Poucos segmentos da economia reagem tão rapidamente às transformações impostas pelo tempo quanto o comércio. Afinal, essa é natureza de um negócio que existe antes mesmo da invenção do dinheiro. No entanto, acompanhar os desafios que o mercado impõe aos empresários nos tempos de hoje tem sido uma tarefa complexa, uma vez que nunca houve tantas mudanças quanto as provocadas pela revolução tecnológica, iniciada no fim do século passado e que segue firme e forte nesta segunda metade do século XXI.
Expressões como geração Y, consumidor 2.0, inteligência artificial e business intelligence estão por todos lados, mas são poucos os que realmente conseguem operar a transição de um modelo tradicional para o digital ou mesmo entender minimamente o próprio cliente, que agora exige, além do bem de consumo, momentos memoráveis em todas as etapas da compra – o que inclui preço e sugestão de produtos, ofertas customizadas, facilidade nas opções de pagamento e comodidade e agilidade na entrega.
No Brasil, além das dificuldades naturais do varejista de se adequar ao novo cenário, existem fatores específicos que impedem a aceleração dessa adaptação às novas exigências do mercado. Em uma conjuntura macroeconômica sistematicamente em baixa, com ambiente de negócios ruim e um perfil empresarial pouco afeito a métodos profissionais de tomada de decisão, se adaptar a um ambiente cada vez mais conectado não tem sido fácil. É o que revela a pesquisa Desafios do Varejo, conduzida em conjunto pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
O estudo, que foi realizado com varejistas e prestadores de serviços de todos os estados da federação, mostra o tamanho do desafio do setor para se adaptar aos novos tempos e registra a compreensão, por parte dos empresários, da necessidade de acompanhar os novos hábitos e demandas dos clientes adquiridos com a expansão digital. Aponta, por exemplo, que nove entre dez gestores consultados acreditam que o uso da tecnologia traz benefícios concretos para as empresas (94%), sobretudo capacidade de aumentar as vendas (60%), melhorar a imagem da empresa agregando aspectos de modernidade (45%) e reduzir custos operacionais no atendimento e suporte a clientes (31%).
Para 89% dos entrevistados, a implantação de tecnologias traz desafios no dia a dia, sendo os mais mencionados os custos (59%), encontrar funcionários capacitados (53%), tempo para aprender e utilizar novas ferramentas (38%) e tempo para avaliar o custo-benefício e o uso que faria da ferramenta (37%).
O varejista se sente inovador
Outra análise feita pela pesquisa foi como o varejista vê o processo de inovação de sua empresa. De modo geral, seis em cada dez entrevistados consideram suas empresas inovadoras ou muito inovadoras (60%). Por outro lado, 39% pensam ser pouco ou nada inovadoras.
De fato, a grande maioria parece estar atenta ao que acontece de mais importante em seu nicho de atuação. Assim, praticamente nove em cada dez garantem acompanhar as novidades do mercado, as inovações, os novos produtos e estudos sobre o consumidor (87%), sobretudo em conversas com pessoas do setor (61%), acompanhando notícias de jornais, sites (59%) ou participando de congressos, feiras e encontros (47%).
No entanto, ao mesmo tempo que o empresário se autodenomina inovador, segue adotando estratégias de gestão ultrapassadas, baseadas, sobretudo, na prática e vivência do dia a dia: 65% orientam-se pela intuição e experiência profissional e 61%, por meio da observação das ações da concorrência. Poucos são os que usam métodos de gerenciamento mais sofisticados e fundamentados no uso de dados e informações da empresa.
A grande maioria parece estar atenta ao que acontece de mais importante em seu nicho de atuação. Por exemplo, praticamente nove em cada dez garantem acompanhar as novidades do mercado, as inovações, os novos produtos e estudos sobre o consumidor (87,2%), principalmente em conversas com pessoas do setor (61,1%), acompanhando notícias de jornais, sites etc. (59,4%) ou participando de congressos, feiras e encontros (47,1%).
Só seis em cada dez empresários conhecem softwares de gestão
O estudo apresentou aos entrevistados uma série de 14 ferramentas e tecnologias voltadas para a gestão e operação do negócio, a fim de verificar o conhecimento e a adoção desses dispositivos no dia a dia. Apenas quatro são conhecidas por mais de 70% da amostra, justamente as tecnologias voltadas para pagamento, as de entrega de produtos por meio de aplicativos, ferramentas para armazenamento de dados na nuvem e os catálogos virtuais de informações que ajudam os clientes a conhecer melhor os produtos.
