Um mês depois do anúncio da aquisição do e-commerce de tecnologia pelo Magazine Luiza, os fundadores do site saem da discrição e contam por que não quiseram mais andar sozinhos
Por Victor Sena
Há cerca de 20 anos, a internet banda larga tinha acabado de chegar ao Brasil, os celulares eram feitos só para fazer ligações e as pessoas faziam compras em lojas físicas.
Mas o interesse pelos computadores e pela internet crescia, impulsionado principalmente por redes sociais como o Orkut.
Na época, o único grande e-commerce brasileiro era o Submarino, mas a necessidade de peças, jogos e materiais de informática fez outro site de compras surgir para atender a demanda: o Kabum!.
Hoje, ele é um entre diversos e-commerces, mas o público fiel, os bons resultados financeiros e a história de sucesso de pioneirismo levaram o site de nicho a cair na “rede de pescas” do Magazine Luiza. Em julho, a empresa anunciou que comprou 100% da operação do site por 3,5 bilhões de reais.
Assim como o Magalu, o KabuM! nasceu no interior de São Paulo e é uma empresa familiar. Ele foi fundado pelos irmãos Leandro e Thiago Ramos, que agora tornam-se acionistas do Magazine Luiza.
“Temos valores similares, história parecida. Também é uma empresa familiar. Na hora em que a gente viu a oportunidade de vender, a gente viu que continuaria no jogo”, conta Leandro, em entrevista à EXAME.
Os irmãos só toparam conceder a entrevista um mês depois do anúncio que agitou o mercado, quando a poeira já estava mais baixa.
A história do Kabum!, do Leandro e do Thiago na cidade paulista de Limeira cresceu junto com o desenvolvimento da comunidade gamer, nerd e de tecnologia no Brasil.
Isso porque o site foi quem forneceu nos últimos quase 20 anos os jogos, peças e computadores para todo esse público mais especializado no país.
A lojinha de peças do interior
Com 16 anos, Thiago Ramos começou a fazer manutenção de computadores no final dos anos 90. Como tinha dificuldade em encontrar peças para reposição, decidiu abrir uma loja física e desenvolver sua rede de fornecedores. Logo depois, o irmão mais novo começou a trabalhar com ele.
“O Kabum nasceu porque meu irmão era muito mão de vaca. Ele pagava um salário pequeno”, brinca Leandro. “Aí, como também sou programador web, eu mesmo desenvolvi o site para vendermos online. Um dos primeiros pedidos foi a venda dos equipamentos de uma lan house inteira, que eram febre na época. Então decidimos fechar a loja física”.
O ambiente da venda digital no começo dos anos 2000 foi desafiador para os dois. Os clientes precisavam pagar por depósito em conta e eles tiveram que fazer um “trabalho de formiguinha” para convencer as pessoas de que o site era confiável.
No começo, só os dois atendiam os clientes, embalavam as caixas, faziam as encomendas com fornecedores, levavam nos correios.
“Eu e meu irmão entrávamos em fóruns para explicar que o site era seguro. Aí, o cara realmente recebia e voltava no fórum para dizer que a gente era seguro. Isso foi crescendo. Aí começamos a rampar. Na terceira compra, ele já sabia que era confiável. Aí foi a primeira grande curva da nossa história”, conta Thiago Ramos.
Para tentar alavancar o negócio, um dos sonhos era conseguir uma máquina de cartão de crédito. Na época, em 2003, Thiago e Leandro tinham 17 e 20 anos.
“A gente alugou terno, foi até São Paulo, a uma grande financeira de cartões de crédito e nem recebido pelo gerente a gente foi. O mais legal foi que 10 anos depois, na Copa do Mundo de 2014, eu estava no camarote do estádio do Corinthians assistindo a um jogo com o presidente dessa instituição financeira e contei essa história para ele”, lembra Leandro.
Na visão dos irmãos, três pontos foram fundamentais lá no começo do negócio para que ele bombasse: eles focaram nas ofertas à vista com um bom desconto, só vendiam o que realmente tinham em estoque e começaram a oferecer as entregas via Sedex a cobrar.
Com essa modalidade, conseguiram driblar a desconfiança de muitos compradores, porque eles eram avisados de que na unidade dos Correios da sua região havia uma encomenda. Para retirar, bastava pagar o valor da compra.
