Por Daniele Madureira | Era noite de 28 de fevereiro de 2023. Joana Salvador, 23 anos, decidiu fazer um vídeo para os seus amigos no TikTok. A estudante peruana de Serviço Social, moradora da cidade de Provo, em Utah, no oeste dos Estados Unidos, queria informar seus seguidores sobre a eficácia do creme de tratamento da Skala para cabelos cacheados, um produto que ela havia conhecido no Brasil.
Ligou a câmera e fez um vídeo despretensioso na cozinha de casa, vestindo um moletom, sem maquiagem, com o cabelo preso no alto da cabeça. Abriu ao vivo uma caixa da Amazon com a encomenda: o creme de tratamento dois em um maracujá e óleo de patauá da Skala. Elogiou o quanto o creme era barato (cerca de US$ 5, ou R$ 20), o quanto ele era melhor do que os similares americanos, a maioria voltada para cabelos afro, e o quanto o pote de um quilo vinha cheio.
“Eu andei pelas favelas, que são lugares realmente pobres, e vi meninas que não têm dinheiro para ir sempre ao salão com lindos cabelos longos cacheados. Agora eu sei o segredo”, disse Joana, que prestou serviço voluntário no Brasil no ano passado. Ela recebeu uns três likes após a postagem e foi dormir.
No dia seguinte, se assustou ao ver 500 mil visualizações do seu vídeo, cuja audiência continuou subindo vertiginosamente, até superar as 9 milhões de visualizações.
Ela não tinha marcado a Skala na postagem, feita sem objetivo comercial, mas hoje ela é uma das 70 influenciadoras contratadas pela fabricante para divulgar a marca e apresentar produtos nas redes sociais. Na sequência ao vídeo de Joana, a exportação de produtos da Skala para os Estados Unidos saltou de três contêineres ao ano para 28 contêineres em seis meses.
“As redes sociais equilibraram o jogo na indústria da beleza”, disse à Folha o presidente da Skala, Antônio Carlos Sousa. “Antigamente, era preciso investir muito nos meios de comunicação tradicionais para atingir os consumidores, algo que só as grandes marcas podiam bancar. Mas hoje fabricantes como a Skala, que aprenderam a navegar bem nas redes sociais e a entender o consumidor, conseguem atingir visibilidade e aumentar suas vendas.”
Não importa o tamanho da indústria: desde gigantes como Nivea e Natura, passando por médios fabricantes como Skala, até os pequenos, como a Darrow, de dermocosméticos: todas usam influenciadores para lançar e divulgar seus produtos nas redes sociais, em especial no Instagram e no Tiktok.
A maioria desse time é formado por mulheres, antes conhecidas como “blogueiras”, mas cujo alcance nas redes sociais as elevaram ao status de consultoras de beleza, ajudando a movimentar uma indústria que faturou R$ 50 bilhões em 2022, com alta de 10% sobre o ano anterior, segundo a consultoria Euromonitor.
Antes de comprar, o consumidor quer saber o que funciona e como fica. Para isso, ouve desde famosas e globais, como a atriz Taís Araújo, passando por celebridades do mundo virtual, como Mari Maria, até desconhecidas do grande público, como Joana Salvador –estas últimas trabalham em microcosmos muitas vezes impossíveis de atingir por campanhas tradicionais. As influenciadoras regionais falam para o público que se parece com elas e, principalmente, que acredita nas suas dicas.
Um estudo da consultoria KPMG, com base em dados da Euromonitor, aponta que o meio digital é o que vem impulsionando o crescimento do mercado da beleza no mundo. Para atender os “nativos digitais”, diz o levantamento, é preciso fazer recomendações autênticas e indicar rotas para a compra.
“Os fabricantes perceberam que poderiam se conectar melhor com o público-alvo usando influenciadores, atingindo consumidores com quem não falavam antes, principalmente das novas gerações”, diz Fernando Gambôa, sócio líder de consumo e varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul. Esse cenário contribui para que as marcas se tornem mais diversas e inclusivas, afirma.
Se nos anos 2010 a TV dominava o marketing da beleza, hoje ela divide a atenção com as redes sociais, aponta o estudo. Já em 2030, as redes sociais vão dividir espaço com o marketing de inteligência artificial –o que já é feito por algumas marcas, com aplicativos que permitem, por exemplo, saber como fica determinada cor de batom nos lábios da consumidora.
A Nivea já percebeu essa mudança. “Não é um comercial de TV que vai levar a uma conexão, um sentimento de afinidade com a consumidora, mas sim uma influenciadora que entende o que o público procura e como ele se sente”, diz Rachid Antun, gerente de comunicação, mídia e relações públicas da Nivea Brasil.
