Quando se pensa em suplementos alimentares, a ideia que vem à mente é a de fortões com bíceps superdesenvolvidos ou malhadoras compulsivas, um biótipo comum no varejo especializado, de um e de outro lado do balcão. Com o amadurecimento do setor, porém, a cadeia de suplementação – fabricantes, varejistas, distribuidores – está se dando conta que é preciso expandir o público para acelerar a velocidade de crescimento e aproveitar as oportunidades de mercado. Só os “marombeiros” não bastam mais.
O Brasil é o terceiro maior mercado de suplementos alimentares do mundo, depois dos Estados Unidos e da Austrália. Mas enquanto de 50% a 55% dos americanos consomem esses produtos, a participação entre os brasileiros varia de 3% a 7% da população, dependendo da estimativa.
Um dos problemas, segundo profissionais da área, é o excesso de competidores no varejo, principalmente sites de comércio eletrônico. Entre 2010 e 2016, o faturamento do mercado de suplementação passou de R$ 637 milhões para R$ 1,49 bilhão, de acordo com a Brasnutri, a associação do setor. É um aumento considerável, mas que vem desacelerando à medida que o mercado amadurece. A taxa de crescimento, que ultrapassava 25% no começo da década, diminuiu para 10% no ano passado.
Como consequência, o espaço tornou-se exíguo para tantas marcas que proliferaram no tempo de vacas mais gordas, diz Clarissa Giordani, fundadora do grupo Saudifitness. O resultado inevitável é a depuração do mercado, com o fechamento de empresas.
Atualmente, dos cinco sites brasileiros mais relevantes no segmento, três estão sob seu controle, diz a empresária: Corpo Perfeito, Corpo Ideal e Boa Saúde. Em situação financeira delicada, eles foram obtidos por meio de acordos de licenciamento, ao fim dos quais Clarissa tem a opção de comprar a marca. O Corpo Perfeito, por exemplo, estava em processo de recuperação judicial quando passou para seu controle. “No ano passado, 22% dos nossos clientes [entre varejistas e revendedores] baixaram as portas”, afirma Clarissa.
A Saudifitness tanto atua como distribuidora de produtos para terceiros – são, hoje, mais de 750 pontos ativos – como os vende diretamente ao público, no varejo. Além dos sites, a empresa abriu 22 lojas físicas em três meses. A expectativa é fechar o ano com 50 pontos e chegar a 300 em 2020.
Não se trata de um negócio fácil. Os distribuidores têm até 60 dias para pagar aos fabricantes, mas recebem das lojas em até 90 dias, o que torna o fluxo de caixa um desafio, diz Clarissa, ainda mais com o aumento da inadimplência entre os lojistas.
Mas a questão central, para muitos empresários, é a regulamentação. Ou, melhor, a falta dela. Como não há uma categoria específica para suplementos no Brasil, esses produtos acabam ficando em uma área pantanosa, no limite entre alimentos e medicamentos.
“A legislação brasileira é muito atrasada”, diz Filipe Bragança, presidente da Integralmédica, mais antiga fabricante de suplementos alimentares do país. A principal crítica é que a política é muito restritiva, o que inibe a criatividade da indústria. “Nos Estados Unidos, o órgão regulador define que substâncias são proibidas e libera o resto. No Brasil é o contrário.”
Misturar proteína com fibras, por exemplo, que está liberado no mercado americano, não é permitido no Brasil. No caso dos produtos importados, as restrições legais fazem com que os pedidos tenham de ser feitos sob formulações específicas, o que encarece as encomendas, afirma Clarissa. No mercado brasileiro, 80% das vendas são de produtos nacionais. Os importados, que respondem pelos 20% restantes, são em média 40% mais caros devido à carga tributária, diz a empresária.
“Quando você apresenta um estudo americano ou europeu [sobre uma substância], as conclusões não são aceitas”, afirma Bragança. E como não há recursos suficientes para fazer todos os estudos nacionais necessários, a oferta de produtos fica limitada. “É como se decidissem que os carros no Brasil não podem ter vidro elétrico porque não há avaliações locais.”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária reconhece os problemas, mas faz ressalvas sobre as comparações com o mercado americano. “A crítica do setor é legítima, mas é preciso ter cuidado”, adverte Talitha Antony de Souza Lima, gerente-geral de alimentos da Anvisa. “Nos EUA, a legislação vigente foi criada pelo Congresso, e não pela FDA [a agência federal que regula alimentos e medicamentos].” O resultado, afirma, é que nem sempre as autoridades sanitárias conseguem ser tão vigilantes quanto seria necessário”.
