A possibilidade de atingir quem está fora dos grandes centros e estreitar o contato com o consumidor tem incentivado mais fabricantes de roupas, acessórios e alimentos a oferecerem seus produtos por catálogo. A fabricante de chocolates Cacau Show começou a recrutar revendedores em 2015, como um canal de distribuição complementar a suas lojas, e está expandindo a operação. No segmento de vestuário, a marca Trifil, de meias e roupa íntima, e a grife de calçados e bolsas Carmen Steffens formatam planos para explorar a área, segundo o Valor apurou.
“As empresas de vestuário, acessórios e alimentos estão se movimentando mais no setor, algo que não era observado com intensidade anos atrás”, disse Valeria Rossi, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd). As três categorias representaram 28,7% do mercado de vendas diretas em 2016, que movimentou R$ 45,7 bilhões. O segmento de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal ainda domina o setor, com 40,4% da receita.
Na Cacau Show, a equipe de 40 mil revendedores respondeu por 8% dos negócios gerados pela companhia no ano passado, que totalizaram em torno de R$ 3,2 bilhões. A expectativa é que em 2020 esse canal represente 15% do faturamento projetado de R$ 6 bilhões, com aproximadamente 150 mil revendedores.
Daniel Roque, gerente de novos canais da fabricante de chocolates, disse que a empresa não quer deixar de atender um cliente por não possuir loja em alguma localidade. “Como a marca é bastante conhecida, essa atividade tornou-se um novo canal de vendas para os franqueados, que comandam as equipes”, afirmou. A rede conta com 2.121 unidades no país, a maioria franquias.
Esse sistema em que o franqueado fornece os produtos e gerencia os revendedores, evitando a canibalização das lojas físicas, foi adotado por O Boticário, maior rede de franquias do Brasil, em 2013. Dois anos antes, o grupo de cosméticos tinha iniciado a experiência com venda por catálogo ao lançar a Eudora.
Segundo Roque, hoje 80% dos pontos de venda da Cacau Show atuam com revendedores porta a porta. O projeto piloto começou com apenas 40 franquias, em cidades do interior, como Iguatu (CE), a 365 quilômetros de Fortaleza. O investimento inicial da marca somou cerca de R$ 300 mil, mas neste ano será ao redor de R$ 5 milhões.
“A indústria e o varejo querem cada vez mais buscar novas formas de chegar ao consumidor. A venda direta é um dos principais meios devido à influência que os revendedores têm com os clientes. No entanto, para obter êxito na iniciativa é preciso alinhar esse canal com o e-commerce, possibilitando também finalizar a venda pela internet”, disse Alexandre van Beeck, sócio-diretor da GS&Consult.
De acordo com Beeck, o sistema de venda porta a porta é próspero se bem estruturado, porque a indústria consegue informação direta dos revendedores, que possibilitam melhorar o posicionamento de preços e o desenvolvimento de produtos.
Em 2016, os artigos de vestuário responderam por 11,8% das vendas diretas. Acessórios de moda representaram 10,3%, enquanto a participação dos alimentos foi de 6,6%, conforme dados da Abevd.
Depois de adquirir a operação do Grupo Scalina, dono das marcas Trifil e Scala, em 2016, a Lupo estuda ingressar nesse sistema com a Trifil para rivalizar com a DeMillus, uma das maiores fabricantes de roupas íntimas do país. Segundo uma fonte do setor, a incursão poderá ocorrer neste ano e agora a companhia estuda o sistema tributário da operação.
A Lupo obteve receita estimada de R$ 883 milhões em 2017, um aumento de 6,4% ante o ano anterior. “É possível que a Trifil use os centros de distribuição para abastecer a força de vendas”, disse uma fonte. A marca está presente em aproximadamente 35 mil pontos de venda. Procurada, a empresa não confirmou a intenção de entrar no mercado de vendas diretas.
No segmento de calçados, a Carmen Steffens, que pertence ao Grupo Couroquímica, fundado por Mário Spaniol há 34 anos, planeja sua estreia nas vendas diretas com a marca CS Club, que vende produtos com preços mais acessíveis que os praticados pela grife. O Valor apurou que a fase de testes começará pelo interior de São Paulo, já que o centro de distribuição está no município de Franca (SP). A empresa possui ao redor de 550 lojas distribuídas por 18 países.
Outra marca que ingressou nas vendas diretas foi a Leopoldine Bolsas, sediada em Taboão da Serra (SP). Com artigos em couro e sintéticos no catálogo, a companhia adotou há um ano o sistema de vendas multinível, no qual um vendedor pode formar um grupo e receber um percentual sobre as vendas dele.
Também há empresas que adotaram o modelo e voltaram atrás, como a varejista de moda Marisa. A rede iniciou seu projeto de vendas diretas em 2013, com 700 revendedoras, atuando principalmente no Nordeste. A pretensão era vender R$ 500 milhões em cinco anos, mas em menos de três anos a operação foi encerrada. A empresa chegou a contratar profissionais da Natura para estruturar a área, que no início tinha apenas itens da linha feminina, sendo 25% de moda íntima, concorrendo diretamente com a DeMillus.
O cartão Marisa chegou a ser oferecido como forma de pagamento. A administração via oportunidade justamente no segmento de moda, que não representava naquela época nem 10% do setor de vendas diretas. Ao acabar com a operação, a empresa justificou que a intenção era concentrar os esforços em mercados mais maduros diante do aumento das incertezas e da deterioração da economia. O retorno estava abaixo do esperado e as despesas eram elevadas.
Apesar do crescimento em novos segmentos, o setor de vendas diretas apresentou queda no faturamento durante o primeiro semestre de 2017. A receita alcançou R$ 20,9 bilhões, cifra 2,73% menor que a verificada em igual período de 2016.
Fonte: Valor Econômico