Por Katia Simões | Há menos de cinco anos falar em camiseta que captura CO2 da atmosfera e elimina na lavagem soava como ficção. Pois virou realidade. O Grupo Malwee lançou em setembro a Ar.voree, primeira malha brasileira com esse perfil. O produto levou dois anos para ser desenvolvido e foi feito em parceria com a Xinterra, de Cingapura, responsável pela tecnologia CO2 Terra, até então usada apenas na construção civil.
Pelo processo, que se mantém ativo por cerca de 25 lavagens, o gás capturado se transforma em bicarbonato de sódio assim que entra em contato com a água e o sabão e é totalmente diluído. “Trata-se da primeira etapa de um projeto maior, que visa adotar a tecnologia em um número significativo de peças, além do modelo básico, em malha 100% de algodão, na cor preta, que chegará às lojas até o início de 2025”, diz Carlos Eduardo Maia Leime, diretor de ESG e marketing da Malwee.
“A tecnologia é proprietária, mas assim que ganharmos escala queremos dividir o conhecimento, a fim de que mais marcas sigam conosco no processo de descarbonização.” Das 35 milhões de peças produzidas pelo grupo por ano, 88% têm atributos sustentáveis, segundo Leime. Em 2023, a Malwee reduziu em 20% as emissões de carbono em relação a 2022, além de reutilizar 111 milhões de litros de água e diminuir o uso de outros 512 milhões de litros na fabricação.
As iniciativas da Malwee traduzem o papel desempenhado pelas empresas no avanço da agenda ESG e no cumprimento das exigências do consumidor, que demanda mais produtos sustentáveis, conforme pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O interesse dos brasileiros por produtos sustentáveis cresceu nos últimos dois anos, saltando de 72%, em 2022, para 76% em 2024.
O resultado da indústria, porém, diverge de pesquisa no ponto de venda. O estudo Impacto ESG no Varejo, da Mosaiclab, empresa de inteligência de mercado da Gouvêa Ecosystem, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento do Varejo, revela que caiu de 50%, em 2023, para 43%, em 2024, a importância dos fatores ambientais, sociais e de governança no processo de decisão de compra.
“A importância do consumo consciente e sustentável se mantém elevada para 88% dos consumidores, porém, a intenção não se traduz nas escolhas práticas”, diz Karen Cavalcanti, sócia-diretora da Mosaiclab. “Os consumidores enfrentam desafios como barreiras econômicas, culturais e educacionais que dificultam a adoção consistente de escolhas mais sustentáveis”. Segundo ela, para avançar, é preciso que as ações sejam estruturadas em conjunto pela sociedade, governo e mercado.
“Uma coisa é busca, outra bem diferente é ferramenta de conversão”, diz Victor Lichtenberg, CEO da B.O.B-Bars Over Bottles (Barras no lugar de Garrafas, na tradução livre). “Faltam espaço nas gôndolas, incentivo para uma produção em escala e educação do consumidor”. Fundada em 2019, com o propósito de ser zero plástico e usar o mínimo de água possível, a startup – que esperar faturar R$ 45 milhões em 2024 – tornou-se a maior empresa de produtos de higiene e beleza sólidos do país.
Em 2023, a B.O.B comercializou mais de 1 milhão de barras. “Uma barra de xampu reduz em 65% a pegada de carbono de um produto tradicional se levarmos em conta a cadeia de ponta a ponta”, diz Lichtenberg, observando que as embalagens são 100% biodegradáveis”. Verticalizada, a B.O.B produz 95% de suas linhas de cuidados com cabelo e corpo na fábrica de São Roque (SP), tendo o e-commerce como principal canal no Brasil e nos Estados Unidos, onde entrou em 2021. “Apenas 20% das vendas acontecem no off-line. Estamos presentes em 400 farmácias e 100 perfumarias no país. No mundo físico, todos sabem que é preciso ter produto sustentável, mas na prática os espaços são reduzidos e desafiadores”, diz o executivo.
Para Marcus Nakagawa, coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental, não se pode mais dizer que se trata de consumo de nicho. “Estamos numa curva ascendente, embora ainda exista um hiato entre a intenção e a compra efetiva”, declara. Os desafios para mudar essa chave, segundo ele, passam pela educação do consumidor, que precisa aprender a enxergar o real valor embutido nos produtos; ganho de escala, porque, caso contrário, fica difícil ganhar espaço na gôndola; pela mudança de visão das lideranças, que precisam enxergar a sustentabilidade não como marketing, mas como um caminho economicamente viável, além do aumento nos investimentos de comunicação, porque o consumidor responde ao que provoca impacto.
Fonte: Valor Econômico