Em uma coisa, empresários e técnicos da Anvisa concordam: a necessidade de criar uma categoria específica de regulamentação para os suplementos alimentares.
Em julho, a Anvisa apresentou as diretrizes de um regulamento e, desde então, tem feito encontros para discutir a proposta. “A agência reconhece a necessidade de modernizar [a legislação] e buscar uma convergência regulatória, o que vai facilitar a inovação e propiciar mais competitividade para a indústria brasileira”, diz Talitha.
Finalizadas as discussões iniciais, a Anvisa vai redigir o texto preliminar de uma resolução e submetê-lo à uma consulta pública, que receberá sugestões duração de 60 dias. A expectativa é fazer isso até novembro para que o regulamento fique pronto para publicação no início de 2018.
“A regulamentação pode ajudar muito, até para coibir as vendas ilegais”, diz Synésio Batista da Costa, presidente da Brasnutri. Pelas contas da associação, com as novas definições, o mercado brasileiro pode chegar a um faturamento de R$ 5 bilhões em três anos, mais que o triplo do volume atual.
Independentemente das regras, no entanto, fabricantes e varejistas têm o desafio de entender as mudanças no mercado, a começar pelo perfil do consumidor, que ainda reserva mistérios.
Um levantamento encomendado pela Saudifitness mostra que suplemento ainda é “coisa de macho”: três entre quatro consumidores são homens. Mas essa é uma das poucas suposições que se confirmaram. Outros resultados são inesperados. Por exemplo, o consumo se concentra em pessoas com idade entre 15 e 20 anos e a maior parte delas vem da classe C – um público mais jovem e menos abastado do que se imaginava.
“Existe um grande espaço para crescer, que vem sendo preenchido à medida que o consumidor recebe mais informação”, diz Bragança, da Integralmédica. “Há dez anos, quase ninguém consultava um nutricionista, que vem ganhando papel de destaque. O vento educacional sopra a favor.”
O Brasil é o segundo país com mais academias de ginástica no mundo, atrás dos EUA. São mais de 33 mil estabelecimentos e quase 8 milhões de alunos, segundo a Acad, a associação do setor. Só uma parte dos frequentadores toma suplementos, e de um tipo específico, diz Clarissa. São principalmente adeptos da musculação que consomem whey protein, uma proteína do leite usada para inflar os músculos. A indústria quer mostrar que há produtos para muitas outras finalidades.
A Saudifitness está interessada nos adeptos do crossfit, modalidade esportiva que ganha popularidade entre os brasileiros, e a Integralmédica já oferece cinco linhas diferentes, incluindo produtos para quem busca boa forma, mas não tem interesse na hipertrofia. “O consumidor está se segmentando”, diz Bragança. Uma diversificação que se reflete na cadeia de distribuição. As mulheres, por exemplo, preferem comprar suplementos em lojas de produtos naturais, afirma o empresário, o que tem colocado esses pontos no radar dos fabricantes.
Mesmo farmácias entraram na rota dos suplementos. O valor médio das compras nesses pontos costuma ser menor que o das lojas especializadas – R$ 45 contra R$ 170 -, mas a capilaridade das redes de drogarias ajuda a levar os produtos a cidades mais remotas, que não contam com lojas específicas, diz Clarissa.
A expectativa é que, com a regulamentação e mais campanhas sobre as propriedades dos suplementos, o setor se distancie da fama de produto exclusivo para malhadores e seja capaz de dar passos ambiciosos como chegar à escola pública. “Estamos trabalhando para ser incluídos na merenda escolar”, diz Batista, da Brasnutri. Os planos estão em elaboração.
Se a investida for bem-sucedida pode ser que o setor veja mais movimentos como o de julho do ano passado, quando o fundo de participações Pátria Investimentos comprou, por valor não revelado, o controle da Sports Nutrition Center (SNC). Criada 25 anos antes, a rede varejista tinha 150 lojas e encerrara o ano de 2015 com receita de R$ 138 milhões, segundo informações divulgadas à época do acordo.
Não será nada ruim para a indústria de suplementos se, na busca por novos consumidores, encontrar no caminho investidores ávidos por um outro exercício – o financeiro.
Fonte: Valor Econômico