Por Carlos Juliano Barros – Num evento de grande repercussão na semana passada, o presidente da Shein para a América Latina, Marcelo Claure, anunciou a fabricação de roupas da gigante chinesa da moda no Rio Grande do Norte.
O comunicado contou com a presença da governadora Fátima Bezerra (PT) e do presidente Lula. O início da produção está programado ainda para este mês.
A Shein virou febre, principalmente entre o público jovem, ao aliar o design moderno garimpado das redes sociais com o custo baixo das roupas importadas da China.
Para rebater as acusações de evasão fiscal e de contrabando digital, e de quebra amenizar a pressão de concorrentes por uma regulamentação do governo federal, a companhia resolveu investir no “made in Brazil”, com a promessa de gerar milhares de empregos.
Segundo a assessoria de imprensa da empresa, o estado do nordeste não vai ser o único a fornecer peças para a marca. Já haveria outras 151 fábricas cadastradas no Mato Grosso, no Paraná e em São Paulo.
Programa Pró-Sertão
Parte da produção no Rio Grande do Norte ficará a cargo de uma fábrica da Coteminas, no município de Macaíba, região metropolitana de Natal.
O grupo empresarial pertence à família de Josué Gomes, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e filho de José Alencar, vice-presidente nos dois primeiros governos de Lula.
Mas a Shein também será abastecida por uma rede de oficinas de costura de micro e pequeno porte, espalhadas por municípios do sertão do Seridó, região historicamente castigada pela seca.
Em 2013, o governo do estado criou o Pró-Sertão, um programa de “interiorização” da atividade têxtil para gerar emprego e renda.
Dentre as ações, foram capacitados 2 mil profissionais da costura em 40 municípios, por meio de uma parceria do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) com o Instituto Federal, responsável pela oferta de cursos técnicos. Há quatro anos, o setor também conta com incentivos tributários, como a redução do ICMS.
Para cortar custos em fábricas próprias, nomes de peso da moda nacional — casos de Riachuelo e Hering — já terceirizaram parte considerável de sua produção para essas oficinas, também chamadas de “facções”.
Segundo Jaime Calado, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do RN, atualmente já há mais de cem oficinas aptas a produzir roupas para grandes marcas e varejistas. O plano é crescer.
“Dos 2 mil contratos que a Shein vai fazer no Brasil, a gente quer no mínimo 200 aqui no estado. Isso vai representar mais empregos”, afirma o secretário em entrevista exclusiva para a coluna.
Problemas trabalhistas e “novo momento”
Nos primeiros anos do Pró-Sertão, o programa foi marcado por denúncias de más condições de trabalho nas oficinas do Seridó.
As reclamações mais comuns diziam respeito a emprego sem carteira assinada, pagamentos abaixo do salário mínimo e jornadas excessivas para cumprir metas.
De acordo com uma série de matérias da agência Repórter Brasil de 2015, doenças laborais, como as chamadas LER/DORT (lesões por esforço repetitivo e doenças osteomusculares), também entraram no radar do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Norte, que criou um programa específico para enfrentar o problema.
“Vivemos um novo momento”, afirma o secretário estadual, quando questionado sobre o assunto. “Hoje as oficinas têm o selo Abvtex, o que garante a qualidade para fornecer para os grandes magazines. Isso inclui a fiscalização das condições trabalhistas”, completa Jaime Calado.
O “selo” a que o secretário se refere é o programa de certificação da Associação Brasileira do Varejo Têxtil. Segundo Edmundo Lima, diretor-executivo da entidade, “a Abvtex e alguns varejistas associados realizaram um forte trabalho para promoção de melhores condições de trabalho nas oficinas locais e formalização das empresas”.
As 133 oficinas certificadas geram cerca 19 mil postos de trabalho, de acordo com a associação. Promoção de saúde e segurança e combate à violência contra mulheres também fazem parte do programa.
Lima também avalia a intenção da Shein de levar a produção de suas roupas para o interior do Rio Grande do Norte. “Precisamos acompanhar a estratégia das plataformas internacionais na cadeia produtiva brasileira para que não haja retrocesso em tudo que estamos construindo e transformando”, complementa.
O que diz a Shein?
Em nota, a assessoria de imprensa da empresa afirma que “a Shein tem o compromisso de gerenciar sua cadeia de suprimentos de forma responsável”.
Além disso, prossegue o documento, todos os fornecedores devem obedecer a um código de conduta baseado nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na legislação local, sob pena de rescisão de contrato, quando necessário.
“No Brasil, gostaríamos de ressaltar que todos os fornecedores com os quais a Shein trabalha para produzir roupas localmente são empresas que operam sob mecanismos de governança reconhecidos, como os utilizados pela Abvtex”, diz o texto.
Fonte: Economia UOL