Por Adriana Mattos e Helena Benfica | Os últimos tempos não andaram muito fáceis para a Lojas Renner. Como se não bastasse o cenário de concorrência agressiva das plataformas asiáticas, a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul teve impacto direto nas vendas da rede gaúcha. Cerca de 12% de sua receita total vem da região Sul, e no período crítico, 4% da base de lojas foi afetada pelo problema.
Somado a isso, a varejista avançava, nos últimos meses, numa mudança do modelo de negócio no país, que envolve o funcionamento de um novo centro de distribuição, em Cabreúva (SP). E a operação ainda não estava completamente estabilizada quando as enchentes no Sul tomaram conta da cidade sede da companhia.
Para completar o cenário, o longo verão deste ano reduziu consideravelmente a demanda por produtos de inverno, e a Renner é referência, entre as redes do setor, em vendas na estação mais fria do ano. Naturalmente, parte desses efeitos é comum a todas as redes de moda de capital aberto, mas na Renner os impactos se concentravam.
Nos últimos três anos, varejista de moda investiu R$ 2,9 bilhões; rede tem produção própria de até 40%
Meses depois dessa junção de fatores nada favorável, a empresa sinaliza que pode ter começado a virar essa página, e o mercado parece acreditar que há um momento “potencialmente melhor”, como escreveu a equipe de analistas do banco Goldman Sachs, em relatório recente.
Em entrevista na última quarta-feira (2), o presidente da Renner, Fabio Faccio, disse que a empresa “começa a voltar para uma normalidade” de seus resultados, e que a atual fase de estabilização na atividade do centro de distribuição, o maior do grupo no país, tem peso nesse processo.
“Mudamos a forma como os nossos fornecedores trabalham, como as nossas lojas trabalham, e como o centro [de distribuição] trabalha. Foram três anos de transformação profunda. Isso pressionou o retorno sobre o capital investido por um excesso de investimento. E pressionou a venda também”, disse. Foram quase R$ 2,9 bilhões investidos nesse período, recorde na história da cadeia.
No fim, por três anos, o potencial da rede “não foi exercido ao máximo”, disse, em parte porque as mudanças no sistema de distribuição refletiram revisões mais amplas da estratégia. De alguns anos para cá, houve um foco maior no formato de fabricação de peças mais duradouras, mas com conceito de sustentabilidade, e que pudessem ser distribuídas de forma ágil e eficiente.
A questão é que repensar o modelo de negócio, mesmo que de forma planejada, acaba afetando a operação. A receita líquida de varejo da Renner cresceu 5,3% de janeiro a junho, para R$ 5,5 bilhões, sem descontar a inflação. Em 2023, esse valor subiu apenas 1,1%.
Neste caso, há também efeito externo, de juros afetando a demanda, e de uma concorrência nacional mais forte em 2023, como da C&A, e dos marketplaces, como a Shein – que neste ano, teria perdido algum fôlego. Faccio entende que, nesse ambiente, “se a empresa não tivesse feito nada, com certeza teria vendido muito mais”, disse. “Mas não teríamos a vantagem competitiva que temos agora. Então, diria que, dos últimos anos, o terceiro trimestre vai ser um trimestre normal”.
Questionado se um desempenho mais normal seria próximo ao que se viu entre 2017 e 2019, o executivo disse que isso depende do indicador analisado, até porque 2019 foi um período “fora da curva”, de recordes para a rede. “Numa média, pode ser mais próximo do ano de 2017. É como se a gente estivesse entrando num ciclo como se fosse de 2017 a 2019, só que num volume maior”.
A respeito desse desempenho de volume, se já estaria num ritmo de alta de dois dígitos no terceiro trimestre, Faccio evitou dar detalhes. Disse que a venda de julho a setembro, a ser publicada em novembro, “vai dar uma melhorada”. E que a expectativa, daqui pra frente, é de aceleração gradual sem nenhum “boom gigantesco”.
Esse tema do volume foi alvo de analistas em relatórios relativos ao balanço de abril a junho. A XP lembrou que a alta na Renner foi menor que em C&A e Riachuelo. E que a rede está aumentando seletivamente a concessão de crédito para impulsionar vendas.
Sobre essa questão, Faccio disse que, de fevereiro para cá, voltaram a conceder mais crédito, mas “sem nenhuma grande virada”.
Pelo modelo de produção implementado, que envolve o centro de Cabreúva, a Renner consegue produzir hoje até 40% do volume de uma coleção durante a própria estação, o que reduz risco de erros, de consumo de caixa e de formação de estoques. Antes da pandemia, isso girava entre 5% e 10%.
