Por Fátima Fernandes | Estudos sugerem que empresas tocadas exclusivamente por pessoas de uma mesma família têm mais dificuldade de sucesso. Isso porque o envolvimento pessoal acaba transcendendo para o profissional, uma mistura de emoções que não é bem-vinda em um negócio.
Em um dos mercados mais competitivos do país, São Paulo, a rede Hirota, com 18 lojas, mostra que é possível, sim, concorrer com gigantes multinacionais, como Pão de Açúcar e Carrefour, e ainda expandir os negócios sob um comando de seis irmãos. Como?
Essa foi a pergunta feita pelo Diário do Comércio a Francisco Hirota, o CEO da rede, um executivo de 65 anos que chega diariamente às 7h da manhã no escritório, adora viajar e, informalmente, toca a empresa desde os 26 anos. No papel, desde 2002.
“Cada empresa tem a sua fórmula de sobrevivência. A nossa está centrada em dois pilares, religião e gestão, com foco em pessoas. Aplicamos fortemente a base dos princípios cristãos, sensibilizando os funcionários para o diferencial espiritual e emocional”, afirma.
Essa filosofia de vida que passou da família para os negócios é seguida fielmente desde que o sr. Matias Katsumi Hirota, pai de Francisco e de mais cinco filhos, vindo do Paraná, abriu, em 1976, um bar e mercearia na Rua Labatut, esquina com a Agostinho Gomes, no Ipiranga.
O lema ‘fé, família, escola e trabalho’ é vivido diariamente por Francisco e os irmãos por meio de treinamento e sensibilização constante de cerca de 2 mil funcionários da empresa.
Retiros, palestras, eventos para convivência e cursos ministrados por sacerdotes católicos e protestantes fazem parte dos treinamentos. “Participa quem quer, ninguém é obrigado. Tenho funcionários que estão comigo há anos e posso afirmar que ‘morrem comigo’”, diz.
Francisco tem orgulho em dizer que metade dos funcionários usa na lapela um broche dourado fornecido pela empresa, o que significa que eles passaram por cursos voltados para religião, ética e família e, mais do que isso, aderiram aos ensinamentos.
Eis o resultado. “A rotatividade de pessoal no varejo em geral é de 85%. No Hirota é de 45%. Nesse grupo de mil pessoas é de 8%. A empresa cresce e consegue competir com as grandes redes porque tem funcionários engajados com a nossa filosofia”, afirma.
Quando um funcionário sabe o que a empresa quer, acredita nos valores da organização, diz, é muito mais fácil manter uma política de diferenciação em relação à concorrência.
“Agora, o que também nos diferencia é que somos a rede de supermercados que mais trabalha com comida pronta, desde a mais simples até a premium, e em todas as lojas.”
Na competição com as grandes redes, como Pão de Açúcar e Mambo, diz, o Hirota tem preços menores, com os hipermercados, iguais, e com os atacarejos, mais altos. “Na verdade, os atacarejos nem são concorrentes, fazem parte de um outro negócio.”
A concorrência entre os supermercados, diz Francisco, está muito acirrada na Grande São Paulo. O setor supermercadista disputa um mercado ao estilo ‘rouba-monte’.
“Se entrar alguma empresa nova, vai ter de roubar venda de outra. Achar ponto bom é raríssimo na região onde atuamos. O trabalho para crescer está em cima de oportunidades.”
EXPRESS E EM CASA
Esse é um dos motivos que levaram a rede a buscar novos mercados e a criar o Hirota Express, em 2015, hoje com 22 lojas, e o Hirota em Casa, com 134 unidades em condomínios.
Francisco faz questão de dizer que foi o pioneiro no lançamento da versão Express, lojas menores do que as de supermercado, inspiradas em modelos japoneses.
A rede chegou a ter 30 lojas, número que caiu hoje para 22, considerando as 12 lojas atualmente instaladas em empresas, que são idênticas às do formato Express.
Agora, levando em conta somente as de rua, o número caiu de 30 para 10 unidades.
