos. O desafio é não roubar participação de mercado da Sadia. Se depender das pesquisas conduzidas pela BRF, a lembrança que o consumidor tem da Perdigão impede uma competição fratricida. A Perdigão é uma marca em brasa, que só precisa de um sopro para voltar a pegar fogo, diz o consultor de branding Jaime Troiano. Segundo o ranking DINHEIRO/ Millward Brown Vermeer, a Perdigão é a 20ª marca mais valiosa do País.
No setor de alimentos, perde em valor de mercado apenas para a Sadia e está à frente da Seara. Para a BRF, a volta da Perdigão é a parte final de um processo que teve início há três anos e não foi devido às imposições do Cade. Descontentes com os resultados do grupo, que havia registrado uma margem de Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortizações e depreciações) de apenas 9%, voltando praticamente para o ano da fusão, o fundo de investimentos Tarpon e a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, buscavam uma saída para mudar a direção da empresa.
Detentores de cerca de 20% das ações da BRF, eles perguntaram ao empresário Abilio Diniz se ele gostaria de ser um sócio investidor da empresa de alimentos. Com a briga com os franceses do Casino e sua saída do Grupo Pão de Açúcar, Abilio vislumbrou potencial na proposta e deu o sinal verde para os acionistas. O plano de mexer com a estrutura do negócio provocou uma reviravolta na BRF. Mesmo com os acionistas divididos, o então presidente do conselho de administração, Nildemar Secches, decidiu não rachar a empresa e deixou a cadeira vaga para a eleição de Abilio, no início de 2013.
Com 14 anos de dedicação à Perdigão, Secches saiu aborrecido. Abilio investiu R$ 1,2 bilhão na empresa e, aos poucos, vendeu todas as ações do Pão de Açúcar que possuía. O conselho presidido por Abilio deu início ao Plano 100 dias, período em que mergulhou nos meandros da BRF para identificar ineficiências e ganhos potenciais adormecidos. A radiografia revelou uma empresa burocrática em excesso, pesada como um elefante e cara. Além disso, tinha negócios pouco lucrativos, como os de carne bovina e lácteos. O plano de enxugar a estrutura desagradou o presidente-executivo José Antonio Fay, que entregou o cargo seis meses depois da entrada de Abilio no grupo.
O substituto de Fay, o consultor Claudio Galeazzi também conhecido como Mãos de Tesoura , promoveu um choque de gestão e logo os números apareceram: o Ebitda saiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 4,7 bilhões e a margem, de 9% para 16%, em apenas dois anos. Para mudar as estruturas de poder na BRF, Galeazzi montou uma operação de guerra que culminou na saída de 10 dos 12 vice-presidentes do grupo. Ao mesmo tempo, o financista Pedro Andrade de Faria, da Tarpon, assumiu o cargo de CEO internacional da empresa, num movimento pensado para prepará-lo para assumir os negócios da BRF no lugar de Galeazzi, que se concretizou em janeiro deste ano.
Foram criados cinco cargos de general manager (diretores regionais): Brasil, América Latina, Europa, Ásia e África/Oriente Médio. Quando o 1º de julho voltar ao calendário, não apenas a volta da marca Perdigão será comemorada pela BRF, mas também a conclusão dos planos traçados por Abilio. Na quarta-feira passada, foi anunciada a venda da divisão de lácteos para a Lactalis do Brasil, por R$ 2,1 bilhões. Isso encerra um período de reestruturação e adequação, que culmina com uma empresa robusta, com mais musculatura e capacidade de competir por uma participação ainda maior no mercado global de alimentos. Agora, é atrair novos talentos e partir para cima da concorrência.
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Não queremos ser o líder gato gordo
Flávia Faugeres, general manager (diretora-geral) da BRF no Brasil
Desde o início deste ano, a acelerada executiva Flávia Faugeres é um dos cinco comandantes (general managers) da BRF que se reportam ao CEO Global, Pedro de Andrade Faria. A posição não existia até a criação do modelo descentralizado de gestão, que dividiu os mercados em que a empresa atua em regiões geográficas. Flávia, que era vice-presidente de marketing e inovação, é agora a responsável pelo Brasil. Há um ano e meio na BRF, antes ela ocupou a posição de executiva global de marketing do Burger King, que pertence ao fundo 3G, nos Estados Unidos. Foi vice-presidente do Pão de Açúcar, diretora comercial do Wal-Mart e também trabalhou na fundação da AmBev, onde conheceu os sócios do 3G, Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Teles e Carlos Alberto Sicupira. Como eles, é uma incansável máquina corporativa e avessa a entrevistas Não sou celebridade, trabalho em equipe , justifica. Na quarta-feira 1, ela falou à DINHEIRO, em São Paulo:
Por que essa fase da empresa é tratada como a refundação da BRF?
É um momento essencial. A BRF, que é a junção das duas maiores empresas de alimentos do Brasil, foi formada há três anos, mas sem 40% dos negócios da Perdigão, que tiveram de sair de linha. Agora, a BRF pode juntar as marcas Sadia e Perdigão, que têm funções e posicionamentos diferentes.
O que houve nesse período?
Treze categorias de produtos continuaram sendo vendidas, mas são muito menos relevantes. O incrível é que o recall da marca Perdigão não diminuiu. As sete linhas mais importantes podem voltar, como presunto, apresuntado e linguiça defumada, no qual era líder de mercado. O Cade nos obrigou a vender algumas linhas de produção para os concorrentes. Agora, um ambiente competitivo está sendo recriado, no qual as nossas marcas têm posicionamento diferente e podem trazer diferenciais para os consumidores. Para o mercado de alimentos, é essencial.
O que vai diferenciar Sadia e Perdigão?
O que sempre as diferenciou: a Sadia é a marca inovadora, que traz novas categorias e quebra paradigmas. Ela tem um conceito de modernidade muito forte. A Perdigão é uma marca mais popular, mas extremamente grandiosa, que sempre teve um ótimo custo-benefício e que tem categorias com alta penetração. É ela que permite o acesso às inovações.
Num momento de retração econômica, uma marca popular forte cai do céu para a companhia?
Com certeza. A vantagem da Perdigão, que não é uma marca barata e nunca se posicionou como uma marca barata, é um ótimo custo-benefício. O consumidor não duvida da qualidade da Perdigão, mesmo com preço menor. É diferente de outras marcas do mercado. Quando o consumidor tem menos dinheiro, ele não quer errar. A mulher que está com o dinheiro contado não quer se arriscar a comprar uma marca que não vai ser boa para o filho dela, por problema de qualidade.
Qual é a ambição da BRF?
A BRF não quer ser só líder no Brasil, quer se comportar como líder. Ou seja, trazer inovação para o consumidor e novas tecnologias para o mercado. Minha grande palavra é democratizar. Uma coisa é ser líder em market share (participação de mercado), outra é se comportar como um. Temos escala para investir em qualidade e cumprir com nosso papel social. Não queremos ser o líder gato gordo. Mas não é uma ambição que passa só pelo Brasil, é mundial.
Revista IstoÉ Dinheiro – SP