Aos 45 anos, a alemã Katrin Ley é uma das vozes mais ativas do movimento pela moda do bem. Nomeada jovem líder global pelo Fórum Econômico Mundial nos anos 80, nas últimas duas décadas ela foi diretora do grupo Adidas, nos Estados Unidos e na Holanda; e do Boston Consulting Group, na Alemanha e na Suécia. Na empresa de consultoria, seu foco era em private equity, bens de consumo e tecnologia. Desde março de 2017, Katrin dirige a plataforma de inovação Fashion for Good. Com sede em Amsterdã, a entidade financia ideias, investe em novas tecnologias e modelos de negócio que tenham por objetivo a moda sustentável. A ideia é conectar todos os players da cadeia produtiva de modo a conduzir a transição do setor para a economia circular, “regenerativa e restauradora”, como definiu Katrin, em entrevista a Época NEGÓCIOS. A seguir, os principais trechos da conversa.
O que motivou a criação da Fashion for Good?
A indústria da moda contribui para a poluição da água e para a mudança climática; envia grandes quantidades de lixo para os aterros sanitários e representa uma ameaça à saúde e à segurança das pessoas — não só de quem faz as roupas, mas de quem as usa também. A cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo de produtos têxteis é queimado ou despejado em aterros. Além de ser um desperdício, a indústria está poluindo. Meio milhão de toneladas de microfibra é jogada todos os anos nos oceanos — o equivalente a 50 bilhões de garrafas plásticas. Um relatório recente da Fundação Ellen MacArthur, intitulado A New Textiles Economy, traz dados preocupantes. Mantidos os atuais patamares de produção e consumo, essas pressões se intensificarão até 2030, a ponto de ameaçar o próprio crescimento da indústria. Portanto, é urgente agir — agora. A moda do bem não só é possível, como está ao nosso alcance.
O que impede então que ela seja colocada em prática?
O maior desafio é tirar a indústria do modelo linear “take, make, waste” e redirecioná-la para um modelo de economia que seja restaurador e regenerativo. Temos de ir além de somente minimizar os impactos negativos do sistema atual. Precisamos trabalhar em busca de um modelo melhor — o de fazer mais bem e não apenas menos mal. Idealmente, os têxteis jamais terminariam como resíduos. Seriam mantidos em seu valor mais alto, durante o uso, e depois, voltariam a entrar na economia. No mundo todo, existem várias inovações em andamento, com o objetivo de enfrentar os principais desafios do setor. Essas inovações, porém, precisam de apoio para passar do nicho para o mainstream. Investimentos e aceitação pelas marcas e pelos consumidores ainda não chegaram ao nível necessário para impulsionar de fato a transformação. A verdadeira luta é escalar as práticas pioneiras para permitir o ponto de inflexão. E aqui está o foco da Fashion for Good.
Quão longe estamos desse cenário?
Como disse, há várias soluções ao nosso alcance. Vemos muitas tecnologias inovadoras e disruptivas que podem realmente mudar a indústria e são um grande salto em direção à circularidade. A vontade de implementar está lá. Como um exemplo muito tangível, a Fashion for Good trabalhou com a C&A, fabricantes e inovadores no desenvolvimento da primeira camiseta e do primeiro jeans do mundo com certificação Cradle to Cradle Gold. [A certificação garante que as peças foram produzidas de maneira social e ambientalmente responsável, ao longo de todas as etapas do processo — da produção da matéria-prima ao descarte.] As camisetas da C&A são totalmente compostáveis. Isso tudo é resultado da união de forças dos participantes do setor em prol de um objetivo comum. Isso nos dá esperança de que a moda do bem é possível.
Mas como mudar o modelo vigente?
A indústria não tem recursos, ferramentas e incentivos para colocar a moda do bem em prática. Várias tecnologias podem realmente mudar o setor, oferecendo um grande salto em direção à circularidade. Grandes corporações estão dispostas a trabalhar com essas inovações. Na Fashion for Good, ajudamos as inovações sustentáveis, ao conectar empreendedores, marcas, produtores, varejistas, fornecedores, financiadores e inovadores. Quando esses atores trabalham juntos, eles adquirem um poder enorme para promover as mudanças que podem ser sentidas ao longo de toda a cadeia. Por isso, a colaboração é imprescindível.
Qual é o papel do consumidor nesse processo de transformação?
Os consumidores estão no nosso foco. Recentemente inauguramos o Fashion for Good Experience, em Amsterdã. Trata-se de um espaço voltado para o consumidor, uma espécie de museu onde ele aprende como as roupas são feitas e entra em contato com as inovações que estão moldando o futuro da moda. Queremos incentivar os visitantes a repensar suas escolhas e a contribuir para a prática da moda do bem. Somente uma parceria global pode deflagrar o movimento necessário para uma mudança real — e estrutural. O consumo de moda no mundo deve aumentar 63% até 2030, impulsionado pelo crescimento da classe média, pelo aumento no número de coleções lançadas e pela menor durabilidade das peças de vestuário. Prevê-se, portanto, que a quantidade de resíduos têxteis siga o mesmo ritmo. As tendências de consumo, por sua vez, indicam que um em cada três consumidores agora toma suas decisões de compra levando em consideração se a marca é saudável do ponto de vista ambiental. Os consumidores querem saber como podem se engajar ativamente para fazer parte de um movimento que promova mudanças reais. Eles também desempenham um papel fundamental na condução dessa mudança sistêmica.
Como funciona a Fashion for Good?
Nossa plataforma de inovação inclui três programas: o Fashion Good — Plug and Play Accelerator; o Scaling Programme; e o Good Fashion Fund. Por meio do Fashion for Good — Plug and Play Accelerator, damos a startups promissoras a expertise e o acesso ao financiamento de que precisam para crescer. Temos uma parceria com a [aceleradora] Plug and Play Tech Center, sediada no Vale do Silício. São dois lotes de startups por ano, em um programa de 12 semanas. Cada lote tem entre dez e 15 startups. Nesse período, nós as conectamos com nossos parceiros corporativos, como Adidas, C&A, Galeries Lafayette, Kering, PVH Corp, Target e Zalando. O Scaling Programme oferece suporte para as inovações que passaram na fase de prova de conceito — acesso a especialização, clientes e capital. O Good Fashion Fund ainda está em desenvolvimento e a ideia é que ele catalise investimentos que integrem a inovação e a adoção de boas práticas de moda. O fundo investe diretamente na cadeia de fornecimento de vestuário. O objetivo é que os fabricantes de suprimentos de vestuário invistam e reinvistam em inovações circulares, que proporcionam crescimento econômico, com o uso de materiais recicláveis e seguros, limpeza e menos energia, fabricação de circuito fechado e criação de empregos justos e crescimento. Juntos, estamos promovendo as inovações relevantes, replicáveis e escalonáveis que acelerarão a transição para uma indústria de moda sustentável.
Como as marcas de luxo podem participar?
Qualquer marca pode se tornar um parceiro corporativo do Fashion for Good. Se as marcas não quiserem se tornar parceiras, elas podem ver com quais startups trabalhamos e trabalhar com elas, participar de nossos eventos, ler nossos boletins informativos, baixar nossas ferramentas gratuitas que indicam como produzir produtos sustentáveis… Tentamos dividir ao máximo nossas informações e aprendizados.
Fonte: Época Negócios