“Fechamos algumas lojas, sim, porque o brasileiro não entendeu o que é uma loja de conveniência, que acabou ficando com o estigma de ser cara por causa da 7-Eleven.”
A 7-Eleven, nascida nos EUA, chegou a ter 17 lojas no Brasil na década de 1990, mas acabou desistindo do mercado devido à concorrência com as lojas 24 horas de postos de gasolina.
O consumidor, diz, ficou sem saber se o modelo era padaria, quitanda, mercearia, lanchonete.
Apesar da chegada da mexicana Oxxo, em 2020, que trouxe justamente o modelo de loja de conveniência para o país, Francisco afirma que ainda existe um mercado para a abertura de mais umas 50 lojas Hirota Express na Grande São Paulo.
“Nossa ideia é crescer com este formato na medida em que vemos que o consumidor entende a proposta da conveniência. Hoje, o que diferencia a Express da Oxxo é a comida. No Hirota Express, 30% do mix é comida. Na Oxxo, 30% do mix é bebida.”
O modelo expresso do Hirota foi trazido do Japão, especificamente das lojas de conveniência chamadas de konbini, abertas 24 horas por dia, que vendem de comida a acessórios.
Essas lojas espalhadas por todo o Japão, algo perto de 75 mil unidades, de acordo com Francisco, são as ‘queridinhas’ dos japoneses.
A ideia da família é também crescer no mercado que chama de super conveniência, com a bandeira Hirota em Casa, que são as mini lojas em condomínios residenciais.
“Este é um mercado novo, de muito desafio. As grandes redes não têm interesse em ter loja de baixo faturamento. E as startups que estão no negócio não têm o conhecimento de lidar com clientes, produtos, fornecedores. Nós estamos no meio disso”, diz.
O Carrefour acabou de anunciar que desistiu de disputar o mercado de lojas autônomas em condomínios residenciais no Brasil, com o fechamento de 29 unidades em São Paulo e no ABC.
O Hirota decidiu participar de concorrência para pegar boa parte desses pontos. Acredita que umas 20 lojas deverão ficar com a rede.
O grande desafio desse modelo, diz, é lidar com o furto, que representa no mínimo 10% da receita de uma loja.
“O brasileiro é muito criativo, com toda a tecnologia que existe, ele dá um jeito de enganar a máquina. Ainda assim, queremos crescer neste mercado. O plano é ilimitado”, diz.
FINAL DE ANO
A rede Hirota fatura cerca de R$ 800 milhões por ano, sendo que o Hirota em Casa representa 18%, o Hirota Express, 7%, e os supermercados, o restante.
Apesar de os indicadores econômicos estarem mais favoráveis ao consumo, Francisco não está muito animado com as vendas para este final de ano. A palavra de ordem, diz, é cautela.
“Em relação ao que se previa, um crescimento do PIB de 1,5%, o país deve crescer quase 3%. Mas o fato é que não há estabilidade nas vendas, um mês está ruim, outro melhor, não há certeza de nada. Julho foi um terror para o varejo brasileiro”, diz.
Agosto, diz, já foi um mês melhor do que o previsto, uns 1,5% a 2% acima do ano passado, considerando o IPCA, de 4,4%. “Só que a inflação do Hirota está em torno de 6%”, diz.
Com esse cenário, Francisco diz que não vai agir com otimismo nas compras para o final de ano. “Se for otimista, você pode quebrar a cara. Por isso, vamos ser absolutamente realistas.”
O volume de compra de produtos para o final do ano será idêntico ao do ano passado em todas as linhas de produtos.
“Se vender tudo, ótimo. Apostar que vamos vender 1,5% a mais que o ano passado, como até agora, já é um risco. Se o estoque micar, vamos ter de pagar os fornecedores de todo o jeito no dia 10 de janeiro. No ano passado sobraram uns 5%.”
