Por Liane Thedim | Cristina Betts, CEO do grupo Iguatemi, esperava seu motorista na porta do carioca RioSul há algumas semanas, quando ouviu dois rapazes conversando sobre o shopping. “Estiquei meu ouvido quando um disse para o outro: ‘Está sabendo que o Iguatemi comprou o RioSul? Vai virar coisa de paulista isso aqui’”, conta ela, às gargalhadas, para logo depois esclarecer: “Não é nossa intenção, queremos usar o que tem de melhor do Rio, que é berço de um monte de marcas.” A empresa acaba de começar o processo de transição para assumir oficialmente em novembro a administração do shopping, o primeiro do Rio, inaugurado em 1980.
A aquisição de 49,9% do RioSul, em conjunto com o fundo de investimento imobiliário (FII) BB Premium Malls, da BB Asset, anunciada em julho, marca o retorno do grupo a terras cariocas. “Todas as nossas fichas no Rio estão no RioSul”, diz Betts. O Iguatemi ficou com 16,6% das ações, enquanto a gestora do Banco do Brasil, a maior do país, com R$ 1,6 trilhão sob gestão, investiu aproximadamente R$ 790 milhões e comprou 33,3%. De acordo com fontes de mercado, a transação teve valor total de R$ 1,1 bilhão.
A executiva frisa que o RioSul já é uma potência e está entre os dez maiores do Brasil em rentabilidade, tamanho e vendas, com receita operacional anual de R$ 180 milhões. A ideia, comenta, é que continue um shopping com o qual os cariocas se identifiquem, mas com serviços nos padrões do grupo. “Queríamos voltar para o Rio e não tínhamos porta de entrada. Agora, levamos para o RioSul o que estamos acostumados a fazer em serviços, novas lojas, posicionamento e disciplina operacional. Quando você entra num shopping Iguatemi reconhece imediatamente.”
O RioSul reúne 400 lojas e tem uma área bruta locável de 52 mil metros quadrados. Betts afirma que a empresa já está avaliando quais marcas adicionar ao portfólio do shopping, mas também quer levar algumas cariocas para São Paulo. “Pensamos em ter no mix a alemã Birkenstock, que é a cara do Rio e não tem uma loja na cidade, mas também estamos amando almoçar no Irajá, que não temos em São Paulo.” O Irajá Redux é do premiado chef Pedro de Artagão e chegou ao RioSul no início do ano com seus famosos arroz de bacalhau (R$ 84) e bolo de brigadeiro (R$ 32).
Ela diz que os projetos ainda não estão fechados, mas quer repetir o padrão de criação de calendários de eventos usado em outros shoppings do grupo. “Feiras gourmet, cinema ao ar livre, exposições, cada shopping tem sua agenda que ajuda a criar vida.” O entorno também está na mira do Iguatemi, já que a área onde funcionava o lendário Canecão, fechado em 2010, foi licitada no ano passado e tem previsão de inauguração em 2026, com área de shows para 6 mil pessoas, restaurantes e bares. “Estamos interessados no que vai sair do Canecão, em atuar em conjunto.”
A parceria entre BB Asset e Iguatemi começou em uma conversa informal, em dezembro de 2023, entre Denísio Liberato, presidente da gestora, e Pedro Jereissati, da família dona da holding que controla o Iguatemi. “Não tínhamos fundos imobiliários com ativos reais na carteira na ocasião”, conta Liberato. Da reunião, saiu a ideia do fundo de shoppings, que rapidamente se concretizou. Em abril, o FII captou R$ 1 bilhão em oferta pública inicial e hoje tem 22 mil cotistas. Todos os ativos que entrarem na carteira do BB Premium Malls também serão adquiridos pelo Iguatemi, para mostrar alinhamento de interesses. “É um fundo que tem muito potencial de crescimento”, avalia o presidente da BB Asset.
O setor é cíclico e no momento não há espaço para construção de shoppings novos”
— Cristina Betts
Betts, primeira mulher no comando da companhia desde sua fundação e a única de fora da família Jereissati a alcançar o posto de CEO, conta que o grupo planejava comprar tanto participações minoritárias quanto shoppings de terceiros. “Vimos muitas oportunidades no mercado quando acabou a pandemia”, diz. “Ou íamos sozinhos, com menos capacidade para fechar operações simultâneas, ou acelerávamos o processo por meio da parceria com o Banco do Brasil.”
A executiva faz questão de frisar que os indicadores operacionais do grupo estão melhores do que antes da pandemia e não revela se há novas negociações em andamento. A empresa tem hoje em seu portfólio 16 shoppings, direcionados às classes média e média alta. “O setor é cíclico e, no momento, não há espaço para construção de shoppings novos. O que está acontecendo é um movimento de consolidação que já foi visto nos Estados Unidos.”
O foco da procura são empreendimentos que são ou podem ser dominantes em suas regiões. “Temos uma lista de desejos e cutucamos o outro lado, mas há o momento certo. As oportunidades aparecem não necessariamente por estarem baratas, mas também porque os atuais donos querem vender.” No RioSul, comenta Betts, “os astros se alinharam”, porque, quando o fundo começou a ficar de pé, veio o convite da Combrashop para compra da participação.
A Combrashop é a Cia. Brasileira de Shopping Centers, holding de participações em shoppings que detinha 46% do RioSul e exerceu seu direito de preferência comprando a fatia restante, 54%, da canadense Brookfield no empreendimento. No páreo estavam a administradora Allos, dona dos shoppings Leblon e Tijuca, e fundos imobiliários de XP, Vinci, Capitânia e BTG Pactual. “É um mercado pequeno e as famílias [donas da Combrashop e do Iguatemi] já se conheciam de longa data”, explica.
A operação foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em agosto. Betts conta que o processo de integração está sendo conduzido por uma equipe de 35 profissionais de diferentes áreas do Iguatemi, em conjunto com a já existente do RioSul. Segundo ela, o momento é de muito estudo e pesquisa. A escolha do mix de lojas, por exemplo, é fundamental, afirma, já que “um shopping precisa resolver a vida” dos clientes. “O consumidor não compra bolsa Gucci todo dia. O shopping tem de servir para muitas coisas, abraçar o público e criar memórias afetivas.”
Fonte: Valor Econômico