Por Barbara Sacchitiello | Entre os diversos segmentos de varejo, o alimentar costuma ter papel de destaque na Retail’s Big Shop. Uma das áreas da Expo, a Foodservice Zone, é dedicada a apresentação de projetos de inovação envolvendo alimentos. Além disso, grupos de profissionais, como o formado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), também costumam fazer do evento da NRF o marco inicial dos trabalhos de cada ano.
Em 2024, essa participação não foi diferente. Inclusive, é possível pontuar que o varejo alimentar brasileiro ganhou mais atenção. Prova disso é que, em um dos painéis dedicados a um dos principais temas do evento neste ano – o retail media – os convidados eram brasileiros. E quem estava ali, de fato, tinha o que falar sobre o assunto.
Com uma base de 20 milhões de clientes cadastrados em seu programa de fidelidade, sendo sete milhões mensalmente ativos, o Grupo Pão de Açúcar vem estruturando sua operação de retail media sobre essa valiosa e detalhada fonte de dados, como explicou Marcelo Pimentel, CEO do GPA, proprietário de bandeiras como Pão de Açúcar e Extra, no painel dedicado ao tema.
Após participar da conferência, Pimentel conversou com a reportagem de Meio & Mensagem para explicar como um grupo, que detém mais de 700 lojas físicas no Brasil, vem se moldando a uma jornada omnicanal sem a perda de algo que o executivo considera primordial na jornada do varejo: a proximidade do atendimento ao cliente. Veja a entrevista:
Meio & Mensagem: De forma geral, o que um evento como a NRF representa para o varejo brasileiro?
Marcelo Pimentel: A NRF é sempre uma fonte de inspiração e uma oportunidade de se conectar com o novo e ver para onde os mercados estão indo. Vários brasileiros, de todo o País, se encontram – e, em nosso dia a dia, muitas vezes, não conseguimos ter esses encontros que acabam acontecendo na NRF. E, especificamente para o varejo alimentar, a NRF sido uma fonte importante de inspiração para o futuro. No GPA, que está passando por esse momento de transformação, temos feito muitas pesquisas técnicas, tanto nos Estados, para entender o mercado e como podemos usar a tecnologia para acelerar essas transformações.
M&M: Quais são os principais desafios que você mapeia atualmente para o varejo alimentar no Brasil?
Pimentel: Um dos principais pontos que o varejo alimentar tem no Brasil é o da consistência da proposta de valor ao cliente final. Temos visto o crescimento relevante do modelo de atacarejo e, no nosso caso, especificamente do Pão de Açúcar, entendemos que não é possível ditar ao cliente uma única forma de varejo alimentar. Apesar do crescimento do modelo de atacado, existente uma parcela importante da clientela brasileira que quer ter uma experiencia onde o sortimento maior é importante, bem como a proximidade de casa e a experiencia multimídia. Para nós, oferecer esses serviços com consistência é um desafio e, também, uma oportunidade ainda maior. O varejo alimentar, por natureza, é uma coisa de guerreiros – e os heróis são os que ficam lá nas lojas, todos os dias, para nós, cuidando dos clientes e dessas relações, são pessoas que precisam ser muito respeitadas. Talvez, o maior desafio de qualquer varejo alimentar, brasileiro ou mundial, seja a disponibilidade de produtos na prateleira. A pior coisa que um cliente pode sofrer é vir à loja, comprar determinado produto, gostar, voltar para comprar na semana seguinte, e o produto não estar mais lá. Estamos trabalhando com toda a cadeia de suplly chain para garantir que não passemos essa experiência ruim ao cliente, e temos tido sucesso: hoje estamos trabalhando com uma taxa de disponibilidade nas prateleiras na casa dos 90%.
M&M: E quais são os principais desejos atuais do consumidor do varejo alimentar?
Pimentel: O que temos visto através de dados – e é importante ressaltar que temos o maior programa de fidelidade do Brasil, com 7 milhões de clientes ativos mensalmente – é que um dos principais anseios é conseguir fazer toda a compra em um único lugar. Ele também busca por um sortimento de qualidade sobretudo nos perecíveis. A percepção de custo-benefício só se materializa quando se consegue vender um produto de qualidade por um preço justo. Outro ponto é a experiencia do cliente na loja, nos pontos de contato. Isso requer um gerenciamento de fila muito competente, e temos trabalhado não só na questão da fila tradicional, como também a empresa tem feito investimentos para aumentar o pátio de self-checkout (caixas automáticos), que é uma tendência para a qual notamos uma aderência bem positiva. Todas as lojas com lojas com self-checkout tem NPS (sigla de Net Promoter Score, uma metodologia de satisfação dos clientes) melhor do que aquelas que não têm. E, o terceiro ponto, é a qualidade e competência de todos os pontos de contato, seja no açougue, na peixaria, em tudo. O cliente quer ter uma experiencia quase que como no passado, onde ele conhecia o açougueiro e o atendente. E, o último ponto, é a experiencia multicanal. Através de nossos dados percebemos que o cliente quer o pedido perfeito: completo e entregue no horário combinado. Hoje, 50% de toda a venda digital começa na internet, mas termina na loja, pelo clique e retire. O que o cliente espera é que a mesma competência oferecida na loja, sobretudo em relação aos perecíveis, seja entregue também no digital. Esse tem sido, talvez, um dos maiores desafios para o varejo alimentar brasileiro e, em nosso caso, e estamos focados em melhorar isso. Hoje, 35% de toda a venda digital já é de produtos perecíveis, o que para nós é muito importante.
