Por Adriana Mattos
A troca de Jorge Faiçal por Marcelo Pimentel para o comando do GPA veio sendo articulada dentro da ideia de buscar no mercado um nome forte em operação de loja, com grande capacidade de execução, num momento em que analistas e investidores andam mais atentos a esses aspectos em relação à empresa. Pimentel não tem perfil estratégico ou comercial — este último é o grande ponto forte de Faiçal, que tem boas chances de ir parar agora na concorrência.
Desde que vendeu o braço de hipermercados e separou o Assaí, o GPA tem que entregar resultados numa operação menor, e historicamente a que sempre foi destaque do negócio em termos de rentabilidade, o Pão de Açúcar.
Conseguir executar as ações com o time e liderar um novo plano em loja, num momento de transformação digital, é fundamental. “Operação é abastecimento, gestão de despesas, exposição de produtos, atendimento ao cliente, e o Marcelo tem mais essa cabeça, e é mais sênior. Faiçal é ’top’ em política de preço, em negociação, compras, na relação com fornecedores, é craque nisso. O ideal seria manter os dois, só que a essa altura ía ser difícil”, diz um ex-executivo do GPA, e de um grupo de amigos próximo à Pimentel. “Quem já foi CEO busca outros caminhos, e ficar no ‘Pão’ poderia nem ser uma opção do próprio Jorge”, diz.
Pimentel é o quinto CEO a ocupar o cargo no GPA em 12 anos, sem incluir executivos interinos.
Experiência em loja
Pimentel atuou no varejo alimentar por 14 anos, em cargos de gerência e diretoria regional.
O executivo começou na gerência geral de loja da Asda, rede britânica, no começo dos anos 2000. “Depois disso, como a Asda era do Walmart ele entrou em contato para mudar para o Walmart no Brasil em 2011 e deram a oportunidade. Virou diretor regional de área [cargo acima do gerente, que administra um grupo de pontos]. Então fez treinamento em produtividade na época, e como morou fora, fala bem inglês”, afirma uma fonte que trabalhou com Pimentel.
Após esse período no Walmart, onde esteve por quase quatro anos, foi em 2015 para a diretoria de operações da rede de farmácias DPSP, onde esteve por dois anos, quando ocupou o primeiro cargo de liderança operacional no varejo. E entrou na Marisa como vice-presidente de operações em 2017.
Vinha tentando colocar a empresa num novo rumo, após várias tentativas de reestruturações e mudanças estratégicas na rede nos últimos anos.
A análise antes da crise era de que começavam a surgir sinais de melhoria operacional na Marisa, ainda não totalmente refletida nos números. As vendas brutas na Marisa em 2017 (Pimentel entrou na metade daquele ano) somaram R$ 3,6 bilhões, mesmo patamar de 2019, antes da crise sanitária. O executivo se tornou CEO em julho de 2019.
A margem bruta de 2017, uma das maiores da Marisa nos últimos anos, foi de 51,8% ao fim daquele ano — em 2019, atingiu 48,8%. “A pandemia estourou e embaralhou todo o setor, mas ele vinha em 2019 acertando na estratégia de reconquista de clientes, acertando mais na coleção que a cliente pedia, com apoio, logicamente do marketing e do comercial. O Ebitda também vinha melhor. Os ganhos estavam vindo e ainda não estavam 100% nos números”, diz uma segunda fonte.
Na pandemia, a Marisa sentiu — como todas as cadeias de vestuário — o baque das lojas fechadas e foi saindo da crise com vendas em fevereiro e março acima dos patamares registrados antes da disseminação da covid-19, como também as outras grandes do setor, porém com alavancagem maior.
Desafio digital
No GPA, se os planos anunciados forem mantidos, Pimentel vai ter que lidar com fase de reformas completa de mais de uma centena de lojas do Pão de Açúcar, para um formato mais avançado até o fim do ano, para melhorar a experiência do consumidor nos pontos e o nível de serviço. “O ‘Pão’ hoje é premium em marca e localização, principalmente, mas precisa ser mais forte em execução. O Extra [hipermercado] tomava energia, dinheiro e tempo, basta lembrar aquele projeto de trazer alguns conceitos do atacarejo para o Extra que eles tentaram. Mas agora como não tem mais o Extra, não há porque não voltarem a colocar o Pão em outro patamar”, diz um ex-diretor da cadeia.
O Pão de Açúcar representa hoje 43% das vendas do grupo depois da venda das lojas do Extra. Há um pacote de medidas em andamento nas lojas e na operação digital, que Faiçal vinha destacando já há algum tempo — como a aceleração de acordos de parceria com aplicativos de entrega e marketplaces, para sair de uma plataforma fechada anterior, que não avançou como se previa.
Essa questão do comércio eletrônico vai estar na mesa de Pimentel, principalmente a estratégia digital da rede Pão de Açúcar. Na Marisa, a operação digital é bem menos relevante do que na rede de supermercados (as vendas on-line chegaram a 20% do total na pandemia), e na época em que ele dirigia lojas do Walmart, canais on-line não eram um braço do negócio.
O fato de Pimentel não ter sido CEO de uma varejista de alimentos não era fator determinante na busca de um nome pelo GPA, processo que começou no ano passado. Ele é o primeiro CEO de fora da empresa (ou do controlador Casino) desde que os franceses viram maiores sócios. “Isso [ter que ter CEO com experiência na área] é meio um mito. Claro que se vier do mesmo setor, ótimo, mas se não vier, tem menos vícios. E não há nomes de primeira linha em alimentar dando sopa por aí. Os melhores já são CEOs e outros muito bons têm perfil de reestruturador, e isso o GPA não precisa”, afirma outra fonte.
A aposta hoje é que Faiçal vá para a concorrência, como inclusive quase aconteceu quando Peter Estermann deixou o comando do GPA e entrou o interino Christophe Hidalgo, na época diretor financeiro. Houve uma negociação entre GPA e Faiçal, que já era diretor do negócio de multivarejo (supermercados e hipermercados) antes da sua efetivação como principal executivo, diziam fontes na época. Naquele período, circulavam informações no mercado de que Faiçal teve contatos com o Carrefour.
A busca por executivos de varejo não anda fácil há alguns anos. Segundo fontes, poucos nomes de primeira linha surgiram na busca feita pela consultoria de headhunting. “Hoje, os melhores já estão à frente de negócios”, diz um executivo.
Fonte: Valor Econômico