Apesar de atuar em um dos setores mais competitivos do país, Francisco, formado em Engenharia Mecânica na Unicamp e em Administração de Empresas na Faculdade Mauá, com pós-graduação no ISE Business School, não deixa de tirar férias e viajar.
“Viajo muito, umas duas, três vezes por ano, já conheci mais de 65 países, jogo bola, gosto de pescar, cavalgar, ir para retiros, tomar cerveja com os amigos”, diz.
Para mostrar como se programa, sai da sala onde acontecia a entrevista para buscar uma agenda (de papel), na qual constam os compromissos do ano e as datas para as viagens.
“Já fui duas vezes para os EUA este ano”, diz. O país que mais gosta é o Canadá.
A cada três anos, as 21 pessoas da família viajam juntas. No ano que vem, o destino é o Japão. “A verdade é que a minha curiosidade sobre o mundo despertou a partir das viagens que faço.”
Veja abaixo os principais trechos da entrevista com Francisco Hirota, CEO da rede Hirota:
WALMART
Quando a rede Walmart chegou ao Brasil, em 1995, nós tínhamos quatro lojas. Todos os executivos do mercado achavam que pequenos, médios e até grandes do setor seriam eliminados. A rede era considerada a grande predadora da cadeia alimentar.
Depois de muitos anos, vimos que o Walmart era uma fera sem dente, que tinha um tamanho gigantesco, mas não tinha a mordida que todo mundo achava. Tanto que depois de pouco mais de duas décadas, a rede saiu do Brasil com perda de US$ 15 bilhões.
E nós estamos com 18 lojas e outros negócios.
Muitas empresas estrangeiras chegam ao país com arrogância, acham que os brasileiros só entendem de samba e Carnaval, não sabem nada de gestão. Elas não ouvem os brasileiros e se enganam completamente.
Quem chegou ao Brasil sem humildade, como os grupo Jerónimo Martins (vendeu a rede Sé para o grupo Pão de Açúcar, em 2002) e Sonae (vendeu operações para o Walmart em 2005), quebrou a cara.
Quando saiu pesquisa mostrando que os brasileiros eram grandes executivos por enfrentarem situações adversas simultaneamente, aí o executivo daqui ganhou respeito.
PESSOAS
Nós procuramos ter funcionários mais sensíveis às demandas humanas, aos diferenciais espiritual e emocional. Mostramos a fé na constituição da pessoa, na conduta humana, na agregação da família.
Quando uma pessoa tem os valores humanos fortes, principalmente pela religião cristã, ela está voltada para os outros, deixa um pouco o egoísmo e o materialismo que o mundo está impondo às pessoas.
Manter o funcionário engajado com a filosofia da empresa tem tudo a ver com o fato de o Hirota conseguir concorrer e sobreviver num mercado tão competitivo.
NEGÓCIOS
Nós temos hoje 18 supermercados, com planos de abrir uma loja por ano. A competição está acirrada e achar um ponto é raríssimo, então trabalhamos com oportunidades.
Nos formatos Express e Hirota em Casa existe um mercado que ainda está se formando e há muitas oportunidades de expansão.
Nas ruas temos dez lojas Express e achamos que temos espaço para abrir mais umas 50. Estamos de olho nos melhores pontos na Grande São Paulo.
Íamos lançar em 2016 justamente o modelo da Oxxo, mas quando fomos para o Japão conversar com o pessoal da 7-Eleven e tivemos acesso à fábrica e à logística da operação com comida, nós adaptamos o modelo.
Dizem que, no Japão, o povo pode viver sem governo, mas não vive sem as Konbinis, que resolvem a vida deles desde comida, tecnologia até serviços, compra de ingressos, passagens aéreas, além de toda a parte bancária e de correspondência. É um local onde se resolve a vida.
Esse era o modelo que queríamos instalar no Brasil, só que o brasileiro não entendeu. Na medida em que ele for entendendo esse tipo de loja, nós vamos expandir.
No caso do Hirota em Casa, com 134 unidades já instaladas em condomínios residenciais, o céu é o limite. O problema do furto é um desafio, mas vamos tentando resolver com tecnologias.
