Por Daniela Braun | A presença da inteligência artificial (IA) começa a tomar forma nas estratégias de marketing das empresas neste ano, seja acelerando processos de trabalho, como o de planejar uma campanha, testar modelos e locutores, ou criando influenciadores virtuais.
Alguns desses influenciadores já estão sendo exibidos em redes sociais, como é o caso de Brenda First, influenciadora virtual de moda e estilo de vida, que estreou há duas semanas no Instagram e conta com quase 10 mil seguidores. Outro, é uma influenciadora dedicada a uma empresa do setor educacional criada pela agência Artplan há seis meses, que deve estrear em breve na internet.
Brenda é o mais recente estudo do fotógrafo brasileiro Jacques Dequeker, que mergulhou no mundo da IA desde 2021 para recriar ensaios com modelos totalmente virtuais, usando sua experiência de mais de 20 anos na área e o olhar de quem já fotografou mais de 100 capas da revista “Vogue” e top models como Gisele Bündchen.
“A IA permite que você crie uma Gisele por dia”, diz o profissional que hoje se debruça sobre dezenas de ferramentas diferentes de IA generativa, que compõem imagens a partir de descrições de texto e de outras imagens, como Midjourney, Dall-E e Leonardo AI. Uma de suas criações recentes foi feita para as bijuterias Baloné, da Morana, exclusivamente com modelos e cenários criados por IA.
A redução de tempo e custos com produções são alguns dos atrativos da IA para o mundo da moda. “Uma campanha normal de moda com todos os itens necessários, em estúdio, varia em torno de R$ 100 mil a R$ 200 mil, sem contar o valor da modelo”, informa Dequeker. “Com ferramentas de IA, o custo é três vezes menor e consigo fotografar na Lua ou em Jurerê (SC).”
Além de oferecer controle sobre o discurso de uma marca, evitando embarcar em polêmicas nas redes, o influenciador virtual pode ser uma opção mais acessível aos anunciantes. “O risco e o custo do influenciador digital têm aumentado muito”, observa Marcelo Tripoli, diretor-presidente da agência Zmes. “Nos últimos 12 meses, o valor das ações de marcas com influenciadores aumentou cinco vezes, tendo em vista que os ‘influencers’ mais procurados têm um limite de ativações de marketing.”
Embora a popularidade das versões virtuais esteja assustando os influenciadores de carne e osso, como mostrou uma reportagem recente do “Financial Times”, a construção de seguidores, que são pessoas reais, não é facilmente replicada.
“A IA pode criar a imagem, mas a construção de um influenciador exige tempo e dinheiro, com humanos controlando estes perfis, porque as pessoas precisam comprar a narrativa”, alerta Tripoli. “A Lu, do Magalu, é um investimento de 20 anos”, ilustra o executivo, citando a influenciadora do varejista multicanal, que também passa por um banho de loja com a IA generativa.
Conforme a IA aprende com a gente, se transforma numa verdade ilusória e devastadora”
O desafio da Artplan, que trabalha há seis meses em uma influenciadora do setor educacional, é recriar uma personalidade humana com a qual as pessoas se identifiquem. “Se você quer seguir a lógica de um influenciador, e não de um mascote, precisa construir uma persona com virtudes e falhas humanas, porque as pessoas não se identificam com um personagem perfeito, sem conflitos ou fraquezas”, destaca Eder Redder, líder da Artplan.influ e diretor nacional de conteúdo da Artplan.
A ideia de seguir com uma influenciadora no lugar de um perfil institucional, segundo Redder, é apresentar conteúdos de serviços, além de falar somente da marca. “É um trabalho de conteúdo porque as pessoas podem se interessar em conhecer produtos por meio de ‘influencers’, mas não é só isso”, afirma.
Além do marketing de influência, as aplicações de IA generativa prometem acelerar processos internos, aprovações de campanhas e testes de produtos. “É possível usar a IA para testar perfis de atores e vozes de locução antes de contratar os profissionais, por exemplo”, ilustra Bernardo Caldeira, gerente de Serviços Digitais da Capgemini.
Um estudo recente da consultoria indica que quase 60% das organizações estão integrando ferramentas de IA em processos e estratégias de marketing. O levantamento feito com 1.800 diretores de marketing de 14 países, incluindo o Brasil, projeta que as ferramentas de inteligência artificial colaborem com uma receita de US$ 107,5 bilhões para este setor, em 2028, comparado a US$ 15,8 bilhões em 2021.
“A métrica está atrelada à produtividade que a IA traz nas etapas de planejamento e criação, mas sem degradar o time criativo”, observa Caldeira. Para o executivo, o nível das ferramentas de IA generativa atuais é mais colaborativo do que ameaçador para a criatividade humana.
Em um futuro próximo, entretanto, a evolução do que os algoritmos aprendem e produzem pode levar a influenciadores com discursos não tão controlados como as marcas desejam, o que acende um alerta sobre sua aplicação ética e regulada.
“O grande desafio da IA generativa é que não sabemos como controlá-la porque ela é autodidata”, diz Hugo Rodrigues, presidente do conselho da McCann Worldgroup. “Conforme ela aprende com a gente, se transforma em algo catalisador, como um líder espiritual que pode dizer o que as pessoas devem fazer, e tranformando-se numa verdade ilusória e devastadora.”
O uso ético da IA foi pauta de dois encontros recentes do grupo de publicidade com líderes no mundo todo, incluindo Rodrigues, em maio e outubro. Para o executivo, o tema pede uma discussão mais profunda e multissetorial. “O marketing é a cauda do tubarão. A propaganda sempre irá responder ao anseio do consumidor. Então, a regulamentação precisa avançar em todas as áreas”, ressalta Rodrigues.
Fonte: Valor Econômico