Em linhas gerais, após a coleção ser distribuída, o que vende bem ganha escala de produção. Antes de 2020, eram de 30 a 40 dias de prazo entre captar a tendência, fazer a produção e a entrega. Isso caiu para 10 dias, com prazo médio de 20 dias. Em parte, é muito do que as asiáticas fazem lá fora – talvez num intervalo mais curto.
A ideia é que metade da produção percorra um prazo de 20 dias – hoje 40% ocorre até 30 dias.
A Renner, obviamente, não está sozinha nesse processo. A C&A segue essa trilha também, e a Riachuelo busca esse caminho com produção própria – todas tentando identificar, o mais cedo possível, uma tendência que possa virar hábito do cliente.
O aumento nas vendas de roupas mais leves, no lugar das mais pesadas, como os casacos, de forma que o consumidor possa carregá-las com facilidade, entra nesses exemplos, disse o executivo.
Os consumidores estão usando peças menos volumosas, que facilitem a sobreposição, pela constante mudança do clima ao longo do dia – e, na visão dos consultores, pelos preços mais em conta dessas peças.
A questão é que os produtos voltados ao inverno podem ter margens melhores. Então, um caminho é ter uma coleção mais flexível, que o consumidor possa comprar várias peças, e, no fim das contas, a compra atinja o valor dos produtos mais caros. Não se trata, porém, de um sistema “fast fashion”, porque há o conceito de sustentabilidade embutido, bandeira defendida pela rede há anos.
Atualmente, 100% das lojas da Renner operam no sistema de abastecimento item por item, uma meta alcançada no fim de 2023. No mercado em geral, há um “pack” de 12 peças que é enviado de uma vez. Nessa conta, entra o fator do novo centro de distribuição, em Cabreúva.
Faccio chamou a atenção para uma produtividade menor no modelo novo, de entrega item por item, já que a rede para de operar com “packs” grandes. Mas disse que, com uso de tecnologia e algoritmos, em junho se chegou aos mesmos níveis de produtividade da logística por “packs”.
Com essa logística implementada, é possível fazer a movimentação de forma mais cirúrgica, enviando o item certo ao lugar certo, outro antigo foco das cadeias por aqui e uma prática em parte do mundo.
No centro de distribuição, foram cerca de R$ 800 milhões aplicados pela Renner e R$ 400 milhões de um fundo imobiliário da gestora Kinea, do Itaú.
Pelo lado da concorrência, o CEO da Renner entende que a chegada da H&M na segunda metade de 2025, em parceria com a Dorben Group, tem o fator positivo de ser uma competição “em iguais termos”, já que pagarão impostos locais. Em linhas gerais, o Valor apurou que a Renner não vê impacto significativo dos suecos, pelo pequeno número de inaugurações nos primeiros anos.
O que incomoda a Renner ainda é – apesar de que, hoje, em menor grau – a invasão da Shein no país, que cobra dos consumidores menos impostos do que as redes brasileiras nas compras de até US$ 50. Faccio raramente se manifestou sobre o tema no auge da polêmica neste ano, mas atuava nos bastidores, quando necessário.
O Valor apurou que deputados e senadores receberam um vídeo gravado por Faccio, em que ele defendia a cobrança sobre as plataformas. Outros empresários fizeram o mesmo. Segundo o CEO, o ambiente competitivo está “muito melhor”, após o início da cobrança de imposto de importação e ICMS, em agosto.
Neste momento, os estrangeiros cobram 44,6% de impostos nos envios de até US$ 50, e a cadeia de produção nacional da moda paga mais de 90%. “Mesmo sendo ainda desigual, não leal, não justo, mudou totalmente a equação. Acho que tem uma competição levemente mais equilibrada, mas ainda não há isonomia”.
Sobre o avanço das “bets” e jogos de azar, que não pagam impostos no país hoje, ele diz que são recursos direcionados para fora do país, e só uma parcela volta em investimento em mídia.
“Acho que demorou, mas caiu a ficha do governo. Se a gente começar a falar disso, vamos ter que falar do cigarrinho eletrônico, que é proibido e vende em qualquer esquina. E você não sabe o que tem ali dentro”. A Renner não autoriza jogos em seu cartão de crédito. “A gente já bloqueou faz tempo. Porque não faz sentido, são jogos de azar, está no nome”.
Fonte: Valor Econômico