Por Joana Cunha | Dona de marcas como Le Lis, Dudalina, John John e Bo.bô, a empresa de varejo de moda Veste, antes chamada de Restoque, embarca em uma série de mudanças, que abrangem desde os resultados de sua reestruturação de dívida até os ajustes que a crise climática vai levar ao guarda-roupa do consumidor.
Segundo o CEO da Veste, Alexandre Afrange —empresário da família fundadora, que em 2007 conduziu a venda do controle, e voltou anos depois como diretor—, a mudança climática veio para ficar, e a empresa tem se preparado para criar coleções de inverno mais leves. A venda de casacos caiu mais de 25%, mas a ideia é preservar a margem bruta, alterando o mix de produtos.
“Tivemos uma inversão e uma coleção mais leve. Isso vai ser assim, acho que teremos de prestar atenção nisso por muito tempo”, afirma.
A reorganização das marcas, que a empresa vem fazendo há alguns anos começou pela Le Lis e chega agora à última delas, a John John. A grife ganha um novo conceito, expandindo sua identidade mais noturna e escura para oferecer uma linha de roupas brancas, pensando em novas ocasiões de uso.
“Os jovens, que antigamente eram os inimigos do fim, hoje querem terminar rápido para aproveitar o dia. Estamos ampliando o portfólio para trazer a coleção também para ser usada durante o dia”, diz Afrange.
A empresa passou dificuldades há alguns anos, teve um novo aporte em 2022 e o seu retorno. Como está hoje? Meu retorno foi em 2020, preparando a empresa operacionalmente para voltar a ser pujante e poder ter esse aporte, e os credores entenderem que a empresa valia a pena.
Na recuperação extrajudicial? Foi antes disso. Eu comecei em janeiro de 2020. O pessoal tinha levantado dinheiro na Bolsa em dezembro de 2019. Quando veio a pandemia, aquele recurso acabou indo para outro caminho, os juros subiram, a dívida muito alta. Foi um momento propício para começar a fazer coisas que precisavam ser feitas.
A minha volta marca esse momento em que começamos a reorganizar as marcas, buscando a essência delas, para sair daquela situação que estava complicada, com decisões erradas ao longo de muito tempo. Fizemos todo esse trabalho, que começou pela Le Lis e passou pela Bobô. A Dudalina e a Individual eram marcas que, lá atrás, antes de eu sair, não estavam sob a minha responsabilidade. Eu entendi a operação, e a gente agiu.
Na John John, que vinha muito bem, deixamos para fazer a reorganização por último. No último ano, eu tenho perdido vendas. Mas estamos nos reorganizando, com estrutura completamente nova. Agora se começa a ver os resultados. Abrimos uma loja com um conceito novo da John John e começa essa virada nela também, a exemplo do que fizemos com as outras.
O que é essa mudança? A John John sempre foi uma marca para a balada e a noite. Nós percebemos, especialmente depois da pandemia, que a noite mudou. Muitos eventos passaram para o dia. Os jovens, que antigamente eram os inimigos do fim, hoje querem terminar rápido para aproveitar o dia.
Estamos ampliando o portfólio da John John para trazer a coleção também para ser usada durante o dia, obedecendo todo o conceito dela de espírito jovem, irreverente. Mudamos a equipe inteira, de estilo, comercial e planejamento.
A loja nova vai trazer isso na arquitetura. Será branca e preta, para refletir o dia e a noite, diferente das lojas mais escuras. Nos números, não se vê ainda essa mudança. Prevemos começar a ver isso a partir do quatro trimestre.
Qual é a sua opinião sobre o impacto do avanço das plataformas chinesas sobre o varejo brasileiro? Elas não competem com o seu produto? É outro posicionamento. Quando existe isonomia tributária, a concorrência é muito positiva. Mas é ruim para o mercado como um todo quando uma plataforma chinesa vem para cá com uma alíquota diferente de impostos e um benefício que nós, os que pagamos imposto, não temos.
Os magazines brasileiros, que têm gente competente há muitos anos, sofrem. Isso respinga para todo mundo. Não é concorrente direto meu, mas eu me solidarizo. O Congresso já aprovou pelo menos uma taxa de importação de 20%. Foi maravilhoso e já é um começo. Não é ainda o que precisa ser, mas acho que estamos no caminho. Foi fruto de um movimento intenso do setor como um todo para buscar isonomia tributária.
Quando se compete de igual para igual, se eles têm preço, a gente tem qualidade. Se eles têm preço, nós temos relacionamento com os clientes. No Brasil, nós temos relacionamento com os clientes. A China está lá longe. Tem preço, tem apelo, agora, como é o ESG? Não sabemos. Nós sabemos quais são as nossas responsabilidades, que deveriam ser do mundo inteiro.
E as mudanças climáticas? Como isso interfere no estilo? Esse ano não teve inverno, mas houve mudanças bruscas de temperatura, não? Mudança climática veio para ficar. Olhando para isso, a gente já vem se preparando na concepção da coleção para ter um inverno mais leve. Esse ano, por exemplo, já vendemos 26% ou 29% menos casacos do que no ano passado, mas já foi projetado.
E não por isso eu deixei que o meu faturamento caísse. Tivemos uma inversão e uma coleção mais leve. Isso vai ser assim, acho que teremos de prestar atenção nisso por muito tempo.
A roupa de inverno tem uma rentabilidade maior? Não necessariamente. Temos um foco de rentabilidade. E no nosso mix, ela tem uma composição. Então, de acordo com o nosso planejamento, se planejamos ter menos mercadoria de inverno, vamos planejar ter mais um outro tipo de mercadoria. Na média, a margem bruta vai estar preservada. Esse é o objetivo.
Fonte: Folha de S. Paulo