As novas tecnologias para pagamento, como PayPal, PagSeguro, Mercado Pago, Apple Pay, Samsung Pay etc., que servem para facilitar e ampliar a segurança nas transações financeiras entre vendedores e compradores pela internet, são conhecidas por 85% da amostra, embora sejam utilizadas por apenas 41%.
Menos de seis em cada dez empresários ouvidos conhecem os softwares de gestão de vendas (57%), sendo que um percentual ainda menor faz uso deles (26%).
A média mensal de investimentos em tecnologia ou inovação para gerir o negócio e promover as vendas na empresa é de aproximadamente R$ 919, sendo que 29,5% das empresas não fazem tais investimentos.
Varejistas têm dificuldade com as novas demandas do consumidor
De todas as transformações ocorridas no varejo nas últimas décadas, talvez a mais impactante tenha sido o comportamento do cliente. Sobre a estratégia de contato com o cliente, a pesquisa registrou que 79% das empresas já tiveram as vendas impactadas negativamente pelos novos padrões de comportamento dos consumidores, sobretudo no que se refere à busca por agilidade na entrega ou atendimento (33%), aumento das compras on-line (30%), prioridade para grandes fabricantes (29%) e avaliação sobre a loja em redes sociais e sites (29%). Em contrapartida, 19% garantem não terem sido impactados negativamente.
Para o coordenador de Comércio e Serviços da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Eduardo Augusto Rodrigues Tosta, o desafio de hoje reside na capacidade das lojas de transformar a jornada de compra do cliente em uma experiência mais agradável. “O importante é oferecer o melhor serviço, tendo em vista as ferramentas que já existem e que nem são tão caras assim”. Ele chama atenção para atendimentos diferenciados e, se possível, a unificação de lojas on-line e off-line, que permite que o consumidor retire a compra feita pela internet no ponto de venda físico mais conveniente. Essa possibilidade pode baratear o custo do frete e antecipar o prazo de entrega.
Divulgação
Com clientes que passam boa parte do dia conectados – trabalhando, compartilhando opiniões ou buscando informação –, não é difícil de entender a importância de uma empresa estar presente no universo digital para divulgar serviços e produtos.
A pesquisa identificou que os principais canais usados pelos varejistas são a loja física exclusiva da empresa(88%), o WhatsApp (68%), o telefone (58 %), o Facebook (52%) e o Instagram (41%).
Considerando a presença on-line das empresas de comércio e serviços no Brasil, a pesquisa indica que o Facebook vem em primeiro lugar, com 76% dos entrevistados garantindo possuir uma conta nessa rede social. O segundo colocado é o Instagram, utilizado por 60% dos entrevistados, seguido do site (50%).
Enfrentando os desafios
Apesar das dificuldades, os empresários se organizam para enfrentar algum desafio no faturamento. Por isso, estão investindo em melhorias para aumentar as vendas atualmente (62%). Nesse caso, as principais medidas tomadas são a propaganda em meios digitais (36%), aumento do mix de produtos e/ou serviços (35%), propaganda em mídia tradicional (23%) e ampliação dos canais de atendimento (23%).
Percebe-se uma visão imediatista, voltada para ações de curto prazo. Por outro lado, ações mais estratégicas e importantes para a sustentabilidade do negócio são adotadas com menor frequência, como incorporar novas tecnologias (22,8%) ou contratar um consultor para reorganização da empresa, por exemplo.
Para Tosta, existem muitas formas de viabilizar o negócio no novo cenário. “O varejo de pequeno e médio porte consegue encontrar no mercado ferramentas ou entidades que dão apoio ao empresário para adquirir conhecimento de soluções, de comportamentos, de transformação do perfil de consumo”, diz. “Órgãos como o Sebrae e a ABDI, por exemplo, já possuem estrutura de formação para o empresário, como o Laboratório de Inovação do Varejo, que fica em São Paulo, mas que possui redes sociais com muito conteúdo para quem quer se desenvolver”, explica.
Ele afirma que essas entidades contam com subsídios para a capacitação do empresário e que, mesmo se não for por esse caminho, o próprio varejista tem condições de buscar as respostas para sua empresa. “Hoje, é possível trabalhar com start-ups que trazem soluções diversas e de baixo custo, como contador de fluxo, soluções de realidade aumentada para melhorar a experiência do consumidor nas lojas e ferramentas gratuitas para a operação de redes sociais”, esclarece.
Para o presidente da CNDL, José César da Costa, o caminho para a era digital no comércio passa necessariamente por um esforço do varejista pela busca do conhecimento. “Podemos promover pesquisas como essa para ajudar a traçar políticas públicas e promover maior inserção do empresário no ambiente digital, mas a postura fundamental e decisiva será mesmo o desejo dele em seguir se aprimorando”.
Fonte: Varejo S.A.