Empresas varejistas encaram seus próprios códigos de ética e conduta para lidar com a situação atual do fornecedor
A admissão, por parte dos sócios da JBS, da criação de um esquema bilionário de propina para sustentar a expansão do grupo, joga no colo de varejistas e redes de “fast food” um dilema que deve mostrar como essas empresas encaram os seus próprios códigos de ética e conduta.
De acordo com apuração do Valor, parceiros da JBS podem alegar que a fornecedora de alimentos violou termos dos contratos de compra de produtos que tratam de “idoneidade moral” e interromper os acordos temporariamente. Mas a discussão dentro das redes ainda avança devagar e esbarra na dependência comercial da JBS.
É o caso, por exemplo, do acordo do Grupo Pão de Açúcar com a JBS, que define normas éticas a serem seguidas. Em nota, o GPA informou que está acompanhando “o desenrolar dos acontecimentos e que seguirá as cláusulas definidas em contrato estabelecido com o fornecedor, respeitando as determinações legais das autoridades”. A empresa não detalha o teor das cláusulas. O Valor apurou que o acordo menciona necessidade de retidão moral da marca, sob risco de suspensão do contrato.
A BFFC, dona do Bob’s, afirmou em nota que avalia as medidas cabíveis no caso e que exige que seus fornecedores “mantenham o mais estrito respeito ao código de conduta” da empresa. O grupo informou que levará o assunto para ser discutido pelas entidades representativas do setor.
Neste momento, a maioria das companhias ouvidas pelo Valor fala em “acompanhar” a evolução do caso – além de GPA, Walmart e Carrefour. O McDonald’s (representado no Brasil pela Arcos Dorados), com acordo comercial com a JBS que giraria em torno de R$ 350 milhões ao ano, preferiu não se manifestar sobre o assunto – assim como o Burger King. Todas as empresas ouvidas, com exceção do Bob’s, tem controladores ou sócios de grupos com capital aberto no País ou no exterior e são classificadas dentro de algum nível de governança corporativa, que exige que sejam definidas normas de conduta empresarial envolvendo funcionários e fornecedores.
Os códigos da maioria dessas companhias deixam explícito que consideram inaceitável – e, em certos casos, isso não é passível de negociação – manter acordos comerciais com fabricantes que não respeitam leis e que praticam atos como extorsão ou suborno. Os códigos, porém, não detalham a penalidade a ser aplicada. “Mas quando a companhia informa que não aceita corrupção ou não aceita que fornecedores violem valores da empresa está claro que, se isso acontecer, terá que cortá-los”, diz Alexandre Queiroz, ex-diretor da PwC e coordenador do Ibmec/MG.
Para Daniel Tonon, professor do MBA em governança e compliance da FGV, as companhias podem entender que os crimes foram praticados pelos sócios, e não pela fornecedora, separando as responsabilidades. Ainda podem avaliar que, como houve acordo de delação, a Justiça não condenou os controladores da companhia – apesar da admissão pública dos “erros” pelo sócio Joesley Batista.
Para Tonon, o varejo não pode ser entendido como um “vilão” neste caso.
A JBS não é só a dona da mais importante marca de carne do País, a Friboi, mas produz outras com forte presença no varejo, como Vigor e Doriana. No total, são 32 marcas. Ainda estão na lista Seara, Massa Leve, Swift e Bigfrango. A holding J&F, dos irmãos Batista, é dona também da Flora, com 17 marcas de limpeza doméstica e higiene pessoal como Minuano, Francis, Albany e Neutrox, mas nesses mercados há mais concorrentes.
Impacto nas vendas
Em portfólios desse peso, o cancelamento da compra traria um forte impacto nas vendas, em parte pela dificuldade em substituir algumas marcas. “Na prática, quando isso acontece, a rede vai ver se compensa o baque comercial e o custo de interromper o acordo”, disse um diretor de uma rede supermercadista. “No caso da JBS, haveria risco de desabastecimento principalmente em carnes, porque não temos marcas substitutas imediatamente.” “Se quiserem interromper a venda, até dá, mas é um trabalho gigantesco. Talvez o ganho possa ser de imagem frente ao público, caso a rejeição às marcas suba”, acrescentou o executivo.
“Para o varejo, é cedo fazer qualquer coisa, porque em parte, essas decisões consideram a reação de concorrentes e da população, que pode cobrar uma posição mais dura das lojas. Mas até agora não vimos isso”, diz um consultor.
O Walmart informou que a “integridade é um dos valores fundamentais” do grupo. Em relação à JBS, disse que “está acompanhando o caso atentamente”. O Carrefour afirmou que “não tolera nenhuma prática ilícita e tem como princípio fundamental o combate à corrupção”. Observa que todos os níveis da empresa e seus parceiros “devem se comprometer a cumprir estritamente a legislação em vigor”. E sobre a JBS, apesar de a empresa já ter admitido o “erro”, disse que “aguarda o desfecho do caso”.
Fonte: Supermercado Moderno