M&M: Em que patamar o GPA está, hoje, no segmento de retail media? O que o grupo já fez?
Pimentel: Estamos só começando, mas com conquistas bem relevantes. Entendemos que nosso papel, enquanto varejo alimentar, é de ser uma ponte entre o consumidor e a indústria. Os dados nos permitem conhecer mais os clientes e seus hábitos de consumo e as mudanças pelas quais eles têm passado. Através desses dados, por exemplo, temos visto uma migração maior para produtos saudáveis. Outro ponto importante sobre o qual o cliente tem demonstrado interesse é a sustentabilidade: como se cuida dos produtos, das embalagens e como se trata o seu varejo em situações como essa. Aí, entramos para a parte comercial do retail media, em que, através dos dados, começamos a entender o que é importante para o cliente. Por exemplo, bombardeá-lo com todas as ofertas, independente de ele ser um consumidor ou não, pode ser algo detrator para sua experiência. Trabalhamos para ser cada vez mais personalizados. Em 2023 contratamos uma ferramenta de customer data platform e, cada vez mais, começamos a trazer inteligência para a quantidade de dados que tínhamos. E aí começamos a trabalhar em ofertas mais personalizadas, com melhor direcionamento. À medida em que usamos essa ferramenta, a assertividade da promoção melhora em três vezes o que seria tradicionalmente. Isso é bom para a indústria e para o cliente, pois podemos oferecer coisas pelas quais ele tem real interesse. No nosso caso, em retail media, trabalhamos em alguns pilares: capacitação do time, capacitação tecnológica e uma estrutura dedicada com profissionais de marketing e retail media, para que possamos oferecer nossos ativos à indústria. Entre esses ativos estão as milhares de telas que temos nas lojas, que podem ser comercializadas, as mídias sociais, o aplicativo. Temos um cardápio pelo qual nossos fornecedores conseguem contatar os consumidores com quem desejam falar.
M&M: Quais os entraves você acredita que ainda existem para que o retail media possa alcançar, no Brasil, fatia expressivas como já têm nos Estados Unidos?
Pimentel: O principal é o entendimento de todo o mercado e conhecimento parte das lideranças. Sem uma liderança forte e, sem a crença da liderança no canal, esse movimento não vai andar. Por natureza, somos mais tradicionais e habituados a manter o que já fazemos, mas o retail media é uma inovação e está abrindo possibilidades grandes. A NRF, inclusive, traz ao mercado a oportunidade do conhecimento desse segmento. Uma vez tendo o entendimento, é preciso um investimento muito grande para que ele seja estabelecido. Não se pode fazer uma estrutura de retail media frágil: é preciso investir em pessoas e em uma estrutura que, mesmo que não dê resultado imediato no mês ou no trimestre seguinte, haverá convicção de que ele possa mostrar os frutos mais adiante. Começamos a estruturar a área de retail do GPA no início do ano passado e foi preciso ter a crença de que estávamos no caminho certo para ir conectando um trabalho que tinha base tecnológica competente, com pessoas que sabiam o que estavam fazendo para, aí, engajar a indústria. O que fará o retail media ter sucesso é a crença de que vale a pena fazer o investimento naquela companhia. Isso feito com competência, se torna um fator adicional de renda que não estava no histórico.
M&M: Outro tema amplamente discutido no evento foi a inteligência artificial. Quais são as possibilidades de aplicação prática para essa tecnologia?
Pimentel: A IA já está sendo crucial para entendermos os dados de nosso programa de fidelidade. Temos mais de 7 milhões de clientes ativos por mês e, com esse volume, é muito difícil conseguir personalizar as ofertas. É aí que entra a inteligência artificial, porque ela tem duas funções: entender o consumo, a personalização e nos ajudar, através do CDB, a ativar os clientes, ao mesmo tempo em que ela é viva, nos ajudando a entender as mudanças de hábitos e corresponder a isso em nossa estratégia operacional, para que o cliente perceba isso na ponta. E, para os nossos clientes, a aplicação está na interação. Por exemplo, um cliente quer fazer um churrasco para cinco pessoas: ele pode utilizar a IA para obter as melhores receitas e instruções de ingredientes e preparo, levando-o ao fechamento de compra. A IA tem um papel muito relevante, mas faço uma ressalva: a inteligência artificial tem que ser uma ferramenta de apoio; ela não pode assumir o protagonismo. Somos um negócio de pessoas, que seguirá prestando serviços para as pessoas.
M&M: No geral, quais são suas perspectivas gerais para o varejo em 2024?
Pimental: Estou extremamente otimista e não é otimismo utópico, e sim guiado por dinâmicas práticas que estão acontecendo em nosso País: estamos com uma das menores taxas de desemprego em anos e estamos começando a ver o movimento de inflação e de taxas de juros caindo. O governo tem motivado os clientes a saírem de situações de negatividade, através de programa de quitação de débitos e temos um movimento de reaquecimento do consumo. O segundo semestre de 2023 já tinha dados sinais bem positivos e temos tudo para, neste ano, alavancar esse crescimento.
Fonte: Meio e Mensagem