Com o objetivo de continuar a promover uma ‘economia circular’, a marca C&A apresentou uma t-shirt 100% biológica que poderá ser transformada em compostagem, na casa de qualquer consumidor, depois de ser utilizada. A Vida Rural foi a Antuérpia e falou com o guru da economia circular, William McDonough.
Jeffrey Hogue, Global Sustainability Officer da C&A, explicou durante uma apresentação à imprensa que decorreu em Antuérpia, na Bélgica, que “enquanto indústria, temos a oportunidade de abandonarmos o atual modelo ‘pegar, fazer, desperdiçar’ e adotarmos um modelo circular. Na prática, isto significa desenhar, desenvolver e produzir produtos com a próxima utilização em mente; extrair o máximo valor das peças enquanto estão em utilização e depois regenerar os produtos e materiais no fim da utilização e dar-lhes outra vida de utilização”.
A t-shirt agora lançada pela C&A conta com uma certificação Cradle to Cradle (certificação de segurança e saúde ambiental e de produção sustentável atribuída pelo Cradle to Cradle Product Innovation Institute) e está nas lojas da marca em 19 mercados europeus, em dois modelos diferentes. Estas peças de vestuário recicláveis são, segundo a empresa, 100% biológicas e produzidas com materiais seguros e de uma forma socialmente e ambientalmente responsável. Para além disso, a verdadeira inovação está no facto de estas t-shirts poderem ser usadas como compostagem para fins agrícolas na casa de qualquer consumidor.
“A roupa que vestimos deve ser tão saudável quanto os alimentos que comemos”
William McDonough, um dos mais importantes impulsionadores da ‘economia circular’ a nível mundial e considerado pela TIME o “herói do planeta”, foi um dos mentores deste novo projeto da C&A e marcou presença na apresentação para mostrar que a t-shirt agora lançada é tão saudável que “poderia até ser comida”. À VIDA RURAL, o arquiteto explicou que é preciso mudar a percepção do consumidor sobre aquilo que deve ser a moda, sobre a qualidade dos produtos e, sobretudo, sobre o consumo de produtos de moda, que na sua opinião devem ser considerados “tão importantes para a saúde dos consumidores como os alimentos que comem. A roupa que vestimos deve ser tão saudável quanto os alimentos que comemos. É um conceito interessante, não é?”
Para McDonough, a grande mudança a que vamos assistir com a transição para uma ‘economia circular’ é que “temos que passar a ver os recursos como relações. Como mencionei durante a minha intervenção [na apresentação das t-shirts produzidas com algodão 100% biológico], quando se aluga um tapete ou quando se tem um tapete como um serviço, a empresa que nos faz esse arrendamento quer o tapete de volta como matéria-prima para o próximo produto. Existe aqui uma relação econômica com o cliente.” Esta relação tem sido, até agora, ignorada pela indústria da moda, contudo, com o crescimento de tendências como a criação de serviços de aluguel de roupa, as empresas do setor serão obrigadas a repensar a sua cadeia de abastecimento e a forma como produzem aquilo que colocam nos prateleiras das suas lojas.
“Recentemente visitei uma empresa especializada em Inteligência Artificial (IA), em São Francisco, nos EUA, que era considerada uma das melhores, mas que entretanto fechou. As suas tecnologias de IA eram tão bem-sucedidas e os consumidores estavam a pagar por elas…mas de repente eles decidiram que não precisam dos consumidores, porque as suas tecnologias eram tão boas que podiam fazer dinheiro sozinhas, sem que para isso fosse preciso cuidar de um cliente. Claro que isto é um conceito no mínimo ‘interessante’, mas uma das últimas coisas que esta empresa fez antes de encerrar foi uma coisa que chamamos de ‘customer interfacing artificial intelligence’, que essencialmente é o assistente de compras mais sofisticado de sempre, porque usa IA. Basicamente podemos tocar o ecrã do nosso smartphone uma vez e ele leva-nos para algum lado, se tocarmos duas vezes leva-nos para outro lado, e encontramos o que quer que seja no mundo e ele trá-lo até nós. É impressionante. Tudo isto para dizer que eu acho que a relação tornou-se muito importante. Num mundo em que temos todas estas opções, a relação é extremamente importante. Por isso, para os retalhistas, e sobretudo os que têm lojas físicas, a relação é absolutamente crítica”, defende.
