Por Marli Lima Iacomini | As farmácias vivem um período de transição e de aumento da oferta de serviços. Desde que foram autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a realizar, a partir de agosto, cerca de 50 exames de análises clínicas por meio de sangue e secreções, elas têm trabalhado para adequar espaços, treinamento e atuação, movimento que já vinha ocorrendo nos últimos anos com a aplicação de vacinas e que ganhou destaque na pandemia, com a realização de testes de detecção do coronavírus.
Antes da mudança regulatória, algumas redes já faziam exames rápidos de triagem por meio de liminares. Com a regulamentação, ganharam respaldo para “investir e elevar a oferta de serviços. É um movimento irreversível”, opina Daniel Cavallete, gerente de novos negócios do Grupo DPSP, dono das drogarias Pacheco e São Paulo. “Estamos resgatando o papel da farmácia e do farmacêutico”, diz Regina Molinari, diretora de gente e cultura da rede paranaense Nissei.
As redes evitam revelar investimentos e participação nas receitas da aplicação de vacinas ou realização de exames. A demanda cresce, afirmam, mas sobre uma base pequena. Segundo a Clinicarx, que criou uma plataforma para serviços de saúde, a procura por exames em pouco mais de 4 mil farmácias que fazem esses testes aumentou 40% no segundo trimestre. Entre os mais procurados estão os de aferição da pressão arterial, glicemia, gravidez (beta HCG) e dengue.
Cassyano Correr, fundador e diretor executivo da Clinicarx – hoje parte do grupo InterPlayers -, diz que 10% dos clientes já fizeram algum dos 33 tipos de exames oferecidos pelas grandes redes no último trimestre. “Todo o mundo tem uma farmácia perto de casa. Estamos em um período de adaptação e veremos mais reflexos em 2024.”
Das 585 lojas da gaúcha Panvel no Sul e em São Paulo, 343 têm salas clínicas – 90 delas para aplicação de vacinas e 50 para realização de 15 tipos de exames rápidos, como dengue, HIV, sífilis, hepatite, gravidez, glicemia, anemia e fertilidade. “Somos uma rede voltada para a saúde e estamos trabalhando na construção dessa reputação. Não acreditamos que da noite para o dia todo o mundo vai fazer exames em farmácias”, afirma Roberto Coimbra, diretor de operações da Panvel, que prevê resultados em dois ou três anos ou mais.
A Nissei faz testes laboratoriais há dois anos. Começou com perfil lipídico, glicemia, hemoglobina glicada e beta HCG (gravidez). Hoje, oferece nove testes em 20% de suas 370 lojas localizadas no Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Segundo a diretora Molinari, a rede está analisando a aceitação pela população; há a intenção de realizar exames em 100% das cidades em que a rede está presente. “Imaginamos que a demanda vai aumentar e, cada vez mais, as farmácias irão funcionar como agentes de saúde, para resgatar o papel do farmacêutico, fazer parte da jornada do paciente, não só entregar caixinhas de medicamentos”, diz. Ela avalia ainda que farmácias não devem substituir exames de diagnóstico feitos em laboratórios.
Segundo Cavallete, do DPSP, a resolução da Anvisa abriu espaço para trabalhos que envolvem a indústria e parceiros. O executivo conta que foi feita adequação no portfólio e montada uma malha geograficamente estratégica, para ficar próxima dos clientes. Nas 1.503 lojas do grupo espalhadas pelo Brasil, há 170 salas para aplicação de vacinas e 300 para realização de exames. “Nosso plano de expansão prevê que as novas lojas já tenham essa estrutura de atendimento”, acrescenta. Além de conveniência, o grupo aposta em preços competitivos para conquistar espaço no mercado.
Os exames feitos em farmácias não são contemplados em planos de saúde, mas tanto as grandes redes quanto a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) não descartam que isso venha a acontecer. “Tudo o que é novo tende a ser combatido e a aceitação pode levar um bom tempo, embora a oferta de vacinas e exames em farmácias seja um movimento que acontece há mais de 20 anos no mundo”, comenta Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma. “A população não faz testes e, no futuro, vamos ter noção de farmacoeconomia. É mais barato identificar logo a doença e tratar, porque quanto mais grave, mais caro. Os planos de saúde também vão perceber isso.”
Fonte: Valor Econômico