Por Daniela Braun | O mercado de entregas a domicílio cresce mais devagar e com menos competidores do que na pandemia, quando o setor deu um salto importante. O desafio agora para as empresas do setor é ampliar a participação do “delivery” na mesa e no bolso do brasileiro. Para isso, a estratégia de marketing passa por promoções em restaurantes, algumas com ajuda da inteligência artificial (IA), patrocínios de abrangência nacional como o “reality show” BBB, e de eventos regionais como Carnaval, rodeios e festas juninas, de olho em estabelecimentos e consumidores fora das grandes capitais.
Em 2023, o volume de transações de pagamentos em plataformas de entregas avançou 22% ante 2022, aponta um levantamento da Spending Pulse Mastercard a pedido da Associação Nacional de Restaurantes (ANR). Já em 2020, as transações mais do que dobraram, com alta de 125%. Em 2021, o avanço foi de 46% e, em 2022, de 44%.
“Após quebrar barreiras de uso tanto de consumidores como dos estabelecimentos, o segmento cresce em ritmo mais lento”, diz Fernando Blower, presidente da ANR, ao Valor. “Mas ainda há muito espaço para crescer em cidades de pequeno e médio portes e em outros momentos de consumo de refeições como o café da manhã”, ele observa.
No iFood, que lidera o setor, a meta é aumentar a frequência de pedidos mensais dos brasileiros com promoções fixas e pacotes de cupons. Outra é crescer regionalmente, onde a concorrência é forte, embora seja mais pulverizada.
Em dezembro, a empresa lançou uma campanha com o mote “brasileiro, bom e barato”, que tem a atriz Tatá Werneck como garota-propaganda, reforçando promoções diárias, em parceria com estabelecimentos como China in Box, Habib’s e Popeyes. No dia 17, a distribuição foi ampliada para dez capitais, além de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. A mesma mensagem, será aplicada nas ações de patrocínio da marca no reality show “BBB 24”, nos eventos de Carnaval de Salvador, São Paulo e do Rio de Janeiro, nas festas juninas e nos Jogos Olímpicos 2024, entre julho e agosto.
“O ‘delivery’ passou a ser mais conhecido no auge da pandemia da covid-19, mas há uma percepção de que é mais caro pedir em aplicativos de entrega”, diz Ana Gabriela Lopes, diretora de marketing do iFood.
O serviço de entrega de refeições é uma opção para 83% dos brasileiros, sendo que 76% usam aplicativos, mas a frequência de pedidos ainda é baixa em relação a mercados mais maduros como a China. Por aqui, 38,2% fazem pedidos duas a três vezes por mês e 30,9%, de quatro a cinco vezes ao mês, segundo uma sondagem feita entre abril e maio de 2023 pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) com o Sebrae e a Vox Populi junto a 6.300 pessoas de 60 cidades. “Na China, a média é de 90 pedidos ao mês”, diz Lopes.
Para aumentar o uso desse serviço no Brasil, o iFood investe em promoções e cupons — a iniciativa é subsidiada pelos restaurantes (a maior parte) e pelo consumidor. Segundo a diretora de marketing, atualmente o Clube iFood, de pacotes de cupons, tem 5 milhões de assinantes, 11,6% de seus 43 milhões de usuários.
Atualmente, o valor médio por pedido na plataforma é de R$ 50 a R$ 55. Para efeito comparativo, o saldo do vale-refeição do brasileiro dura 12 dos 22 dias úteis do mês, considerando o valor médio de R$ 46,60 para uma refeição completa vendida pelos restaurantes brasileiros, segundo uma pesquisa divulgada em outubro pela empresa de benefícios Ticket.
Desde o fim do ano passado, o iFood testa parcerias com vendedores de marmitas de Fortaleza (CE) para oferecer refeições a R$ 20. O chamado iFood Hits deve seguir os moldes do serviço Loop, oferecido pela empresa até 2020.
O Aiqfome, aplicativo de entrega de refeições e de produtos de supermercado da varejista Magazine Luiza, também está atento à demanda pelas marmitas, na hora do almoço durante a semana útil.
“Buscamos trabalhar com taxas mais acessíveis para não gerar impacto nestes preços para os restaurantes e para as pessoas”, afirma Marcelo Leal Fernandes, diretor de marketing e vendas do Aiqfome.
