Quase metade dos brasileiros acredita que irá perder renda neste ano e apenas um a cada cinco crê num aumento, segundo pesquisa concluída em novembro pela consultoria Boston Consulting Group (BCG). Esse cenário leva a um represamento da demanda, que deve ser liberada de forma gradual, após o avanço na vacinação contra a covid-19.
Na visão de especialistas em varejo, esse retorno do consumo deve aumentar o “revenge spending”, ou gasto por vingança, expressão que tem sido usada para batizar esse movimento. O conceito vem da década de 80 e do comportamentos dos chineses após a revolução cultural. A retomada da demanda da China no ano passado, após a fase mais crítica da pandemia, resgatou a expressão.
“Todas as classes projetam algum nível de queda no rendimento em 2021, mas o que vemos de diferente agora é que o comportamento do consumidor anda mudando muito mais rapidamente”, diz Daniel Azevedo, sócio e diretor executivo do BCG. “A pesquisa mostra que de maio para novembro, aumentou a intenção de poupar mais, reflexo do fim do ‘coronavoucher’, e apareceu pela primeira vez, desde o início da pandemia, a intenção de gasto maior em entretenimento fora de casa e em viagens, o ‘revenge spending’, no prazo de 6 a 12 meses”.
Quando a pesquisa foi feita o humor do consumidor começava a mudar. Já havia discussão em torno de uma nova onda de contágio no país e o consumidor sentia o efeito do corte no auxílio emergencial – de R$ 600 para R$ 300. Esse movimento atingiu em cheio não só as classes de menor renda, estas afetadas de forma mais intensa, diz o BCG, como a classe média, com negócios que ainda se recuperavam da recessão de 2015.
Nesse grupo estão microempresários, autônomos e profissionais liberais. O rendimento familiar mensal supera R$ 10 mil por mês (classe B), segundo critérios do IBGE. Desse grupo, 40% disseram na pesquisa que sua renda vai cair em 2021. O índice equivale a oito milhões de pessoas da classe B, que soma 20 milhões no país, segundo dados cruzados do IBGE com a FGV, calculou o Valor.
Na classe C, com menor orçamento e peso considerável do trabalho informal nos ganhos, fatia de 51% crê num encolhimento na renda neste ano.
O consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, diz que a atual percepção mais negativa da população, como mostra a pesquisa, é um retrato de como o consumidor se sentia em novembro. “Se a vacinação avançar e o governo manter algum valor do auxílio, haverá uma mudança rápida de humor”. O consultor ainda lembra que é preciso levar em conta as bases de comparação entre os anos.
Há um dado pouco abordado em pesquisas, tratado pelo BCG, relativo a venda pelos canais de interação direta com clientes (como WhatsApp e pelos ‘chats’), algo que disparou na pandemia. Consumidores ouvidos pretendem usar mais esses canais em compras de eletrônicos e roupas no primeiro semestre, mas os aplicativos ainda ganham a preferência. Para Fernando Lunardini, sócio e diretor executivo do BCG, essa “bolha” criada com o atendimento em diversas frentes na pandemia, como pelo WhatsApp, deve diminuir.
“Não é possível manter essa intensidade de venda nesses canais, com a necessidade de voltar a equipe para atendimento em loja, que sofreu muito em 2020. Além disso, a interação por mensagem não é uma venda barata como se imagina, há disparos de avisos frequentes. Criamos mais canais e nem sempre se conseguiu entregar o serviço prometido. É hora de pensar em quais áreas faz sentido manter esse atendimento e em quais se faz apenas porque todo mundo está fazendo”, disse.