No segmento de eletroeletrônicos, grandes redes têm 88% do mercado – fatia em 2019 era de 84%
Por Adriana Mattos
No varejo de alimentos, as 20 maiores cadeias passaram de uma fatia de mercado de 45,8% em 2019 para 47,7% em 2020: aumento da concentração — Foto: Ana Branco/Agência O Globo
O avanço da digitalização no varejo, que ampliou a venda dos pequenos negócios pelo canal on-line em vários cantos do país, não impediu o aumento da concentração no setor.
Vem crescendo o número de lojistas digitais desde 2020, mas a crise, que fechou pontos, secou o crédito e fez disparar as vendas virtuais de grandes varejistas, também acelerou a consolidação no comércio.
No varejo alimentar, com base em dados do ranking anual associação brasileira de supermercados (Abras), as cinco maiores redes do país responderam por 33,3% do faturamento do autosserviço em 2020, versus 32,1% um ano antes. As cinco maiores redes – Carrefour, Assaí, GPA, Big (Ex-Walmart) e Grupo Mateus – adicionaram às suas vendas R$ 27,3 bilhões em 2020, em relação a 2019.
Na lista das 20 maiores, essas cinco foram as que mais ganharam participação em 2020 (1,1 ponto, para 33,3%). O grupo de empresas que avançou menos está no piso do ranking. As varejistas que ocupam da 16ª à 20ª posição ganharam, em conjunto, apenas 0,1 ponto, para 2,8%.
No total, as 20 maiores cadeias passaram de uma fatia de 45,8% em 2019 para 47,7% em 2020.
Esses cálculos consideram os números do ranking da Abras, das 500 maiores redes, de 2019 e de 2020, divulgado em maio. O Valor incluiu as vendas do Big e do Grupo Mateus, que não aparecem no levantamento da associação, mas são públicos. As vendas do Carrefour incluem o Atacadão. O Assaí foi separado do GPA em 2020 e aparece desta forma no ranking de cada ano.
No varejo de duráveis (eletrônicos e eletrodomésticos), dados da GfK Brasil, coletados a pedido do Valor, mostram que varejistas com atuação nacional, em mais de quatro Estados, atingiram fatia de 88% nas vendas de janeiro a abril deste ano, versus 86% no acumulado de 2020 e 84% em 2019. Essas redes nacionais são 30% do total de grupos com atuação no país.
Ou seja, as cadeias regionais, que são 70% da base total, têm apenas 12% das vendas hoje. E essa fatia vem caindo – era 16% em 2019 e 14% em 2020.
De janeiro a abril, as vendas (em valor) nas redes nacionais cresceram 46% e nas regionais, 26%, relata a GfK. A consultoria não cita nomes de empresas no levantamento, mas segundo ranking da Similarweb baseado em visitações a sites, as maiores são Mercado Livre, Americanas, Amazon, Magazine Luiza e Casas Bahia (Via). Na venda física, Magazine, Via e Lojas Americanas estão entre as maiores.
“Não se pode dizer que o avanço das marcas nacionais na pandemia é algo necessariamente ruim ao mercado ou ao cliente. Há forte competição entre as cadeias, e elas têm ressaltado a existência de uma intensa disputa em preço desde o ano passado” diz Fernando Baialuna, diretor de varejo da GfK.
Na avaliação de Alberto Serrentino, sócio fundador da Varese Retail, mesmo que o digital tenha ajudado os médios e pequenos desde a pandemia, “o rolo compressor de grandes empresas, principalmente no setor eletroeletrônico, como Magazine Luiza ou Via Varejo, é algo desproporcional, que desequilibra as forças”.
Somadas, as duas redes venderam R$ 70 bilhões em 2020, R$ 13 bilhões a mais que em 2019. É como se, em um ano, elas adicionassem a seus números o equivalente a duas Lojas Cem, rede forte do interior palista.
Já no alimentar, a aceleração do atacarejo bem acima da média deu novo gás a essa concentração. Apesar do “boom” dos mercadinhos de bairro na pandemia, que favorece os pequenos negócios, a alta não chegou perto da expansão do atacado.
“O atacarejo é um canal que vai muito bem na crise e ele pesa mais nas vendas das grandes cadeias, como no GPA [que tinha Assaí como subsidiária], no Atacadão, controlado pelo Carrefour, e no Grupo Mateus”. O atacarejo cresceu 20% neste ano até maio, segundo dados da Nielsen, e o autosserviço, 12%.
Para Ronaldo Vasconcelos, sócio da RV3 Consultores, focada em recuperação judicial e gestão financeira, as grandes redes têm acesso ao mercado de capitais e fizeram emissões de debêntures, que reforçaram o capital de giro, e ofertas de ações – parte desses recursos foi para aquisições.
“Com caixa mais reforçado, elas ainda conseguiram ampliar mais seus estoques que as redes menores, num momento que faltavam produtos”, diz o advogado. O volume de ofertas de varejistas na B3 em 2020 superou o acumulado da última década. Sobre as emissões de dívida de varejistas, foram 12 até junho – em 2020 atingiram 16, calculou o Valor com base em dados da Anbima, associação de entidades do mercado financeiro.
Medidas tomadas pela administração antes da crise ainda têm peso nessa conta. O Carrefour comprou o Makro em 2019, adicionado quase R$ 3 bilhões em vendas (5% da receita do Carrefour na época). O Magazine Luiza fechou acordos de cessão de pontos de redes locais no Nordeste e Nordeste antes da crise. E a Americanas tem comprado startups para o seu “marketplace” (shopping virtual) desde 2017. Isso tudo amplia escala e acelera a concentração.
Há também o peso do digital nesse processo, mas essa questão é um pouco mais complexa. É fato que a aceleração do marketplace ajuda o pequeno e médio lojista. Americanas e Submarino têm cerca de 90 mil vendedores, e o Magalu, 50 mil – em ambas o número dobrou em um ano. Mas a boa fase dos marketplaces pode estar fortalecendo também as grandes redes.
A rede Pão de Açúcar abriu loja no Mercado Livre, e o Big, dono do Sam’s Club, tem acordo com a Americanas desde 2020. Consultores lembram que nesse novo jogo de forças, é interessante aos regionais que as grandes plataformas sejam rentáveis. “As redes líderes têm que buscar essas parcerias para conseguir montar estruturas digitais viáveis por causa da logística cara e complexa no Brasil. Por isso, há essa parceria entre elas. Cabe ao pequeno negócio aprender a explorar esse novo ecossistema que está sendo criado”, diz Baialuna.
Fonte: Valor Econômico