Por Letycia Cardoso e Danielle Nogueira | O alto patamar da taxa de juros — que está em 13,75% ao ano — fez a C&A optar por reduzir o ritmo de expansão de abertura de lojas. O plano da multinacional holandesa de abrir mais cem unidades nos próximos cinco anos no país — são 330 atualmente — não deve sair do papel, pois “justificar projetos ficou mais difícil” junto aos acionistas, diz o CEO da companhia no Brasil, Paulo Correa, em entrevista ao GLOBO.
Os juros também impactam no desempenho da companhia, que fechou o primeiro trimestre no vermelho. Para destravar as vendas, o executivo aposta na oferta direta de crédito aos clientes, por meio do cartão digital C&A Pay.
Desde o lançamento em 2021, já foram emitidos 3 milhões de cartões. Segundo ele, investimentos em tecnologia contribuíram para que o cálculo de risco de crédito dos clientes seja mais assertivo. Além disso, inovações como reconhecimento facial no caixa tornaram as compras mais rápidas.
Paulo Correa, CEO da C&A, está otimista com economia no segundo semestre, mas diz que empresa irá reduzir ritmo de abertura de lojas — Foto: Divulgação
Na expectativa de que medidas propostas pelo governo, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, sejam aprovadas ainda neste ano, Correa olha com “leve otimismo” para o segundo semestre, esperando vendas melhores no Natal.
A inadimplência chegou a níveis recordes no Brasil. Como isso afeta a C&A?
As pessoas estão mais endividadas, e isso acaba gerando impacto na inadimplência como um todo, não só na C&A. Esse fenômeno é diretamente proporcional à situação macroeconômica e ao patamar da taxa de juros neste momento. Mas quando a gente trabalha com serviços financeiros — a empresa tem seu próprio cartão de crédito digital, o C&A Pay — sabe que isso faz parte do negócio.
Isso faz com que a rentabilidade do crédito neste momento seja menor. Mas não dá para ser fornecedor de crédito só nos momentos em que o país está bem. Quando a gente fez o nosso business plan em 2021, para fazer o lançamento do cartão C&A Pay, considerou níveis de inadimplência já dentro de um contexto mais difícil. Hoje estamos abaixo desses níveis.
Mas a inadimplência pesou no prejuízo do 1º trimestre? E a concorrência com as asiáticas?
Com as famílias mais endividadas e juros nessa magnitude, é óbvio que o consumo de alguma maneira acaba sendo impactado. Apesar de tudo, a gente cresceu no primeiro trimestre na parte de vestuário e conseguiu aumentar a nossa margem bruta. (A empresa teve prejuízo líquido de R$ 126,3 milhões no primeiro trimestre, mas 17% menor que em igual período do ano passado).
O preço da ação teve um rally nos últimos dias (+11,57% desde a divulgação do balanço), o que mostra que o mercado entende que a gente está fazendo uma gestão condizente com os tempos mais desafiadores. Eu acredito que (a concorrência com as asiáticas) não afetou (o resultado).
O mercado de varejo de moda é muito pulverizado. Os três maiores players mal chegam a 20% de marketshare. Mesmo novos entrantes têm muito espaço para crescer. O que a gente está assistindo (na tentativa do governo de endurecer a fiscalização de sites de e-commerce estrangeiros) é uma discussão para buscar caminhos que sejam mais compatíveis e justos para todos.
Alguns varejistas estão fechando lojas. A C&A também está reavaliando pontos de venda?
A gente entende que teria condição de ter mais cem lojas nos próximos cinco anos, se a gente tivesse um contexto macro mais favorável. Mas, neste momento, por conta do custo do capital, a régua para aprovação desses projetos está mais alta.
Conseguir justificar projetos ficou mais difícil, o que significa que o número de lojas que a gente vai abrir (neste ano) ficou um pouco menor do que o número que a gente abriu no ano passado. É uma consequência mais pragmática desse momento. Fechar lojas faz parte da gestão do portfólio. O tempo todo a gente está monitorando performance.