E-COMMERCE
Não pegou nos supermercados. A participação em relação ao faturamento do Hirota, que era de 2,5%, em 2019, hoje é mais ou menos de 3,5%. Chegamos a 18% em 2021, com a pandemia.
O e-commerce é um canal e dá prejuízo, não somente no setor supermercadista. Muitas lojas que estão fora, como a Lojas Cem e a Gazin, estão melhores do que outras que entraram fortemente na venda online. Veja o caso da Magalu.
SELF-CHECKOUT
É um tema polêmico. O brasileiro, infelizmente, tem propensão ao furto maior do que se vê em outros países. Quando o cliente percebe que não está sendo vigiado, ele furta.
Não temos números exatos da participação do furto no self-checkout, mas sabemos que está aumentando. Se havia duas ou três ocorrências por mês. Agora são de cinco a dez.
Hoje, a perda do supermercado é da ordem de 2,5% sobre o faturamento, entre produtos identificados e não identificados. Nos EUA, é de 1,6%.
E olha que no nosso caso temos muita transformação de produtos porque vendemos comida pronta em todas as lojas.
Nos EUA também há o mesmo problema. Estive com o pessoal da Target e fui informado que tem cliente que faz a festa com furtos nas lojas.
Hoje o que se recomenda é que tenha pelo menos um atendente para três self-checkouts.
PERSPECTIVAS
Em relação ao que se previa, está melhor, mas quando você passa de uma Selic de 2% para quase 14% em três, quatro anos, você destrói qualquer planejamento de empresa.
Agosto foi um mês um pouco melhor do que o previsto, uns 1,5%, 2%, o que deve acontecer ao longo do ano. O emprego está melhor, só que a renda do brasileiro está diluída em diferentes gastos, até em apostas eletrônicas.
Na verdade, o Brasil não tem estrutura para crescer mais do que 3,5% ao ano. Para isso, tem de fazer uma reforma estrutural muito grande, não apenas a tributária, mas uma reforma administrativa, para mudar o meio como as questões brasileiras são encaminhadas.
Hoje, o sistema político impede que as pessoas de bem convivam dentro da política. O fundo partidário, criado a partir de 2016, faz com que o dinheiro seja dividido com as pessoas do partido, que estão conchavadas para distribuição a quem interessa.
FAMÍLIA
Mário, o irmão mais velho, aposentado, era da área comercial. A segunda da família, Maria, aposentada, era do SAC. O terceiro filho sou eu. O quarto, Lucy, é da área financeira.
O quinto, Roberto, está sendo preparado para ser o futuro CEO, já que eu me aposento em 2026. A mais nova, Salete, trabalha no departamento pessoal.
Temos um conselho de administração para a empresa e um conselho de família, com a participação de todos os irmãos, com idades entre 54 e 67 anos.
No conselho de administração participam diretores da rede e dois conselheiros independentes, Oriovaldo Padilha e Guga Schifino.
Divergências existem, mas posso dizer que a religião reduz três vetores perigosíssimos para quem tem um negócio: orgulho, egoísmo e inveja.
Vi muitas empresas gigantes quebrarem porque esses três vetores envenenaram o convívio familiar. Na empresa é a razão e na família é o amor.
Na família, a gente procura sempre apaziguar os ânimos, invocar a lei da fé e do amor para diminuir as desavenças. Conflitos nós temos, é normal do ser humano, mas tem de saber administrar.
Dos nove filhos dos seis irmãos, cinco estão na empresa e todos eles se dão melhor do que nós. O meu filho mais velho, Bruno, é gerente de operações da Express.
A Caroline, a mais parecida comigo, está na área comercial. A Jaqueline, a mais nova, no departamento de RH.
Uma empresa familiar pode ser ultra competente, mas se tiver divergências entre os irmãos, os familiares, não vai dar certo. Das 21 pessoas da família, 20 trabalham na empresa.
Fonte: Diário do Comércio