Depois de anos de experiência com uma empresa prestadora de serviços para o setor público, a empreendedora Hosana Maria Moura, 45, sentia vontade de se arriscar no varejo. No início de 2019, em uma feira de negócios, conheceu a rede de franquias de bolos Flamy e, ao longo do ano, enquanto “namorava” a marca, viajou a passeio para Lisboa, em Portugal. A viagem mudou completamente os planos de Moura.
Com parentes na região e encantados com as oportunidades que viram, a empreendedora e o marido voltaram decididos a se mudarem definitivamente para o país europeu e abrir uma unidade da Flamy por lá. A empresa anterior continuaria funcionando no Brasil, sendo operada por outras pessoas.
Moura fez a proposta para a marca brasileira, que ainda não tinha lojas internacionais. A empresa, então, enviou um consultor para analisar o mercado de Lisboa e decidiu que autorizaria e apoiaria a nova franqueada na abertura do negócio. O contrato foi assinado no final de 2019.
Fornecedor negociado, ponto em fase de cotação, mix de produtos ajustado, contratações em dia: estava quase tudo pronto para a inauguração da loja no bairro Laranjeiras, na capital portuguesa, em meados de fevereiro de 2020, mas Moura precisou adiar os planos, uma vez que o novo coronavírus começou a tomar conta da Europa. “Precisamos esperar até o começo de junho, quando pudemos arrendar o imóvel, e inauguramos em outubro.”
A loja de Moura funcionou normalmente, sob todos os protocolos de segurança, até há cerca de um mês, quando o país decretou um novo lockdown. Hoje, ela atende apenas via delivery, levando os pedidos a pé até a casa dos clientes ou via encomendas por aplicativos de marketplace. De acordo com a empreendedora, a loja está conseguindo faturar cerca de 75% do que era feito com as portas abertas. O contato com os consumidores e o trabalho de marketing digital elaborado pela marca têm ajudado, de acordo com ela.
Moura conta que a franqueadora ainda nem conseguiu conhecer pessoalmente a loja: tudo é apresentado aos representantes da empresa por meio de vídeos e fotos. “Eles nos dão suporte de lá, e tem funcionado bem. Agora é esperar para que as fronteiras sejam abertas de novo e eles possam vir.”
O último balanço da Associação Brasileira de Franchising (ABF), de 2019, apontava a presença de 163 marcas de franquias brasileiras com operação no exterior – um crescimento de 12% em relação ao ano anterior. Os Estados Unidos são o principal destino, com 67 redes, seguido por Portugal, com 44.
O especialista em franquias Daniel Bernard, da Netplan Consultoria, avalia que o período pode ser bom para quem procura por boas oportunidades de pontos em outros países, pois, assim como no Brasil, tudo passou a ser negociado de forma mais flexível. No entanto, a lista de variáveis que precisam ser observadas não pode ser ignorada.
“Certamente os cuidados são maiores por haver mais externalidades, ou seja, variáveis não controláveis, como taxa de câmbio, diferenças culturais e aspectos políticos. No caso da pandemia, a exigência sanitária de se passar um tempo em quarentena ao se deslocar a outros países por si só já requer muita coragem e ousadia”, analisa.
O especialista avalia que o avanço observado na prestação de suporte à distância para unidades brasileiras, com videoconferências, também ajudou redes a darem continuidade a planos de expansão internacional. Bernard ainda lembra que a desvalorização do Real favoreceu a exportação de produtos brasileiros. “Nessas horas, contar com equipes locais capacitadas e residentes em países estrangeiros faz a diferença.”
Esse foi o caso da Chilli Beans, que ampliou a presença na Colômbia em 2020, com uma franqueada local já experiente. Assim como Moura, franqueada da Flamy, a empreendedora colombiana Mónica Moreno, 46, também já vinha negociando com a marca brasileira de óculos e acessórios para abrir a primeira loja da rede na região, no shopping center El Tesoro, em Medelín. Ela já tinha cinco quiosques da marca no país e fechou contrato no final de 2019 para a inauguração do ponto fixo.
