A grande economia oriental tem se tornado o foco da expansão internacional brasileira. Saiba como entrar no país e o que é preciso para se destacar Superlativa em todos os sentidos, assim é a China. Com 1,4 bilhão de habitantes – quatro vezes mais que os Estados Unidos e duas vezes mais que a Europa – e 56 grupos éticos, o país é o único que tem registrado crescimento duas vezes acima da média mundial nas últimas décadas (no ano passado, seu PIB subiu 6,1%), e também será a única grande economia a crescer em 2020 (algo entre 1% e 5%), mesmo com a pandemia do novo coronavírus, que, inclusive, teve origem lá. O mercado varejista chinês, com US$ 5,69 trilhões em vendas em 2019, é o segundo maior do planeta, atrás apenas do norte-americano. Os números do e-commerce também impressionam: no ano passado, movimentou US$ 1,93 trilhão, atingindo 900 milhões de clientes. Lá, quase um terço da população pertence à classe média, ávida por consumir marcas internacionais. Diante desse cenário, as franquias têm começado a olhar com mais atenção para a potência oriental. O tema, inclusive, foi bastante discutido no seminário digital China Pós-covid-19: o papel da inovação e ecossistemas, realizado pela consultoria BRT-Varese nos dias 21 e 22 de agosto. No evento, o presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) André Friedheim comentou que a entidade incentiva constantemente a internacionalização das redes nacionais e já há algum tempo vem focando na China. “O mercado chinês de franchising é o segundo maior do mundo. De acordo com o World Franchise Council (WFC), em 2019 contava com 4.368 franqueadores e mais de 400 mil pontos de vendas. É um mercado muito aberto a produtos internacionais, e as marcas brasileiras estão começando a ganhar algum tipo de atratividade por lá”, disse. Apesar disso, atualmente, somente três franquias nascidas aqui têm operações no país: Ronaldo Academy, Vip Dental Clinic e Oakberry Açaí Bowls. “Cerca de 200 marcas nacionais, mais ou menos, fazem a expansão internacional. A questão é que ainda existe uma dificuldade grande de exportação, pois as redes preferem ocupar o mercado local antes de sair para o internacional”, acrescenta. O presidente do Grupo Boticário Arthur Grynbaum, que também participou do seminário virtual da BTR-Varese, concorda com essa visão. “O Brasil é muito grande, tem mais de 200 milhões de consumidores. Isso é uma atratividade, e faz com que as empresas fiquem mais preocupadas em ocupar o mercado local e fazer a sua expansão aqui do que olhar para fora, até porque, quando você faz esse caminho, é uma página totalmente nova, você vai partir do zero. As experiências que têm aqui vão ajudar a entender como errar menos lá, mas ainda assim vai haver erro, porque se está entrando em um mercado diferente e onde as pessoas não te conhecem.” Outros pontos que dificultam a internacionalização das redes nacionais, segundo o executivo, são os trâmites relacionados aos registros de marcas e produtos de cada país, os custos da exportação e o tempo que se leva para ter retorno – pode passar de 20 anos. Além disso, ele cita a questão de o Brasil ser muito conhecido por exportar frango, soja e minério, mas não ter a tradição de exportar marcas e produtos que tenham reconhecimento de valor agregado. Cross-border O evento China Pós-covid-19: o papel da inovação e ecossistemas mostrou que uma das possíveis formas de internacionalizar as redes brasileiras é através do cross-border, modalidade de venda de produtos estrangeiros pelo e-commerce. No mercado chinês, ele é uma parte particularmente importante do varejo. Para se ter uma ideia, 40% de suas vendas on-line são de itens internacionais. Somente o Tmall Global, o portal do Alibaba para esse tipo de transação, tem 280 milhões de clientes ativos. “Essa é uma agenda vista no Brasil como ameaça, mas que também representa uma enorme oportunidade para exportar, com vantagens fiscais e tributárias. E temos poucas marcas brasileiras aproveitando”, analisa o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e sócio da BTR-Varese Eduardo Terra. “Por meio dos marketplaces, a China se torna acessível rapidamente e a uma fração do custo e esforço que seria necessário com uma operação própria. Isso é algo que deve ser analisado muito de perto”, complementa o também sócio da consultoria Alberto Serrentino. Na visão do presidente da ABF, o cross-border é uma boa alternativa para as varejistas brasileiras que querem testar a aderência de seus produtos no mercado internacional, sobretudo no chinês. “Essa talvez seja uma primeira estratégia, a porta de entrada, para depois, num segundo momento, se estabelecerem através de operações físicas.” Para a conselheira da ABF e da Calçados Bibi, Cristina Franco, as vendas on-line no exterior trazem vários benefícios para os negócios nacionais. “É um caminho não só para a China, mas para a Índia e os países mais próximos, e que elimina uma série de burocracias. Temos de olhar com cuidado para as plataformas chinesas, como Tmall Global, JD e Pindoudou, pois essa é uma maneira de termos pequenas vitórias e começarmos a conquistar esse mercado”, analisa. Apesar disso, Grynbaum faz um alerta: “o cross- border é uma oportunidade para fazer a exportação de uma maneira muito mais simplificada, mas isso não quer dizer que não vai requerer investimento, paciência. É