Quanto a oferecer produtos fora do estoque, o lucro costumava zerar enquanto essa era a prática. Isso porque o preço oscilava com o fornecedor. Além disso, a empresa conseguiu garantir entrega rápida ao acabar com ela.
A aposta no à vista com desconto fez todo o sentido para o público da empresa, que não tinha acesso à crédito, por ser mais jovem. Hoje, a modalidade é de 70% no site. Ela só não é forte nas compras em produtos como celular e televisão.
“O cara que lá atrás comprou no KaBuM! com 18 anos agora tem 36, e hoje ele gasta o dinheiro dele. Não precisa pedir para os pais”, conta Leandro. “Boa parte do nosso público de 2003 ainda é um público hoje.”
Hoje, são 1.400 pessoas na empresa, que tem os escritórios administrativos em Limeira e um centro de operação logística no Espírito Santo, devido ao incentivo fiscal.
A empresa também tem uma unidade nos Estados Unidos, fundada em 2012 para garantir rapidez no acesso a lançamentos internacionais dos produtos.
O namoro com o Magalu
“A gente sempre foi muito abordado. De 2009 em diante o Kabum! começou a ganhar o corpo. Então, nos últimos 10 ou 11 anos sempre teve gente batendo na porta. Nosso foco era a abertura de capital e aí para isso focamos na profissionalização. Montar as diretorias, melhorar a perfomance, deixar a empresa menos dependente de mim e do meu irmão,” conta Leandro Ramos.
A ideia de fazer uma abertura de capital ficou de lado quando os irmãos perceberam que teriam tudo o que ela daria ao aceitarem uma aquisição de uma empresa como o Magazine Luiza, que tem mais de mil lojas e capilaridade.
De acordo com Leandro, a eficiência foi o que o Magalu mais gostou na empresa. Nos 12 meses encerrados em julho, o e-commerce teve receita bruta de 3,4 bilhões de reais e um lucro de 312 milhões de reais. Para evoluir, a aquisição ainda precisa da aprovação do Cade.
Mesmo com a aquisição, os planos da empresa são continuar no interior. Limeira fica a 40 minutos do aeroporto de Viracopos e Leandro Ramos explica que São Paulo não garantiria a qualidade de vida que a região dá para os funcionários.
Na época do anúncio, o presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, elogiou a rentabilidade da empresa e disse que a ideia era reforçar o ecossistema Magalu como líder do comércio eletrônico no mercado geek e gamer.
Dados da consultoria Accenture mostram que a indústria mundial de games atingirá 300 bilhões de dólares ao final de 2021, receita maior que a dos setores de música e filmes somados.
O KaBuM! é um dos precursores em esportes eletrônicos no Brasil. Criou uma das maiores equipes de League of Legends do país, a KaBuM! Esportes, tetracampeã nacional e a primeira representante brasileira no campeonato mundial. A KaBuM! Esportes apoia também outras modalidades de e-sports, como Counter Strike, FIFA e Free Fire.
Em 2020, com novos hábitos de consumo estimulados pela pandemia, suas vendas cresceram 128% em relação ao ano anterior. Com 2 milhões de clientes ativos, o KaBuM! oferece mais de 20 mil itens de tecnologia de ponta para profissionais e para o universo gamer.
Nos últimos anos, a empresa da família Trajano fez mais de 20 aquisições de empresas. A estratégia é a de formar um ecossistema em que a empresa possa alcançar o consumidor em diversos espaços, marcas e interfaces.
O que esperar da fusão
Para o Kabum!, o principal ganho ao tornar-se parte do grupo é na parte logística e de entrega. As lojas físicas do Magazine Luiza também devem ganhar espaços do KaBuM!, focados em produtos de tecnologia. Esse modelo tem o nome de store in store.
Já no lado do Magalu, Leandro Ramos acredita que o KaBuM! pode contribuir com o know-how sobre como funciona a jornada de compra do consumidor de tecnologia.
Além disso, as formas de controle e os sistemas próprios que foram construídos também chamaram muito a atenção da empresa pela eficiência.
“A gente carrega uma base jovem para o Magalu, com alta recorrência, com produtos de tecnologia. Hoje o Kabum! é de nicho, mas em dez anos vai ser generalista porque todo produto está se tornando produto de tecnologia”, opina Leandro. “O funil no fim do dia vai cair na tecnologia e é isso que a gente leva para eles”, diz.
Fonte: Exame