O principal efeito dos juros altos, então, é limitar a expansão?
O primeiro efeito, e mais importante, é na expansão do consumo, que fica travado. O segundo é que faz com que os investimentos fiquem mais difíceis.
A estratégia de lançar o C&A Pay visa a ajudar a enfrentar esse momento?
Uma das vertentes estratégicas mais importantes para o crescimento da empresa era a capacidade de dar crédito diretamente para nossos consumidores. No final de 2021, a gente fez o lançamento desse cartão. Já são mais de 3 milhões.
A pessoa que tem o crédito da loja tem um consumo duas vezes maior do que uma pessoa que não tem. Entender comportamentos, tendo acesso a informações sobre as compras que as pessoas fazem na nossa loja, faz com que eu tenha um histórico privilegiado para tomar a decisão de dar mais ou menos crédito.
A empresa está conseguindo ampliar o público do cartão para além das classes C e D?
Com certeza, por oferecermos benefícios a eles através do nosso programa de relacionamento, que é o C&A&VC, que tem 24 milhões de membros. Há acesso a coleções exclusivas primeiro, tem caixa preferencial na loja, pode levar mais peças para dentro do provador, promoções específicas.
Com o cartão digital, você pode pagar sem documento, só com o seu rosto. O caixa tem uma câmera que reconhece a pessoa e já automaticamente debita do cartão. O processo fica mais seguro, evita fraude, é mais rápido.
Manter lojas físicas, mesmo que elas não rendam o lucro esperado, faz parte da estratégia de integração com o digital?
Cada vez é mais difícil você estabelecer fronteira entre canais. Hoje, a jornada de compra começa digital, pode passar pela loja física e terminar no digital de novo. Ou o contrário. É muito comum ver pessoas chegando à loja com um print, porque fizeram a pesquisa no digital, mas acham mais prático pegar a mercadoria na loja e já sair com a peça na hora. A loja física faz parte do sistema como um todo.
Por exemplo, tenho um time de WhatsApp em cada loja, que trabalha com uma base de clientes. A nossa tecnologia manda para eles quais são as pessoas daquela redondeza que ele poderia contatar, fazer uma oferta, uma sugestão de look. E, muitas vezes, essas pessoas vão à loja procurar o funcionário de quem elas receberam a mensagem. Então, como faz essa fronteira de onde começou e terminou?
Vocês têm adotado algumas estratégias novas na empresa, como as lojas double door ACE e a criação de marcas próprias de cosméticos e maquiagens. Como isso contribui para o caixa da companhia?
A gente vem tentando incrementar serviços, categorias, formatos que possam ser alavancados por tecnologia, construindo novas bandeiras de crescimento. Estamos expandindo a linha esportiva, que aumentou muito de tamanho durante a pandemia, e a resposta do consumidor tem sido forte.
Por isso, a gente começou a testar esse formato que a gente chama de doubledoor, para conseguir de criar uma ambientação específica para as pessoas que estão buscando roupas e acessórios para atividade física. E todas as nossas linhas cosméticos têm crescido em ritmo superior ao da C&A, em termos de dois dígitos. A gente espera que essa possa ser uma das maiores categorias da C&A ao longo do tempo.
Loja double door ACE, da C&A, tem ambientação específica para produtos fitness — Foto: Divulgação
O governo está tentando aprovar o arcabouço fiscal, vai lançar o Desenrola (para renegociação de dívidas) e aprovar a reforma tributária mais adiante. Está otimista?
Acho que o governo está tentando fazer algum tipo de desenho que possa viabilizar uma solidez fiscal maior, para isso desbloquear a dimensão da taxa de juros. Tenho um leve otimismo que a gente vai encontrar uma solução melhor do que essa que a gente tem nesse instante.
A gente está olhando de maneira positiva para o segundo semestre. No ano passado, a Copa do Mundo no fim do ano acabou atrapalhando as vendas de Natal. Sem esse evento, esperamos vendas maiores em 2023.
Fonte: O Globo