Neste ano, a marca, fabricada pela alemã Beiersdorf, já realizou parcerias com cerca de 60 influenciadores de todo o país, incluindo micros e nano influenciadores, que têm de 20 mil a 200 mil seguidores. “A cada campanha, usamos entre 10 e 20 microinfluenciadores, além de um time fixo, que envolve cinco grandes nomes e 12 experts em beleza”, afirma Antun. Entre os grandes nomes, estão a atriz Sheron Menezes (5,1 milhões de seguidores no Instagram) e a cantora Preta Gil (11,3 milhões).
No ano passado, a Nivea lançou a linha Beleza Radiante, voltada à pele negra. Neste ano, uma pesquisa de mercado encomendada pela empresa apontou que 70% das mulheres negras brasileiras já ouviram falar de Beleza Radiante. “Nós não teríamos alcançado este resultado sem os influenciadores”, diz Antun.
A Nivea soma 1,1 milhão de seguidores no Instagram, mas vem investindo cada vez mais no TikTok. “É uma rede imprescindível”, diz o executivo. “Estamos avaliando o Kwai, porque é relevante para a classe C. Já o X (ex-Twitter) não é prioridade”, afirma Antun.
Na opinião de Ana Paula Passarelli, fundadora das agências de marketing de influência Brunch —que atende influenciadores— e Toast —que atende empresas em busca de influenciadores—, o consumidor quer respostas para suas dúvidas sobre produtos e serviços de alguém mais próximo dele, em quem confie.
“O influenciador cumpre esse papel nessa jornada de consumo diário: é alguém que traz a marca para perto do dia a dia dele, depois dela ter sido testada e aprovada”, diz a executiva, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Para apresentar um conceito novo para o consumidor –como o ácido hialurônico, por exemplo– é preciso alguém que passe credibilidade e explique para que serve essa substância, de um jeito que o público entenda”, diz.
Foi assim com Joana Salvador, que foi consumidora da Skala, antes de se tornar influenciadora da marca. “Onde eu moro, em Utah, é muito seco. Os meus cachos desaparecem facilmente, meu cabelo fica quase liso e eu fico frustrada. Decidi que precisava comprar a Skala de novo e por isso procurei a marca na Amazon”, diz a estudante, que esteve no Brasil no início de setembro para participar das ações da Skala na Beauty Fair, a feira de beleza voltada a profissionais do setor, que acontece há 18 anos em São Paulo.
Se o produto não dá certo com o influenciador, a empresa procura entender o que deu errado e troca por outro, diz a diretora de marketing da Skala, Bruna Veneziano. “Passamos o briefing [um roteiro] do que queremos comunicar, mas é importante que o influenciador se identifique com a mensagem. Ele não pode ficar robótico. Precisa transmitir a sua verdade, caso contrário a ação não faz sentido.”
Com sede em Uberaba (MG) e faturamento na casa dos R$ 900 milhões, a Skala começou a atuar as redes sociais em 2016. “O Instagram passou a ser a casa das marcas de beleza, onde os consumidores buscam informação e acompanham as novidades”, diz Antônio Carlos Sousa. Hoje, quase todo o esforço de marketing está concentrado nas redes sociais: o investimento nas blogueiras gira em torno de R$ 2,4 milhões ao ano.
“A nossa participação de mercado em cuidados com cabelos está em 11,8%. Mas era um quinto disso sete anos atrás, antes das redes sociais”, diz Sousa. A empresa trabalha com duas agências de marketing, mas é a sua própria equipe de comunicação que ajuda a selecionar os candidatos a influenciadores.
“Temos o cuidado de trabalhar com nano e microinfluenciadores. Eles estão dispostos a crescer com a empresa, entregam transparência e verdade”, afirma Bruna. “Nossos consumidores são das classes B e C. Muitos vivem em periferias e comunidades, assim como os nossos influenciadores, que normalmente não têm condições de comprar um cosmético mais caro.”
Já a Natura viu em março uma blogueira de beleza, Sté Lemos, comparar a qualidade do batom Nude 2C da linha Natura Una com o da marca britânica Charlotte Tilbury, dez vezes mais caro. “Foi uma postagem orgânica, ela não era contratada da marca. Mas depois deste post a venda do produto disparou cinco vezes”, diz Denise Coutinho, diretora de marketing da Natura Brasil.
A blogueira se tornou influenciadora da empresa, que não revela com quantos influenciadores trabalha, mas faz questão de abordar públicos diversos com cada um deles: mulheres, homens, jovens, mulheres maduras, mães. “Os influenciadores são essenciais para nós atingirmos capilaridade na comunicação”, diz Denise.
A Natura trabalha com temas específicos, como meio ambiente e sustentabilidade. No mês passado, levou 12 influenciadores para conhecer comunidades ribeirinhas extrativistas, que fornecem matéria-prima para a linha Natura Ekos. “Tivemos uma excelente repercussão, com 520 publicações, que atingiram 2 milhões de pessoas”, diz Denise. “É um conteúdo que não chega ao público como uma propaganda, mas sim como um depoimento.”
Fonte: Folha de S. Paulo