Por Sérgio Ripardo e Marcelo Sakate | Um ano praticamente depois de mergulhar na maior crise de sua história, a Tok&Stok ensaia a recuperação de sua operação e mira retornar ao Ebitda positivo sob o comando da cofundadora Ghislaine Dubrule. Mas tem à espreita um desafio ainda maior: lidar com o tamanho de sua dívida, estimada por fontes de mercado em mais de R$ 650 milhões, dos quais R$ 350 milhões com bancos, e que volta a vencer em 2025.
“A primeira missão é restabelecer o breakeven. Temos que entregar Ebitda positivo em 2024. Estamos trabalhando para que o fluxo de clientes retorne”, disse Dubrule em entrevista à Bloomberg Línea.
Números preliminares apontam que os dados operacionais estão melhores que o esperado, segundo fontes do mercado disseram à Bloomberg Línea.
“É uma longa caminhada para voltar ao Ebitda [métrica de geração de caixa operacional] de R$ 150 milhões. Em três a quatro anos, podemos voltar. O primeiro semestre de 2024 vai ser muito importante. O último trimestre de 2023 já foi bom. A geração de caixa tem que fazer a companhia se segurar sozinha, sem mais aporte de capital”, afirmou a CEO.
A cofundadora, cuja família ainda detém 40% da empresa, voltou ao cargo de CEO em maio do ano passado, em momento agudo da crise, com atrasos de pagamento, fechamento de dezenas de lojas e demissões, já sob a assessoria financeira da consultoria especializada Alvarez & Marsal.
No mês seguinte, a rede anunciou uma renegociação da dívida com os bancos credores, com carência de dois anos, mas sem haircut (desconto), mediante injeção de R$ 100 milhões do Carlyle, fundo americano que comprou 60% da companhia em 2012 por R$ 700 milhões. Em 2021, o Carlyle acertou acordo para que a SPX Capital assumisse os seus negócios de private equity no país, incluindo a Tok&Stok.
A CEO da Tok&Stok disse que as conversas para um potencial M&A com a Mobly (MBLY3) não avançaram desde o fim de 2023 e não escondeu a sua preferência para os próximos capítulos, ainda que, nesse caso, a decisão seja do acionista controlador, com peso dos bancos credores. “A Tok&Stok pode ir longe sozinha. Podemos fortalecer nossa própria operação digital [veja mais abaixo].”
Nas negociações no ano passado, um dos principais obstáculos apontados para um M&A (fusão e aquisição) foi o tamanho da dívida da Tok&Stok, dado que a Mobly não tem passivos.
A evolução dos números operacionais, por sua vez, pode não ser suficiente em apenas um ano e meio para que a Tok&Stok consiga voltar a honrar as despesas financeiras e não queimar caixa quando a carência concedida pelos bancos credores vencer.
Desde que voltou ao controle, Dubrule tem liderado um processo de corte de custos, reorientação dos negócios para o modelo de lojas físicas, em detrimento do digital, e de reconquista de clientes com maior poder aquisitivo, o que se traduz em aumento da margem bruta da companhia.
Na frente de negócios, a rede varejista busca inspiração em players estrangeiros para recuperar o apelo junto aos consumidores e voltar a obter receitas superiores às despesas, em uma espécie de corrida contra o tempo, antes de ter que voltar a honrar o pagamento de parte da dívida em 2025.
“Estamos olhando como as marcas estão se recriando no exterior e que podem ser uma inspiração para nós. Nos EUA, olhamos muito para a Crate & Barrel. Na França, para a Maisons du Monde. São marcas similares que trabalham com o mesmo tipo de público da Tok&Stok e com foco no desenvolvimento de coleções”, disse Ghislaine Dubrule.
A valorização do design dos produtos e o foco no conceito aspiracional na criação de ambientes expostos nas lojas físicas podem contribuir para o retorno do cliente às compras do segmento, segundo a executiva, que nasceu na França e fundou a Tok&Stok com o marido Régis, também francês, em 1978.
