Por que, cada vez mais, gigantes da moda estão olhando – e comprando – marcas nativas digitais e como elas são fundamentais nesse novo mundo de posts, stories e cliques. Conheça as grifes que estão despontando nesse cenário
Na moda, o contato entre quem produz e o cliente pode ser próximo, mas o mundo das redes sociais conseguiu multiplicar isso na velocidade de posts, stories, curtidas e directs, principalmente quando as marcas são nativas digitais. “Levei um susto quando vi a LOUIE no Instagram do Victor Collor. Ele conheceu a marca e simplesmente fez um post. Acabamos ficando amigos”, conta Lívia Ribeiro, 36 anos, fundadora da marca de calçados LOUIE, um hype nas redes sociais, sobre o contato com o influenciador digital.
O mesmo aconteceu com os atores globais Chay Suede e Juliano Cazarré. E com clientes não tão famosos, mas igualmente fãs da marca, como um empresário que comprou nada menos que 56 pares ao longo dos 10 anos de existência da LOUIE, com o qual Lívia faz questão de conversar pessoalmente.
Ela sabe bem que, além da qualidade do produto, um dos principais valores de sua marca está na interação direta com o consumidor. “O nosso engajamento é muito bom. A LOUIE é uma grife de sapatos 100% online”, conta com seu sotaque carregado de quem cresceu em Franca, uma das principais produtoras de calçados do Brasil, situada no interior do São Paulo.
“Sempre quis mostrar quem participa da produção, quem faz, quem embala os sapatos. Respondo todos os comentários de Instagram pessoalmente. Às vezes até consulto quando vou lançar um produto”, diz Lívia, que fundou a marca em 2012.
Essa relação próxima com o consumidor faz brilhar os olhos dos grandes grupos de moda. Mas não só isso. Outros fatores são levados em consideração nessa que é uma grande tendência do varejo: a incorporação de marcas nativas digitais por conglomerados do mundo fashion.
Um desses fatores é a possibilidade de embarcar em uma atmosfera de modernidade e jovialidade. Com mais de 1,1 milhão de seguidores no Instagram, a baw é um exemplo disso. Fundada em 2017, ela é focada no público teen, cria uma moda streetwear, com estampas pop que vão de frutas a personagens como Bob Esponja.
A atmosfera cool, retratada diariamente no insta da marca, é reforçada em eventos presenciais. Recentemente, a grife fez uma parceria com a Melissa em um tênis de borracha. No lançamento, montou um estúdio fotográfico na frente da loja-conceito da Melissa, em São Paulo, para clicar a coleção e, claro, transmitir tudo ao vivo pelo Instagram.
O domínio da comunicação via redes sociais, das vendas online, da linguagem digital, dos diferentes pontos de contato com os clientes e dos relacionamentos com influenciadores são também ímãs que atraem os grandes grupos para a aquisição das marcas nativas digitais. Pensando por esse viés, com a presença de Lalá Rudge, Maria Vitória Bussade Braz, Ana Volpe e outras influencers, o feed da marca Carol Bassi, fundada em 2014, é uma festa.
Comprar uma marca assim representa para os grandes grupos uma espécie de frescor para se manter relevante no varejo do século XXI. E, para as marcas digitais, significa um aliado de peso, que conhece o negócio e sabe administrar toda a cadeia de distribuição com a palma da mão.
Um dos casos mais emblemáticos dessa união de forças aconteceu em outubro do ano passado. Foi quando o Grupo Soma, avaliado em R$ 6,9 bilhões na bolsa, dono de grifes como Farm, Animale, A.Brand e Cris Barros, anunciou a compra por R$ 210 milhões da marca NV, criada em 2010 pela influenciadora digital Nati Vozza, com 1,1 milhão de seguidores no Instagram.
Longe de ser uma novidade absoluta, o movimento teve um marco global com a compra da Bonobos pela Walmart em 2017, por US$300 milhões. Uma startup de moda masculina, ela entrou na mira do gigante varejista para bater de frente com a Amazon. Também fizeram parte dessa estratégia a compra da Mod Cloth, de moda feminina, e da Shoebuy, de calçados.
Aline Penna, diretora de RI e Estratégia do grupo Arezzo&Co, com valor de mercado de R$ 7,5 bilhões, é responsável pelo ZZ Ventures, o fundo de corporate venture do grupo, criado para investir em startups, e conversou com NeoFeed sobre esse movimento do mercado.
“Trazer uma marca insurgente vai além de crescimento, velocidade e modelo de negócio”, afirma a executiva. E prossegue. “Ela nos traz pessoas motivadas e talentosas, que podem contribuir para a companhia como um todo. Não queremos CNPJs, e sim CPFs. Além disso, essas marcas já superaram um teste inicial no mercado, reduzindo a chance de erros. Então, começamos uma operação com nome, produto, posicionamento e preços já validados. É meio caminho andado rumo à escalabilidade”, explica.
A capacidade que as marcas nativas digitais têm de captar tendências e destrinchar dados de sua audiência – o tal do agile thinking que está na boca de dez entre dez empresários digitais – é outro fator importante. A grife de loungewear (aquelas roupas de ficar em casa, que nunca usamos tanto na vida como em tempos pandêmicos) Insider Store é um exemplo.
Fundada em 2017 por Carolina Novais e Yuri Gricheno, ela nasceu para resolver uma questão pessoal: o odor e as manchas de suor nas roupas. Mal começou a pandemia, já correu para produzir peças de roupa com ação antiviral e fala a linguagem das novas gerações: a da tecnologia.
Com tanta diversidade “disponível” no mercado, a oportunidade de completar o portfólio, permitindo que os grupos atuem em outros nichos de mercado, também entram na conta. “O ZZ Ventures está focado em encontrar marcas complementares às nossas. E temos nossa base de mais de 10 milhões de clientes para alavancá-las. Até 2019, estávamos focados na sapateira das mulheres, mas, a partir de 2020, com Vans, Reserva, Troc, nossa ideia passou a ser ocupar um espaço cada vez maior no closet da família”, diz Penna.
Mas essa união de forças, para ser bem sucedida, deve respeitar a natureza e a expertise dos dois lados. Gestão e distribuição por parte dos grandes. Conexão com o consumidor e estilo próprio, dos pequenos. No mundo off-line não são poucos os casos de incorporações que desrespeitaram a essência da pequena marca.
As vendas de grifes como Fause Haten para o grupo I’M desandaram. Amir Slama deixou a Rosa Chá depois que foi vendida para o Grupo Marisol. Isso porque os fundadores dessas marcas pequenas têm também uma relação afetiva com elas e não admitem ver suas criações sendo “deturpadas”. Desapegar pode ser difícil.
“Já tive propostas e falei não. Eu não aceitaria perder a identidade da marca. É minha essência. Também tenho medo de ter que mostrar números acima de tudo. Mas, não vou negar, talvez esteja chegando o meu momento. Mediante algumas condições estou mais aberta a ouvir grandes grupos”, diz Lívia Ribeiro, da LOUIE.
Fonte: Neofeed