O crescimento do PIB do Brasil no terceiro trimestre de 2020 de 7,7% está longe representar algum alento para o varejo físico, incluindo bares, restaurantes, academias e outros serviços, especialmente com relação aos pequenos e médios lojistas. As vendas continuam abaixo dos patamares anteriores a pandemia e alguns segmentos têm experimentado um cenário ainda mais desvantajoso.
Em que pese os esforços das empresas na redução dos custos fixos, o fato é que parece que o setor está vivendo uma tempestade perfeita, que envolve a diminuição do faturamento das lojas, escassez de produtos, além da retirada dos descontos concedidos pelos locadores dos pontos comerciais, especialmente os de espaços em shopping centers. Ainda com relação ao custo de ocupação, oriundo dos contratos de locação dos estabelecimentos, os comerciantes estão sofrendo com a disparada dos índices contratuais de reajuste dos aluguéis IGP-M e IGP-DI, ambos conferidos pela Fundação Getúlio Vargas. Hoje no acumulado dos últimos 12 meses os referidos indexadores estão beirando 25% de aumento. Isto é, os locativos dos lojistas, quando da incidência do reajuste, serão majorados nesta base, o que é totalmente fora da realidade do ponto de vista de valor de mercado e inviável economicamente. A título de comparação, o IPCA/IBGE, indexador que mede a inflação oficial do nosso país, atingiu o percentual positivo de 4,31% nos últimos 12 meses.
Vale lembrar que as companhias estavam em uma fase de recuperação e, desde março de 2020, estão sendo impactadas pelas quarentenas e perdendo mercado para o e-commerce. Ademais, uma boa parte das empresas já usou o capital angariado em empréstimos bancários e agora enfrenta problemas de fluxo de caixa. Fechando o tabuleiro, as projeções de vendas a contar de janeiro de 2021 são péssimas, em vista do encerramento do programa de ajuda emergencial e alta taxa de desemprego.
Nessa esteira, atualmente observamos, mesmo em grandes corredores comerciais da cidade de São Paulo, por exemplo, um enorme número de imóveis desocupados. Segundo a CNC – Confederação Nacional do Comércio, de abril a junho de 2020, encerraram as operações cerca de 135 mil lojas, com previsão de fechamento de cerca de 88,7 mil estabelecimentos em 2020.
Cumpre ressaltar que fechar as portas não significa resolver todos os problemas, ou seja, a partir de então o comerciante precisará administrar os passivos consequentes. Ademais, desocupar o ponto comercial pode significar nunca mais a marca voltar ao local, o que é sempre prejudicial. Outra realidade imposta pelas circunstâncias, especialmente nos casos de operações instaladas em shopping centers, é o aumento no número de ajuizamentos da ação renovatória de contrato de locação, uma vez que os locadores se recusam a reduzir os aluguéis nas negociações.
Com efeito, o Código Civil Brasileiro traz artigos que cuidam da possibilidade de revisão judicial e da rescisão dos pactos sem ônus, quando ocorre um fato imprevisível e extraordinário que desequilibre a relação, gerando onerosidade excessiva para um lado e vantagem extrema para outro, bem como na hipótese em que “sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”.
Neste contexto, partindo-se do entendimento de que o surgimento da Covid-19 e suas consequências configuram fatos imprevisíveis e extraordinários, as eventuais partes prejudicadas pelos eventos que não conseguirem chegar em um acordo com seus locadores poderão demandar junto ao Poder Judiciário os direitos que julgarem devidos, desde que demonstrem estar presentes os requisitos acima mencionados.
O legislador também foi instado a contribuir no tema, sendo promulgadas leis direcionadas a proteger as companhias. Neste aspecto, destaca-se a Lei 14.010/20, conhecida como a Lei da Pandemia, a qual positivou a aplicação da Teoria da Imprevisão no cenário da Covid-19, conforme seus artigos 6º e 7º.
Por fim, como a pandemia do novo Coronavírus refletiu na inflação apurada pelo o IGP-M e o IGP-DI, defendo que os inquilinos também estão autorizados a utilizar a ação de revisão de contrato para evitar as aplicações destes indexadores.
Por Daniel Cerveira – sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor jurídico do Sindilojas-SP, autor do livro Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar e professor dos cursos MBA em Varejo e Gestão de Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração e da Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ
Fonte: Estadão