Setor de tecidos, vestuário e calçados é aquele em que empresários veem retomada mais lenta dos negócios por causa da pandemia
Por Anaïs Fernandes
Enquanto indicadores agregados da atividade brasileira surpreendem positivamente em 2021, a despeito da piora sanitária, um olhar mais atento aos segmentos que compõem os grandes setores da economia revela ramos – e não apenas em serviços, mas também no comércio e na construção – em que a confiança está muita baixa e persistem dificuldades para aproveitar esse “vento favorável”.
Sete dos dez segmentos com os menores níveis de confiança em maio de 2021 estavam no setor de serviços, aponta abertura das Sondagens do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). A confiança mais baixa, porém, é a do varejo de tecidos, vestuário e calçados. Na média móvel de três meses – métrica que ajuda a observar tendências -, registra 69,6 pontos. Em termos de evolução, também fica na lanterna: a confiança está 27,3 pontos abaixo do nível pré-covid (fevereiro de 2020), pelas médias trimestrais.
“Chama a atenção que o segmento realmente evoluindo de forma menos favorável não é o de serviços”, afirma Aloisio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas do FGV Ibre. Isso porque o setor é o mais diretamente atingido pelo isolamento social. Mas diversas de suas categorias estão no “top 10” da menor confiança (ver quadro ao lado). Na ponta oposta, quase todos os segmentos mais otimistas são da indústria, com exceção do comércio de veículos.
“O problema são os que dependem de venda presencial e, muitas vezes, de aglomeração, como restaurantes, hotelaria, outros serviços às famílias (academias, cabeleireiros, dentistas etc.) e os outros serviços de transportes, que inclui, por exemplo, o transporte aéreo”, diz Campelo.
O caso do varejo ligado à moda é particular, porém, porque pressões vêm de muitos lados. Em 2020 – e, em menor escala, novamente neste ano -, pesou o fato de medidas duras de restrição ao funcionamento das lojas terem sido baixadas em março, logo após o lançamento de coleções, explica Nelson Tranquez Jr., vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro, um dos principais polos de confecção e têxtil do país.
Pior: quando as restrições de 2021 chegaram, boa parte dos lojistas que sobreviveu a 2020 estava mais descapitalizada. E, ainda que a experiência do ano anterior tenha feito os varejistas avançarem “dez anos de e-commerce” em um, como diz Tranquez, o consumidor não se sente tão à vontade para fazer essas compras virtualmente. Soma-se ao cenário a forte pressão de custos neste ano. O preço do algodão no mercado subiu, o real se desvalorizou e houve gargalos na cadeia de tecidos e aviamentos.
No varejo de calçados, em que 70% dos negócios são pequenos ou médios, a necessidade de alavancagem é grande, mas o espaço para negociação com a indústria e bancos está menor do que no início da pandemia, diz Marcone Tavares, presidente da associação de lojistas de artefatos e calçados, a Ablac. Ele estima que, na crise sanitária, 30% do comércio calçadista do país já fechou as portas.
Muitos lojistas do Bom Retiro recorreram a programas do governo para suspender contratos ou reduzir jornadas, segundo Tranquez. Já o acesso a linhas de crédito é mais difícil, afirma. Na Loonyjeans, onde ele é gerente comercial, não houve demissões, mas vagas abertas não foram repostas.
O grupo de tecidos, vestuário e calçados até avançou 13,8% na pesquisa mensal mais recente do IBGE, de abril, mas tinha tombado 16,1% em março. O volume de vendas foi quase 20% menor do que em fevereiro de 2020, destaca Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Mesmo com lojas abertas, a compra de vestuário e sapatos, sem eventos e vida social ativa, fica em terceiro plano, dizem os lojistas. Isso deixa os comerciantes “com o pé atrás”, segundo Tranquez. O que trará normalidade aos negócios é a circulação de pessoas, que, por sua vez, depende da vacinação, “mas sentimos que está lenta”, diz o gerente. “E, ainda assim, vamos ter dificuldade por um tempo, tem que recompor a cadeia.”
É essa dificuldade de enxergar um horizonte promissor no curto prazo que segura o otimismo em muitos dos ramos com a confiança baixa, aponta Bentes. “A economia estará melhor no segundo semestre, se não houver choques adversos, e a tendência é que as confianças reajam. Mas a reversão do cenário de curtíssimo prazo é pouco provável. Acredito que esses segmentos estão olhando para 2022.”
Esse é um pensamento recorrente entre empresários do audiovisual, um das classes que compõem o segmento com o segundo pior nível de confiança até maio. Antes da covid, o grupo já sofria com entraves na liberação de verbas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), impasse que deve permear o debate político de 2022. Mas a pandemia piorou a situação.
Na produção, apesar dos protocolos sanitários criados, a redução nas filmagens foi “muito drástica”, afirma Mauro Garcia, presidente-executivo da Bravi, entidade que reúne 675 produtoras pelo país. Na distribuição, quem opera com grandes plataformas trabalhou bastante, já que, com mais pessoas em casa, elas reforçaram seus catálogos, diz. Mas quem atua na distribuição para cinemas e, sobretudo, é independente sentiu mais.
Até hoje, a Agência Nacional do Cinema não flexibilizou uma regra que determina a estreia de produções com uso do FSA em salas de cinema, diz Ibirá Machado, diretor da Descoloniza Filmes. “É um total descaso com a cultura.” Para distribuidoras independentes como a Descoloniza, licenciar em “streamings” por assinatura é raro. As alternativas são plataformas em que se paga por vídeo ou a internet. Em 2018, Machado distribuiu quatro filmes. Em 2020, apenas um.
Entre os segmentos que estão mais pessimistas, Campelo, do Ibre, destaca ainda dois da construção: edificações não residenciais e obras de instalações, como elétricas e hidráulicas. Com os juros baixos, há demanda por ativos físicos como imóveis residenciais, “mas, no comercial, tem a discussão se haverá ou não diminuição permanente da ocupação, dado o uso trabalho remoto”, aponta.
Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV Ibre, observa que esses dois segmentos já estavam com a confiança mais baixa antes da covid-19. As obras de instalação ainda não tinham conseguido tirar real proveito da retomada da construção, que só começou a se esboçar em 2019. “Com a queda nos primeiros meses da pandemia, ficou um pouco mais distante”, afirma.
Um ritmo forte na construção – o que deve exigir ainda um caminho longo, alerta Ana Maria – traria, a reboque, as obras de instalações, mas, para o segmento não residencial, o cenário “está um pouco mais complicado”, diz ela.
Fonte: Valor Econômico