08/02/2015 02h00
Insatisfeitos com a remuneração na venda da laranja à indústria exportadora, produtores da fruta decidiram deixar o papel de fornecedores e se transformaram em indústrias de suco integral.
Sem adição de açúcar, água nem conservantes, o suco integral viu o seu consumo dobrar no Brasil em três anos, para 100 milhões de litros em 2014 só de laranja foram vendidos 75 milhões.
A maior preocupação do brasileiro com uma alimentação saudável e a necessidade de mais praticidade aumentaram a demanda, levando agricultores a encarar o mercado interno como uma saída para a crise no setor.
O consumo de suco de laranja vem caindo nos principais mercados do produto, como os EUA e países da Europa, devido, sobretudo, ao aumento da concorrência em um setor marcado por inovações nos últimos anos. Além disso, a laranja ganhou fama de calórica, o que ajudou a afastar alguns consumidores.
A piora no mercado internacional reduziu as exportações brasileiras e a demanda pela fruta das gigantes do setor, que vendem ao exterior 95% da produção. Com excesso de oferta, alguns produtores procuraram um outro caminho para suas laranjas.
“Em razão das dificuldades que há anos a citricultura enfrenta, fomos buscar alternativas”, diz Dagoberto Cardili, um dos donos da Brasil Citrus, fabricante de suco de laranja integral em Tabatinga, interior de São Paulo.
Cardili pertence à segunda geração de uma família de citricultores. Há cinco anos, ele, um irmão e um primo começaram a operar a sua própria fábrica de suco. Hoje, produzem por mês 2 milhões de litros, vendidos para pequenos mercados, restaurantes, lanchonetes e cozinhas industriais no Estado de São Paulo. “É um trabalho de formiguinha, porta a porta”, diz.
Vizinha à Brasil Citrus, a Life Sucos tem uma história semelhante. Os produtores Alfredo dos Santos e Wagner Mapeli, que desde 1994 forneciam para outras marcas, passaram a dedicar parte da produção à extração e ao envase de suco integral próprio.
Em Paranavaí (PR), a família Pratinha produz suco de laranja integral com a sua marca, Prat’s, desde 2012. Atualmente, são vendidos 15 milhões de litros por ano para cadeias de supermercados regionais, lojas de conveniência, bares e lanchonetes.
“Estamos começando o relacionamento com redes maiores, mas ainda não temos escala suficiente para atendê-los”, diz Paulo Pratinha, um dos sócios da Prat’s.
Os pequenos canais de venda têm sido o caminho das novas indústrias da laranja, que, com menores custos logísticos e margens mais baixas no varejo, conseguem oferecer o suco 100% a preços mais competitivos.
IMPOSTOS
O preço continua sendo o maior entrave ao desenvolvimento desse mercado. Segundo empresários, seria possível reduzir mais o valor do suco integral se houvesse mudança na carga tributária, de 30% considerando todos os elos da cadeia de produção.
O setor já levou ao governo pedido para eliminar a alíquota de 7,65% de PIS e Cofins entre a indústria que envasa o suco e o varejo.
O argumento é que a medida poderia estimular a produção de frutas e o consumo de produtos mais saudáveis a carga tributária para néctares, que têm açúcar e conservantes, é a mesma.
Para Marcos Fava Neves, professor titular da FEA/USP e conselheiro da empresa de pesquisa Markerstrat, a desoneração pode estimular mais citricultores a produzir suco.
“Há dois caminhos para o setor: ajustar a produção à demanda, o que vai reduzir o número de produtores, ou dar estímulo à demanda interna, que pode, em tese, compensar a queda na exportação e manter a produção”, diz.
“O mercado interno é uma das únicas saídas para a citricultura”, diz Ibiapaba Netto, da CitrusBR, que representa as exportadoras. Para ele, o mercado pode voltar ao equilíbrio com as pequenas indústrias voltadas ao consumidor brasileiro.
Espaço para crescer não falta. “O consumo de suco espremido no Brasil, sem contar a indústria, é de 2,5 bilhões de litros. Calculamos que o potencial de crescimento seja o dobro disso”, diz Eduardo Eisler, líder de marketing da Tetra Pak (fornecedora de tecnologia e embalagens) para as Américas.
O mercado é tão promissor que as grandes, dedicadas apenas ao mercado de néctar até então, também partiram para o integral. A Del Valle, por exemplo, marca de suco da Coca-Cola para a América Latina, lançou em janeiro seu primeiro suco 100% no país.
Folha de S. Paulo – SP