Varejistas reduzem custos com infraestrutura tecnológica para otimizar uso da nuvem e reinvestir recursos em canais digitais de venda
Por Daniela Braun
A corrida para manter os negócios em pé no ambiente digital tem seu preço. Embora os investimentos em tecnologia tenham garantido a sobrevivência de muitas empresas, a crise não deu trégua. Sem faturar ou com prejuízos, clientes que adotaram sistemas de trabalho remoto e investiram em segurança, infraestrutura e aplicações na nuvem desde o início da pandemia, agora procuram seus fornecedores para renegociar pagamentos.
Após uma queda de 4,7% em 2020, os gastos das empresas brasileiras em software, infraestrutura e serviços devem alcançar US$ 27,4 bilhões em 2021, um avanço de 9,7% comparado ao ano passado, segundo a consultoria IDC Brasil. A projeção, no entanto, deve ser revisada diante da segunda onda da pandemia e o consequente adiamento das expectativas de melhora no cenário econômico.2 de 2
Do outro lado da mesa, desde o ano passado, fornecedores trabalham, com clientes para reajustar o consumo de nuvem, fixar projeções do dólar, reduzir mensalidades por tempo determinado e refinanciar dívidas.
Para clientes como a Leroy Merlin, a tática de renegociação trouxe redução de 30% nos custos com infraestrutura no início da pandemia, e de 12% diluídos de janeiro a dezembro de 2020. “Chamamos todos os fornecedores para a mesa”, lembra Orlando Tereza, gerente de infraestrutura da rede varejista de construção e decoração.
A empresa conta com 43 lojas físicas no país e orçamento de R$ 25 milhões por ano para tecnologia. “Reduzimos o consumo de nuvem em sistemas de lojas físicas, desligando máquinas à noite e aos finais de semana”, diz o executivo.
A redução de custos em infraestrutura foi reinvestida em novos canais de vendas em meados de 2020. “Tiramos do papel diversas iniciativas para fomentar as vendas on-line, como ‘drive thru’, retirada na loja e venda por WhatsApp, que implementamos em três meses”, afirma o gerente.
A Leroy Merlin é um dos exemplos de mais de 500 relatórios feitos pela AWS para reduzir o desperdício de uso da nuvem pelas empresas no último ano, com possibilidade de redução de 20% a 50% em despesas com seus serviços.
Entre os ajustes estão, por exemplo, diminuir o espaço ocupado por bancos de dados, desligamento de máquinas de testes nos fins de semana ou mudar a estrutura de computadores dedicados para máquinas virtuais, mais flexíveis.
“Ampliamos o grupo que faz estas análises de forma proativa e levamos o desenho pronto para o cliente tomar decisões rápidas na pandemia”, conta Cleber Morais, diretor-geral da AWS.
A readequação de consumo dos clientes na nuvem pública durante a pandemia foi uma estratégia adotada pela maioria dos fornecedores. Este ano, a IDC projeta um investimento de US$ 3 bilhões com infraestruturas e plataformas como serviços em nuvem pública no país. O volume, 46,5% superior ao de 2020, reflete as necessidades impostas pela pandemia.
Além de rever a forma como os clientes consomem serviços de nuvem, a IBM adotou medidas de proteção cambial aos clientes. “Atualizamos a cotação abaixo da taxa do mercado somente a cada seis meses”, informa Thiago Viola, líder de IBM Cloud no Brasil. “Os clientes precisam saber qual é o real valor da fatura no fim do mês”, diz o especialista.
Marco Bravo, líder do Google Cloud no Brasil, reforça a necessidade de redesenhar aplicações. “Se a empresa tem dez servidores próprios e simplesmente migra sua infraestrutura do mesmo jeito para a nuvem, pode ter um custo que avança até mais rápido”, alerta ele.
A varejista Magazine Luiza foi um dos clientes do Google que reviram o consumo de dados na nuvem, após uma migração feita em 90 dias, antes da pandemia. “Entre fevereiro e maio, o Magalu reduziu o consumo de nuvem em 35%”, diz o executivo. “Esse é o tamanho do impacto do uso da nuvem genuína.”
Assim como a IBM, o Google vem trabalhando com programas de proteção cambial para os clientes no país. A empresa informa ter feito uma projeção de dólar, abaixo da cotação média, com meses de antecedência.
A AWS adotou a cobrança em reais, no lugar do dólar, em novembro de 2020, mais como uma opção para facilitar o fluxo fiscal de clientes. A conversão é feita mensalmente. Para Morais, medidas como o dólar fixo são paliativas. “Nesse instante de sobrevivência, as empresas precisam pensar na sustentabilidade do negócio em médio e longo prazos”, diz ele. “E a nuvem permite que as empresas saiam mais fortes da crise.”
Créditos temporários em contratos e refinanciamentos têm sido táticas usadas entre fornecedores de equipamentos e serviços. Luciano Ramos, gerente de pesquisas da IDC Brasil, informa que clientes de serviços, por exemplo, têm feito aditivos de contratos de 12 meses com mensalidades reduzidas. “Foi uma maneira do fornecedor facilitar fluxo de caixa do cliente no momento, sem perder o contrato por um ano”, explica.
Além dos descontos temporários em mensalidades, por oito meses, pagos após o período com a mensalidade cheia, a fornecedora de serviços e equipamentos Hewllet-Packard Enterprise vem segurando o início do pagamento para clientes que ainda não colocaram as estruturas no ar e refinanciando contratos em casos mais complexos. “Conseguimos usar mecanismos financeiros para dar mais fôlego para o cliente trabalhar durante a crise”, diz Ricardo Emmerich, presidente da HPE Brasil.
Emmerich informa que a HPE conseguiu segurar a alta do dólar em equipamentos por manter um estoque local. “Na hora de trocar um componente como um disco de armazenamento, não aplicamos a variação do dólar nessa reposição”, explica. A produção local de servidores e dispositivos de armazenamento de dados da HPE é terceirizada pela Flex, no interior de São Paulo.
A flexibilização de contratos passa também pela área de segurança, cuja demanda tornou-se ainda mais crítica diante da migração para o “home office”. “A opção de pagamento mensal à renovação por ano cresceu 172% nos últimos 12 meses”, informa André Carneiro, gerente-geral da Sophos país.
A fornecedora britânica de sistemas de segurança também trabalha com o câmbio fixo para atrair novos clientes e manter os atuais. Segundo Carneiro, o avanço de 30% nas vendas da em um ano vem compensando a estratégia.
Na toada da resiliência, investimentos em inovação, incluindo projetos com inteligência artificial, terão de esperar. “Com o novo cenário, a previsão de aquecimento do setor no primeiro semestre, ficará para a segunda metade do ano”, prevê Ramos.
O presidente da HPE, que via projetos de inovação saindo da gaveta no fim de 2020, já nota cautela entre os clientes. O executivo afirma que os clientes estão mais cautelosos no momento. “O mercado reage mal diante da insegurança, como aconteceu com a alta do dólar”, avalia Emmerich. Segundo ele, muitas empresas adiaram decisões de investimentos por um ou dois meses para poderem ter uma expectativa melhor do cenário econômico do país.
Fonte: Valor Econômico