“Após a pandemia, o cliente sumiu das lojas, foi gastar com viagens e restaurantes, esquecendo a casa. O que temos que fazer é mostrar a esse cliente que sua casa tem importância, apresentando coleções assinadas, bem desenhadas, inspirar sobre a arte de morar”, afirmou a CEO da Tok&Stok.
Foco no aspiracional
Dubrule usou a expressão “gestão de detalhes” como decisiva para recuperar a companhia, citando um monitoramento constante das tendências e dos gostos dos clientes.
“O ato de comprar um móvel é uma experiência de moda. Há um trabalho de lifestyle e design. Os clientes gostam de passear pela Tok&Stok para sonhar. Por isso, temos que criar um cenário aspiracional. Nos últimos anos, isso foi meio que esquecido devido ao foco no digital”, afirmou a CEO.
Na contramão do que muitos especialistas do setor de varejo recomendam, Dubrule defendeu a tese de que as vendas pela internet não tenham participação relevante nas receitas – chegaram a 17% do total, e não a 45% como esperava o Carlyle quando deu o sinal verde para a transformação digital, aposta apontada como responsável pelo aumento mais expressivo do endividamento entre 2019 e 2022.
Naquele momento, depois de sete anos no controle da rede, o fundo americano buscou acelerar o crescimento da Tok&Stok de olho em uma saída por meio da abertura de capital, o que acabou não ocorrendo mesmo na janela amplamente favorável para IPOs em 2020 e 2021. Concorrentes que são nativas digitais, caso da Mobly e da Westwing (WEST3), atraíram investidores para a tese e concluíram suas ofertas.
“Os analistas valorizavam na época o crescimento acelerado das vendas pela internet, citando, por exemplo, um menor custo de aquisição de clientes. Só que a guerra de preços não se mostrou lucrativa. A operação online não entregou resultados com a política comercial de frete grátis e de constantes descontos”, avaliou Dubrule.
Leia, a seguir, trechos da entrevista com a CEO da Tok&Stok, editada para fins de clareza.
Quais são os desafios da Tok&Stok em 2024?
Voltei ao comando da companhia em maio do ano passado. A primeira missão é restabelecer o breakeven. Temos que entregar Ebitda positivo em 2024. Estamos trabalhando para que o fluxo de clientes retorne. Estamos lançando novas coleções e promovendo eventos para chamar os clientes para as lojas. Além disso, estamos controlando despesas para que o Ebitda volte ao positivo.
O Carlyle, acionista controlador, fixou um prazo para a reestruturação?
Não há um prazo. É uma longa caminhada para voltar ao Ebitda de R$ 150 milhões. Em três a quatro anos, podemos voltar. O primeiro semestre de 2024 vai ser muito importante. O último trimestre de 2023 já foi bom. A geração de caixa tem que fazer a companhia se segurar sozinha, sem mais aporte de capital.
O primeiro trimestre promete ser bom. Estamos fazendo de tudo para capturar clientes, retomar a vitalidade da Tok&Stok. Nossa comunicação mudou da água para o vinho. Está mais aspiracional. Estamos trabalhando os momentos da família nas lojas, como a volta às aulas, criando quartos infantis, quarto aconchego, escrivaninhas, por exemplo.
A Tok&Stok estuda explorar alguma nova vertical de negócio?
Há uma vertical importante, pouco vista nas lojas de casa & decoração, que é o office. Estamos com um trabalho forte nessa área, retomando o lançamento de linhas corporativas, do B2B de venda para as pessoas jurídicas. O segmento de home office e office corporativo é importante e forte dentro das nossas vendas.
Outro segmento é o jardim e toda a parte do mobiliário e acessórios, que também é forte. Estamos com um trabalho imenso de refazer os circuitos e os cenários das lojas, que havia sido deixado para trás.
Qual será o tamanho da operação digital dentro da nova estratégia da Tok&Stok?
O site é importante, mas não precisamos turbinar, ofertar muitos descontos. O digital participa de 17% da receita e assim está bom, não precisa mais. Nosso DNA é a loja física. Nas gestões anteriores, houve um foco na digitalização, que era o que os analistas valorizavam, mas a guerra de preços não é lucrativa. Tem que usar outros meios. O online não entregou resultado.
