O brasileiro, que passa mais tempo em casa e que quando sai dela, guarda distância do outro, é alvo de estudos de psicanalistas e de agências de publicidade
Não poder abraçar e tocar, como é hábito do brasileiro, pode gerar um “efeito cabana”, quando a pandemia acabar. É o caso das pessoas que se abrigam durante o inverno em pequenas cabanas e no verão têm medo de sair delas. Esse brasileiro, que passa mais tempo em casa e que quando sai dela, guarda distância do outro, é alvo de estudos de psicanalistas e de agências de publicidade.
A opinião sobre o “efeito cabana” é do psicanalista Christian Dunker, um dos organizadores de uma pesquisa sobre o que sonham os brasileiros, realizada no ano passado e que sairá no livro “Sonhos confinados” (Editora Autêntica), em março.
A pesquisa, coordenada por psicanalistas e psicólogos de cinco das maiores universidades do país (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS e UFMG), mostra que “casa” e “mãe” foram as imagens que mais apareceram nos sonhos de 838 pessoas, entre abril e junho do ano passado. A frequência e a repetição das palavras “casa” e “ mãe” surpreendeu o professor Gilson Ianinni da UFMG. Ele esperava que, durante a pandemia, termos como doença, morte, medo fossem ocupar mais espaço na cabeça do brasileiro.
Mas não surpreenderam publicitários ouvidos pelo Valor. Para Eduardo Simon, CEO da DPZ&T, “casa é o sonho dos brasileiros desde a primeira pesquisa que fiz há 20 anos, isso só se acentuou agora”. Rita Almeida, chefe de estratégia e planejamento da Almap/BBDO, diz que com o maior isolamento, “a casa virou um templo onde as pessoas passaram a conviver, trabalhar, se divertir”. E mãe no Brasil, diz, “é algo muito forte”.
No fase inicial, o distanciamento físico foi tema da campanha da Natura, feita pela DPZ&T. O casal de atores Tata Werneck e Rafa Vitti brincou com o tema da separação, no ritmo dos versos “avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim sem você”, da música popularizada por Adriana Calcanhoto, “Fico assim sem você”.
O estudo dos psicanalistas coincide em muitos pontos com sondagens feitas por agências de publicidade, durante a pandemia sobre as mudanças de comportamento dos consumidores.
Pedro de Santi, psicanalista e professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz que “psicanálise e publicidade são atentas à mente humana, a primeira vai na direção da interioridade, com o encaminhamento de desejos singulares de cada um. A publicidade tenta captar os anseios por prazer, vaidade e segurança com finalidades comerciais”.
Tanto na interpretação dos analistas como dos publicitários, “casa” e “mãe” remetem a busca por segurança e conforto. Para as empresas, isso se traduz em maior importância para produtos de consumo familiar e para a casa.
O mercado é muito ágil, diz Sanctis, os preços de casas de alto padrão e condomínios de luxo dispararam. “As classes C e D, que não podem mudar de casa, trocam a TV por uma melhor, aumentam a banda da internet, consomem mais proteína”, diz Simon. Sua agência vem acompanhando o pulso do consumidor desde o início da pandemia e observa várias mudanças de comportamento. “O trauma do afastamento as pessoas compensam consumindo”.
Nos primeiros meses, até junho, as pessoas se mostravam moderamente pessimistas e privilegiaram produtos com boa relação custo-benefício. Na segunda sondagem, em agosto, a tendência foi para um consumo mais hedônico, em direção ao pensamento “só se vive uma vez”.
Em setembro, o sentimento dominante era “o pior já passou”. Na onda seguinte, em outubro, ainda com alto grau de incerteza em relação ao futuro, o consumidor manteve certa racionalidade nas compras, com uma queda para a auto-indulgência.
A mais recente pesquisa, divulgada ao Valor em primeira mão, observa que há piora na confiança e a racionalidade na hora de consumir está mais forte. O aspecto sanitário da pandemia dá lugar às preocupações do que está por vir. O pensamento mais notado é “ainda não está na hora de soltar os cintos”. A preocupação com a vacina, que demora a chegar, está mudando o humor – o consumidor está mais cuidadoso.
Outra novidade observada por Simon é a relação dos brasileiros com os automóveis. As assinaturas de séries e filmes nas TVs que dispararam durante a pandemia, agora transbordaram para outros campos. O brasileiro agora pode fazer assinatura de carros. “A Renault e a Volks saíram na frente”, diz o chefe da DPZ&T, referindo-se ao novo negócio das montadoras, em um mercado típico das locadoras de veículos.
Rita Almeida, da Almap, observa o crescimento da preferência por outros meios de mobilidade: 42% dos usuários de transporte público disseram que preferem andar para o trabalho depois da pandemia e 37% responderam que vão adotar a bicicleta, segundo pesquisa mundial da Global Web Index.
Nos Estados Unidos, pesquisa da Valuegraphics.com, com 1.850 americanos, mostra quais hábitos eles pretendem manter depois da pandemia: 25% responderam, mais tempo com a família, e 21%, mais comunicação com a família. São as duas prioridades.
Diante das fortes mudanças, alguns tipos de propaganda foram deixados de lado. Anúncio que interrompe uma programação para vender alguma coisa, por exemplo, não tem mais apelo. Os filmes de superprodução hollywoodiana também perdem espaço, na opinião de Del Manto, da Media Monks. “A publicidade tem que ser mais informal, mais familiar, precisa retratar mais a vida real e entrar nas conversas das pessoas”, resume. Não pode ser mais uma propaganda de cima para baixo, do tipo “a marca apresenta e o consumidor compra e acabou”.
Rita Almeida dá um exemplo. O sabão Omo, fabricado pela Unilever, adotava a mensagem o sabão que “lava mais branco”, depois veio “o sabão em pó que deixa as crianças brincarem e se sujarem”. Mas hoje, diz ela, “a marca entraria numa conversa sobre higiene, por exemplo, e mostraria sua relevância dentro de um contexto”.
Del Manto, recorre a outro exemplo. Caso de sucesso dos anos 90 foi a transformação da marca Havaianas de algo caseiro em calçado fashion. Recentemente a cantora sertaneja Marília Mendonça, calçou a sandália de borracha numa transmissão ao vivo, em sua casa, em rede virtual. Teve mais de 3,3 milhões de visualizações.
Fonte: Valor Econômico (globo.com)