preciso conhecer muito o consumidor local e fazer investimentos maciços em comunicação, em diferentes formas. Ele ajuda um pedaço, mas não vai resolver a equação inteira”. Franquias brasileiras estão presentes em 107 países Em 2019, 163 franquias brasileiras registraram presença em 107 países – no ano anterior, eram 145 em 114 países. O segmento mais representativo foi o de Moda, com 35 marcas, seguido por Saúde, Beleza e Bem-estar, com 32, e Alimentação, com 25. Os dados são da ABF. O principal destino das empresas brasileiras no ano passado continuou sendo os Estados Unidos, com 67 redes operando no local (em 2018, eram 59). Em segundo lugar, apareceu Portugal, com 44. Depois vieram Paraguai (36), Bolívia (25) e Argentina (17). Dicas para vender no e-commerce chinês Apesar da queda de 6% nas vendas entre janeiro e fevereiro deste ano, por conta da pandemia do novo coronavírus, o e-commerce chinês segue resiliente. Uma de suas forças está justamente nos produtos estrangeiros, já que os chineses são fascinados por marcas de fora, que para eles representam status e segurança. “O consumidor busca ativamente novidades e já tem a cultura digital, o que elimina as tradicionais barreiras ao consumo”, afirma a especialista em cross-border para a China e ex-head do Tmall Global para a América Latina Victoria Stive, que também foi uma das palestrantes do seminário digital sobre o país promovido pela BTR-Varese. Segundo ela, quem deseja testar o e-commerce do país precisa estar presente em vários canais de comunicação, como WeChat, Weibo e Douyin (Tik Tok), e em plataformas emergentes, como o RedBook. “É ótimo para marcas estrangeiras e muito interessante para aumentar o nível de awareness (consciência). Mesmo que ainda não estejam na China, comecem a ter presença no RedBook”. Outra dica é investir em live streaming. “O Tmall Global está fazendo bastante, tendo uma taxa de conversão de 11%. O Taobao gera 150 horas de conteúdo ao vivo todos os dias”, disse, citando outras plataformas disponíveis, como Kan Jian, que faz parte do WeChat, Tik Tok, Kuaishou e Bilibili. “Ao selecionar uma, pensem no público que querem atingir. E, apenas para enfatizar como essa tendência é grande, o Tmall está criando sua própria escola de KOL (key opinion leader ou formador de opinião), para ensiná- los a serem profissionais e fortalecerem a plataforma”. Victoria também recomenda que os interessados, antes de abrirem pontos físicos na China, optem por entrar no mercado pelo on-line e prefiram investir mais em plataformas do que em lojas “.ch”. “Os chineses não confiam nesses sites, não entram neles. É muito diferente do ocidente. Na China, o comportamento do consumidor é muito mais voltado para plataformas, e quando as visitam, não vão para ganhar tempo, mas para gastar tempo”, explicou. Pelo e-commerce cross-border entre as opções estão as plataformas WeChat, JD e Tmall Global. “A escolha da plataforma depende da estratégia, objetivos e orçamento”. 1 – Crie consciência sobre sua marca on-line: diversifique os canais de comunicação e certifique-se de definir e mirar seu público 2 – Invista no live streaming: as transmissões ao vivo estão em alta e são uma ótima forma para as marcas divulgarem seus conteúdos 3 – Abra a distribuição no e-commerce: esqueça abrir uma loja “.ch” e prefira investir em plataformas, como WeChat, JD e Tmall Global Mercado difícil, mas cheio de ensinamentos “Há cinco anos pensávamos muito em internacionalização e, desde o começo, a China foi o nosso principal foco de estudo, não só pelos indicadores expressivos, mas pelo ambiente fantástico de constante evolução que o país vive. Para nos prepararmos para essa expansão, marcamos presença em eventos e feiras, conversamos com dezenas de autoridades e empresas, viajamos diversas vezes para lá e fizemos muitos estudos de mercado. Inauguramos a primeira unidade em abril de 2020, quando as restrições dos órgãos sanitários de combate a pandemia liberaram o segmento de clínicas a abrir as portas. Estava tudo pronto para abrirmos no começo de fevereiro, após o ano novo chinês, mas, por conta da pandemia, tivemos de aguardar um pouco. Agora negociamos a abertura de mais duas, com inauguração programada para o primeiro semestre de 2021. Nesse início seguiremos com participação majoritária e controle das operações, abrindo as outras cotas para investimento dos nossos franqueados no Brasil, investidores internacionais e locais. Atuar no mercado chinês é um desafio único e que rende todos os dias muito aprendizado. Os resultados, mesmo no meio de uma crise mundial, superaram nossas expectativas e já percebemos mês a mês, conforme o mundo todo vai se aproximando de sua normalidade, os números se ampliando. Claro que abrir uma clínica internacional na China é difícil, cansei de ouvir a palavra “impossível” de muitos especialistas durante esses cinco anos, mas fomos muito persistentes para chegar até aqui. Hoje, vejo que o Brasil tem muito para aprender com esse país. A tecnologia e as relações de consumo formam experiências únicas para o cliente e para a empresa, seja na venda de produtos ou serviços, portanto, e vivenciar esse mercado com certeza traz muitas inspirações para qualquer empreendedor.” Rodolfo Magalhães, diretor-executivo da Coife Odonto (Vip Dental Clinic no mercado internacional)
Fonte: Editora Lamonica