Moreno conta que, desde o início, a Chilli Beans se envolveu em cada um dos processos de expansão e manutenção do negócio. E que o resultado dos quiosques em 2019 a ajudou a manter a nova operação, mesmo fechada. Por meio da influência da empresa, ela conseguiu renegociar com o shopping para manter o projeto, mesmo sem ter conseguido abrir as portas no tempo previsto.
“A reativação econômica na Colômbia vem ocorrendo gradativamente de acordo com as medidas de biossegurança decretadas pelo governo nacional, que consistem em fechamentos totais nos finais de semana, restrições de horário e mobilidade na cidade. Ao contrário do setor de gastronomia e entretenimento, o setor comercial vem apresentando uma recuperação gradual que prevê uma melhora ainda maior no próximo ano”, comenta a empreendedora.
Moreno conta que o período a ajudou a ter melhor compreensão sobre alguns aspectos de gestão, como a revisão permanente dos gastos e a busca contínua de melhores alternativas, bem como aprender a viver na incerteza, sem perder o foco do negócio. “Independentemente do tempo, período e condição financeira, você sempre tem que economizar para enfrentar tempos difíceis”, diz.
A loja da Colômbia foi a única internacional aberta pela Chilli Beans em 2020, mas para este ano, a rede projeta unidades em regiões como Dubai, Austrália, Alemanha, Áustria, Luxemburgo e Suíça. Atualmente, a rede já opera em nove países, incluindo o Brasil.
Bernard vê oportunidades para marcas que trabalhem dentro do conceito chamado de “antifrágil – que se mantém ou até mesmo cresce na crise. “É o caso de alimentos vendidos em formato To Go (para viagem), minimercados em condomínios, vending machines, atendimento médico, peças para tratores, delivery de orgânicos e agrobusiness, que seguem como mercados promissores”, explica.
No entanto, ele alerta, com demanda reduzida, a concorrência fica ainda mais apertada, e as margens podem ser menores. “Estes setores mais atingidos precisam buscar a sobrevivência via redução de custos, além de focar no acesso a capital de giro com taxas baixas de juros”, afirma.
Foi essa visão de oportunidade que motivou a Mineiro Delivery a dar um passo parecido com a Flamy e abrir seu primeiro ponto internacional na pandemia. A loja deve ser inaugurada em até dois meses em Orlando, nos Estados Unidos. Assim como na marca de bolos, a proposta também partiu de um franqueado.
O empreendedor Ruan Mendes Batista, 28, conta que foi visitar um amigo em Orlando no ano passado. A viagem ocorreu antes de o governo norte-americano impedir o acesso de passageiros que passaram pelo Brasil. Mesmo assim, ele conseguiu perceber a grande quantidade de brasileiros que vivem na cidade dos parques de diversões – e suas necessidades.
“”Fiquei 15 dias por lá e senti falta de uma comida brasileira no delivery, que era o único canal possível”, diz. Com isso, Batista percebeu que poderia abrir um serviço de entregas na região, em sociedade com o amigo que mora lá, Ronaldo Rosan, 27.
Batista trabalha com engenharia em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e Rosan é formado em administração. Ele conhecia a marca Mineiro Delivery como consumidor, e propôs levar o negócio para Orlando. “Eles toparam. Escolhemos o ponto e agora vamos dar andamento. A inauguração já era para ter ocorrido, mas atrasou por causa da pandemia.”
Assim como o restante do mundo, os empreendedores não sabem como será o dia de amanhã. Todo planejamento tem sido feito à distância com as franqueadoras, um dia de cada vez. No entanto, as empreendedoras Moreno e Moura já têm planos para um futuro sem coronavírus: a franqueada da Flamy já está de olho em um espaço vago em um shopping center da região, para abrir um quiosque da mesma marca, e a franqueada colombiana já tem planos de inaugurar mais lojas da Chilli Beans no país com a reativação econômica, prevista para 2022.
Fonte: PEGN