O estudo da Abrasel constatou que o iFood se mantém em uma posição dominante de mercado. Entre os consumidores que fazem pedidos por aplicativos, 82,2% responderam que usam o iFood. Na sequência estão os concorrentes Rappi (9,1%), PedePronto (2,1%), Zé Delivery (1,6%) e Aiqfome (1,1%).
Além do patrocínio de eventos regionais, como shows e rodeios, nas cidades onde atua, o aplicativo do Magalu embarcou no uso da inteligência artificial (IA) generativa para adaptar promoções locais. A ferramenta foi usada em uma campanha com o chef de cozinha e apresentador Érick Jacquin para o Aiqfome na Black Friday de 2023.
“Jacquin gravou vídeos básicos, que foram adaptados com a ajuda da IA trazendo o nome do restaurante e o prato em promoção”, explica Fernandes. O recurso gerou 3.000 vídeos diferentes para as promoções. “Foi uma forma de empoderar o estabelecimento com algo que sairia caro para o restaurante”, ele avalia.
Para ganhar espaço regional, a campanha do iFood reforça que o app é brasileiro e não uma multinacional, apesar do nome em inglês. “Sentimos que isso surpreendia as pessoas”, diz Lopes.
A empresa brasileira fundada em 2011 tem como controlador o grupo holandês Prosus, parte do grupo sul-africano Naspers, que adquiriu 100% de participação na companhia em agosto de 2022, quando negociou uma fatia remanescente de 33,3% por até US$ 1,8 bilhão.
A receita do iFood somou US$ 1,4 bilhão no ano fiscal de 2023, encerrado em 31 de março passado, alta de 39% em base anual, conforme o balanço da Prosus. O prejuízo bruto de US$ 79 milhões, foi inferior à perda de US$ 127 milhões um ano antes.
A restrição de acordos de exclusividade com restaurantes acordada entre o iFood e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no ano passado, é outro assunto desconhecido pela maioria dos clientes.
Desde o início da apuração do Cade, a pedido de concorrentes, em setembro de 2020, até o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que entrou em vigor em 1º de outubro, grandes multinacionais do setor como Uber e 99, deixaram o mercado de “delivery” no país.
O TAC, que busca equilibrar o mercado, é a deixa da colombiana Rappi, principal concorrente do iFood, para ampliar a base de usuários no Brasil neste semestre. “Estas mudanças abriram portas para formarmos parcerias estratégicas com grandes nomes do setor de restaurantes”, afirma Rodolfo Montanha, diretor de Consumidor do Rappi no Brasil.
As campanhas, segundo Montanha, envolvem influenciadores regionais e nacionais, “direcionando tráfego para estabelecimentos parceiros, além de ações de merchandising dentro e fora do aplicativo”.
Buscar mais espaço do outro lado do balcão, junto aos estabelecimentos, é outro desafio do marketing das empresas desse serviço.
A modalidade de entrega está presente em 68% dos estabelecimentos do ramo de alimentação no país, mostra outra pesquisa da ANR junto à consultoria Galunion e a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). O estudo feito com 680 respondentes, que representam 24.553 pontos de vendas, alerta que apenas 24% dos entrevistados estão totalmente satisfeitos com os serviços intermediados por plataformas de terceiros. O principal motivo de insatisfação, para 83% dos pesquisados, se refere às taxas cobradas pelas plataformas.
Na segunda quinzena de fevereiro, o iFood estreia uma campanha on-line para captar novos estabelecimentos em sua base, hoje com 330 mil parceiros em 1.700 cidades. “Será uma campanha de 40 dias oferecendo taxas de serviços mais baixas aos novos parceiros”, informa Arnaldo Bertolaccini, vice-presidente de restaurantes da empresa.
A ação, segundo o executivo, faz parte de uma estratégia permanente de atração de restaurantes em cidades onde o “delivery” não é muito difundido ou onde há uma atuação mais forte de concorrentes regionais.
A disputa por estabelecimentos regionais não será fácil. O Aiqfome também reforça, este ano, suas campanhas com pequenos influenciadores locais e ofertas de cupons de descontos válidos também nos apps do Magalu e de outras empresas do grupo.
A redução de taxas de serviço e da dependência dos cupons estão nos planos da empresa. “Nosso papel é gerar uma demanda qualificada ao restaurante, e não dependente do cupons”, afirma Fernandes. No mês da Black Friday de 2023, o aplicativo informa ter reduzido em 90% os subsídios de cupons e elevado em 12% o faturamento, em base anual.
Fonte: Valor Econômico