Em 2020, houve um movimento radical para digitalizar a empresa. Eu estava no conselho e questionava um investimento tão forte, que fez o número de pessoal de tecnologia saltar de 70 para 350 pessoas. Poderia ter dado certo, mas não deu. Ficamos extremamente endividados.
A mudança de nosso centro de distribuição de Itapevi [na Grande São Paulo] para Extrema [no interior de Minas Gerais], seguindo o movimento do mercado de buscar incentivos fiscais, também foi uma fábula. Durante a pandemia, com as lojas fechadas, o digital não conseguiu responder. Nossa dívida só cresceu de forma acelerada, também com os juros elevados.
Os CEOs anteriores colocados pelo Carlyle cometeram erros na gestão?
A família – eu, meu marido e meu filho – percebeu que a empresa estava indo para um caminho muito ruim, para a falência. Pela primeira vez, a Tok&Stok não conseguia honrar seus compromissos junto aos stakeholders, em pagar aluguéis, impostos. Foi uma situação que antes não tinha vivenciado. A Tok&Stok sempre foi lucrativa, honrou seus compromissos por 40 anos.
Foi uma situação muito difícil que nos tocou imensamente, pois a a Tok&Stok, a marca que criamos, estava na memória afetiva dos clientes. É terrível ver uma marca que sempre teve sucesso de repente levar um murro, com o risco de uma possível falência.
Em 2017, o fundo resolveu que tinha que profissionalizar a gestão e contratar CEOs profissionais de mercado, que tivessem bom relacionamento com os bancos, experiência na abertura de capital. A partir de 2019, entraram três CEOs sucessivamente. Houve uma certa instabilidade, porque eles receberam ofertas de headhunters e não ficaram muito tempo no cargo.
Eram pessoas com experiência em varejo, mas não no setor de casa & decoração, que precisa de uma gestão de detalhes operacionais, de logística, de governança, e não só de estratégia. Também não era fácil multiplicar o resultado por duas ou três vezes, como queria o fundo [o Carlyle]. Estávamos no conselho só participando das reuniões uma vez a cada dois meses. Não tínhamos muita voz ativa.
A Tok&Stok fechou 17 lojas em 2023. A empresa pretende sair de algum estado?
Não. Somos uma empresa de abrangência nacional. Quando o Carlyle assumiu o controle, aumentamos a presença no território de 28 para quase 60 lojas entre 2012 e 2017. Foi um período de forte expansão. Fechamos lojas pequenas que chamamos de modelo studio, de 400 a 450 metros quadrados, que só vendem acessórios e não deram resultado.
Nosso cliente quer ver móveis assinados, e não só acessórios. Há mais competição no segmento de acessórios. Mantivemos unidades chamadas de compactas, que não são megalojas, mas expõem móveis.
Também gostamos das megalojas em shoppings, que gostam da nossa marca como loja âncora. Em cada capital do Brasil, temos uma grande loja de 4.000 metros quadrados pelo menos. Não existe no Brasil uma marca de casa & decoração com abrangência territorial como a nossa.
A Tok&Stok desistiu de uma possível fusão com a Mobly?
A Tok&Stok pode ir longe sozinha. Podemos fortalecer nossa própria operação digital. Não houve nenhum avanço nessa ideia [de fusão]. Há outras marcas querendo fazer brainstorming, parcerias, olhamos também essas possibilidades. O futuro é difícil de definir. Estamos fazendo um trabalho para recuperar os resultados.
Nossos fornecedores gostaram do retorno da família fundadora ao comando. É importante confiar na nossa estrela e no nosso DNA. Nossas lojas são grandes, não temos concorrência nesse tipo de loja em que o cliente consegue mobiliar sua casa e seu escritório em um dia. Vamos continuar nesse nicho de oferecer coleções seletivas, bem desenhadas, trazendo para os clientes a inspiração sobre o morar e o trabalhar.
Fonte: Bloomberg Linea