“E se estiverem a vender aos clientes as roupas mais saudáveis do mundo? A primeira função de um negócio é não matar os clientes [risos]. Por isso, por que razão é que um retalhista haveria de vender produtos tóxicos? Olhando de uma outra perspectiva, porque é que um retalhista não haveria de querer vender produtos saudáveis? Da mesma forma que as pessoas vão ao supermercado, e cada vez mais esperam que a comida que têm à sua disposição seja saudável, eu acho que as pessoas deviam ir às lojas de roupa e esperar moda saudável… E isso exige uma mudança de perspectiva, porque obviamente o consumidor ainda não o vê desta forma. E isto acontece também no mercado alimentar. E é aqui que podemos fazer uma analogia entre a moda e a agricultura: têm as duas a ver com saúde e perpetuação, tanto do nosso corpo como da comunidade. Se um consumidor quiser alimentos locais, isso tem impacto na sua economia local e na sua comunidade. Se olharmos para trás percebemos que nos métodos de produção antigos as pessoas cultivavam localmente, e agora existe todo um movimento à volta disso e é absolutamente legítimo, até porque em última análise é mais eficiente. Contudo, é algo bastante comum…”, acrescenta.
Mas será possível para as grandes multinacionais continuarem a lucrar numa ‘economia circular’? Poderá uma marca de moda ser lucrativa ao mesmo tempo que promove uma sociedade de ‘zero desperdício’ e de reaproveitamento de todos os recursos? Donald Brenninkmeijer, Chief Brand, Customer and Sustainability Officer da C&A, acredita que sim, contudo, defende uma estratégia em que o consumidor é colocado no centro desta mudança.
“Da forma que olhamos para tudo isto temos que colocar o consumidor no centro de tudo o que fazemos e o facto de podemos criar vestuário de uma forma que é a forma mais correta e que nos permite garantir o futuro, com preços que permitem aos consumidores comprar e obter margens que ainda assim permitem ao negócio florescer e continuar a fazer investimentos, é uma fórmula que funciona”, explicou-nos.
William McDonough partilha da mesma opinião e revelou à VIDA RURAL que acredita até que é uma equação bastante simples de resolver. “É a diferença entre moeda e capital. O problema com a natureza é que ela nunca mandou a conta. Certo? Se ela mandasse a conta, as pessoas já lhe tinham colocado um preço, certo? Mas como não tem custo, nós pegamos em tudo. Usamos as árvores, a água… e ninguém nos apresenta a conta. Isso é parte do problema. Mas se olharmos para a questão da moeda e do capital, moeda é aquilo que trocamos, a um ritmo alucinante e é efémera… é a maçã. O capital é o pomar que produz as maçãs. O capital cria moeda de uma forma regular. O problema com a geração de lucro na ‘economia circular’ é que o pomar representa a economia circular e aqui tudo é um ecossistema. Será que é possível fazer dinheiro aqui? Claro que sim! Mas a verdadeira questão é, será que é possível fazer tanto dinheiro como seria possível se simplesmente cortássemos uma floresta e a natureza nunca mandasse a conta?”
“Esta é a questão mais fundamental nisto tudo: o que é que consideramos um bom negócio? Hoje em dia os negócios estão focados nos trimestres e os CEO são recompensados por performances de um ou dois anos. É aqui que os consumidores devem entrar e dizer aquilo que realmente querem e as empresas têm ser capazes de responder a isso. A pessoa que fundou [Yvon Chouinard] a Patagonia é hoje um multimilionário e na verdade acho que ele hoje em dia tem um pouco vergonha disso. Mas a verdade é que o objetivo dele sempre foi criar uma empresa que está focada em fazer boas coisas pela comunidade da melhor forma que consegue e é multimilionário. O Elon Musk criou carros elétricos que usam energia solar e também é multimilionário. Por isso é perfeitamente possível fazer dinheiro a fazer a coisa certa”, conclui.
Os números do algodão biológico
Até 2020, a C&A espera que 100% do algodão que usa nos seus produtos seja sustentável. Em 2015, a empresa foi pela terceira vez consecutiva considerada a maior utilizadora de algodão biológico;
O algodão biológico utilizado pela retalhista na produção das suas roupas necessita de até 91% menos utilização de água do que o algodão convencional para ser produzido. De acordo com a empresa alemã, este algodão reduz em cerca de 46% o potencial de aquecimento global face ao algodão convencional;
O algodão convencional precisa de cerca de 10 000 litros de água por cada quilo de algodão produzido. Contudo, atualmente, menos de 1% do algodão produzido globalmente é biológico e o setor enfrenta enormes desafios: falta de disponibilidade de sementes; poucos incentivos para que os produtores produzam em modo biológico; acesso limitado ao mercado e falta de transparência na cadeia de abastecimento.
Fonte: Vida Rural