Por Lucianne Carneiro | Um consumidor com visão cada vez mais estratégica, postura ativa e com menos decisões por impulso. Este é o perfil do consumidor da América Latina traçado a partir do estudo “Pulso Latam”, da consultoria BMC Innovation. Foram entrevistados seis mil consumidores de Brasil, México, Argentina, Colômbia, Peru e Chile entre março e maio de 2024 para identificar as percepções sobre o comportamento do consumidor e o contexto econômico e social da região.
No grupo de seis países, mais da metade dos entrevistados apontou que recorre a marcas mais baratas na compra de alimentos (53%) e de produtos de limpeza (52%). A parcela também é elevada na aquisição de itens para cuidados pessoais (45%), mas é menos frequente em bebidas sem álcool (26%), roupas (26%) e produtos eletrônicos (17%). O uso de promoções também é disseminado e usado com frequência nas seguintes categorias: alimentos (43%); produtos de limpeza (37%); itens para cuidados pessoais (38%).
“Os consumidores ganharam um protagonismo na estratégia de compra. A história da compra é muito mais segmentada e híbrida do que era antes. O consumo por impulso era muito mais constante e importante do que é hoje. Por isso a gente fala no fim desse consumo por impulso”, afirma o diretor da BMC no Brasil, Rafael Pelosini. Criada na Argentina, a BMC é uma consultoria com seis unidades no mundo e negócios nos Estados Unidos, Europa e América Latina.
A adesão a determinados comportamentos varia entre os países e de acordo com o tipo de produto. No consumo de alimentos, a escolha de marcas mais econômicas foi citada por 13,8% dos entrevistados no Peru e 14,1% no México. Na outra ponta, a Argentina foi o país com maior percentual (19,3%).
Consumidores também ajustam o volume de consumo: 19,7% dos entrevistados na Argentina afirmaram comprar menos quantidade de alimentos. O quesito teve no Peru (14,8%) a menor parcela entre os países entrevistados.
Nas despesas com vestuário, por exemplo, o México foi o país com maior proporção de uso do método de compra com menor frequência (19,9%), seguido por Peru (18,1%), Brasil (17,1%), Colômbia (15,9%), Argentina (15,6%) e Chile (13,4%). Nesta categoria, o ajuste no volume (com menor quantidade) foi citado por 18,8% dos consumidores no Peru e 15,2% no Brasil.
“Os dados da nossa pesquisa mostram que os consumidores estão adotando estratégias mais racionais e planejadas. Há diferentes caminhos para lidar com os orçamentos limitados”, nota Pelosini.
Se por um lado o impulso perde espaço nas decisões de compra, por outro o consumo se mantém como uma espécie de “validador social”, defende ele, em que o comportamento consumista é necessário para se afirmar na sociedade. “Temos exemplos mais óbvios, como é o caso do telefone celular, mas entram aí também pequenas compras que dão aval social. Só que isso puxa outro aspecto que se vê com muita clareza, que é o apoio no crédito e no endividamento”, aponta Pelosini.
No Brasil, por exemplo, oito a cada dez famílias têm dívidas a vencer, mostram dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Neste cenário de endividamento, ganha importância o conceito de “affordvaluity”, aponta o diretor da BMC Innovation Latam, Gonzalo Fonseca. A expressão em inglês une as palavras “affordability”, que sinaliza um preço acessível, “value”, que é o valor percebido pelo consumidor.
“Historicamente, no consumo massivo, fala-se de ‘affordability’, que é a capacidade de tornar o produto acessível aos consumidores. Mas esse consumidor também quer perceber valor no que consome. Se a empresa combina a ‘affordability’ com o valor da marca, constrói o que chamamos de ‘affordvaluity’. Nem sempre precisa ter um preço tão baixo para conquistar o consumidor”, diz o diretor da BMC, Gonzalo Fonseca.
Com 45 anos, a cirurgiã dentista e bombeira Karina Maltone Monteagudo tem renda que considera alta, mas ainda assim percebe aumento de preços, seja no supermercado ou em produtos de beleza, roupas e sapatos, por exemplo.
O perfil de compras de alimentos foi mantido. Mas, em casos em que o preço está muito fora do padrão, Monteagudo não gasta, faz alguma troca de marca ou adia o consumo. Em roupas, decidiu trocar algumas por outras mais baratas para lidar com a alta de preços. “Dou muito valor ao meu dinheiro. Não sou mão de vaca, mas não também não esbanjo”, diz. “Antes, eu entrava na farmácia e escolhia logo um creme para o rosto, por exemplo. Mas hoje entro em duas ou três farmácias para ver onde o preço está mais em conta. Essa é a diferença”, conta.
No caso de roupas e sapatos, Monteagudo afirma que não se considera consumista, mas ainda assim, decidiu trocar algumas marcas para economizar. “A gente percebe uma mudança de patamar de preço. Com isso, mudei um pouco o perfil das lojas que compra, como nas roupas de academia”, nota.
Fonte: Valor Econômico