Por Angela Klinke | “Louis Vuitton, Lacoste, Santa Lolla!”. Na rua 25 de Março, tradicional centro de comércio popular em São Paulo, chama a atenção no “portfólio gritado” pelos vendedores ambulantes de peças falsificadas a marca premium de calçados e acessórios Santa Lolla.
“A gente encara essa oferta na 25 de Março como um desejo crescente pela marca. Até porque lutar contra falsificações é como enxugar gelo”, diz Fábio Martinez, sócio-fundador da brasileira Santa Lolla.
No lugar de “desperdiçar energia” no combate às cópias, os irmãos e sócios, Fabio, Rubens e Vanessa Martinez estão criando o grupo SL Company, que incluía até então a Santa Lolla e a Degalls (nome derivado de ‘design, gallery e shoes’) lançada no ano passado. “Enquanto a Santa Lolla é uma marca mergulhada na moda, a Degalls é calma e atemporal”, diz Vanessa Martinez.
O grupo se configura como tal com a estreia no universo masculino em agosto, com a marca de calçados SL3. O investimento, com recursos próprios, foi de R$ 10 milhões no desenvolvimento de produtos, com 120 modelos por coleção. Num primeiro momento focam nos tênis casuais (“sneakers”), distribuídos a lojas multimarcas, em espaços (“corners”) exclusivos. O marketing, feito internamente pelo grupo, mira as redes digitais.
“Para a gente se manter relevante e em crescimento constante, nada melhor do que inovar na área de atuação que já dominamos”, diz Vanessa. Além da SL3, o grupo lançará tênis masculinos com a marca Degalls.
A Santa Lolla também está sendo turbinada. O trio de sócios está investindo R$ 6 milhões numa loja própria de 140 m² no shopping Morumbi, em São Paulo. “Só operamos no varejo por meio de franquias e multimarcas, mas como o Morumbi é uma vitrine para o Brasil, decidimos adotar essa estratégia de marketing.” A Santa Lolla tem 4, 3 milhões de seguidores no Instagram.
Ao mesmo tempo que ganha musculatura no setor calçadista, o grupo optou por uma extensão da marca Santa Lolla em outras categorias por meio de licenciamento. “Lançamos até o fim do ano 12 modelos de óculos de sol e 30 de receituário com a Avodah, de Goiânia, que tem uma ótima entrada nas óticas do país”, diz Vanessa.
Há dois anos, os irmãos fizeram um teste de licenciamento de óculos de sol com o e-commerce Zattini. “Pudemos medir a força da marca porque eles vendiam 500 óculos Santa Lolla por dia, mesmo sem nenhuma tradição nossa nessa área”, diz Rubens. Com a experiência, descobriram que os óculos de receituário representam 80% do mercado e construíram, a partir daí, o portfólio de licenciamento nessa categoria.
Outra aposta é no mercado de fragrâncias, com o lançamento do perfume cítrico Santa Lolla Pump 36, que começou a ser vendido nas franquias, e agora passa a ser distribuído em lojas especializadas. Pump é outra denominação para scarpin e 36 é a numeração mais vendida nas lojas. No frasco há irônica inscrição “I’m not a shoe”.
Os irmãos olham para outros setores ampliando o entendimento da Santa Lolla como uma marca de estilo de vida. “No mercado de licenciamento há oportunidades em tantas áreas como pets e cama, mesa e banho que estamos olhando com interesse”, diz Vanessa.
No ano passado, a empresa registrou vendas totais (“sell out”) de R$ 2,4 bilhões, com 12 milhões de itens comercializados, entre sapatos e bolsas. Este ano a expectativa é alcançar R$ 2,7 bilhões. A meta com a consolidação do grupo é bater R$ 3,5 bilhões até 2028. Parte deste resultado deverá vir das exportações que estão sendo feitas para quinze países, entre eles França e Estados Unidos, e que será reforçada na Europa na chegada a Portugal, Espanha e Itália.
Com o lançamento da SL3, o grupo quer ser reconhecido “como o melhor ecossistema de moda em calçados”, diz Fábio. “Os varejistas que já trabalham com Santa Lolla, nos pediam pelo masculino”, diz Rubens. “Temos um bom caminho pela frente com expectativa de chegar a um milhão de pares masculino em três anos”, avalia Fábio.
Apesar de o mercado de sapatos masculinos ser pulverizado, “os produtos alcançam um excelente desempenho no e-commerce”, diz Rubens. As redes de varejo monomarcas que existem, avaliam, são muito “caretas”. Adotaram, assim, uma “linguagem mais contemporânea” para competir no mercado de moda, com os calçados de marcas como Reserva e Osklen. Então, avisam, não chamem seus “sneakers” de sapatênis.
A marca Reserva, integra o grupo Azzas 2154, fusão da Arezzo&Co e Soma, que como se sabe, começou sua jornada bilionária a partir dos calçados. A Osklen, por sua vez, pertence ao grupo Dass desde 2022, e busca inovar na área de tênis, principalmente com o uso de materiais sustentáveis.
“Essas marcas fazem um trabalho muito bom e vamos concorrer com muita qualidade e com um preço mais justo, em torno de R$ 400 contra a média de R$ 600 deles”, diz Rubens. Os tênis serão fabricados por fornecedores em Franca (SP).
No ano passado, dos 865,6 milhões de pares produzidos no país, 115 milhões eram de sapatos masculinos (13,3% do total), segundo o relatório setorial da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados). Esse percentual cresceu em relação a 2022, quando foram fabricados 886 milhões de pares, sendo 12,2 % masculinos. O Brasil ocupa a quinta posição entre os produtores mundiais de calçados em geral e a expectativa do setor para este ano é crescer entre 0,9% e 2,2%, em especial no mercado doméstico.
O SL Company funciona no “modelo da leveza”, como Rubens batizou. “Somos uma empresa de serviços”, insiste. O que significa que têm a autoria do design, desenvolvem fornecedores, centralizam as encomendas, mas não administram estoques. Os fabricantes faturam diretamente para os franqueados. Nesse sistema, garantem, chegam a um custo médio 30% inferior ao da concorrência e a remuneração do grupo é feita por royalties equivalentes a 22% do preço de custo.
O desenvolvimento da SL3 aconteceu, portanto, dentro de uma estrutura já azeitada, com fabricantes e canais de distribuição estruturados. O grupo estuda ainda a entrada no segmento infantil, mas aí, mesmo com a expertise desenvolvida, seria por meio de licenciamento com a marca Santa Lolla Mini.
Hoje, o grupo conta com 300 lojas franqueadas e tem contratos assinados para fechar o ano com 350. Nessa conta entram unidades Santa Lolla, Degalls e outra aposta do grupo, lojas só de bolsas com a bandeira SL Hand Bags. “Já temos três franquias operando em Fortaleza, João Pessoa e Aracaju e chegaremos a 10 este ano, sendo duas em São Paulo.” Dos 12 milhões de itens vendidos no ano passado, 50% foram garantidos nas franquias, 35% nas multimarcas e 15% no e-commerce.
Com 20 anos, a Santa Lolla começou com os três irmãos buscando aviamentos e tecidos na rua 25 de Março para criar sapatos mais alinhados com a moda, diante da oferta borocoxô da época. Curiosamente, no mesmo endereço em que hoje suas criações “inspiram” cópias.
Fonte: Valor Econômico