Vivemos uma nova era, na qual as empresas, munidas de um propósito, enxergam seu papel modificador da sociedade, com soluções que vão além de suas áreas de atuação. Decisões impactam toda uma cadeia de relacionamentos interdependentes. Diferente do capitalismo puro, em que o único propósito é o lucro, na era do capitalismo consciente, o lucro é consequência de uma atuação responsável na criação de uma ética de negócios. Michael Porter, guru de marketing, chama isso de valor compartilhado, quando o desempenho social gera valor econômico para o negócio.
Para falar sobre esse tema, o Portal Abrasce conversou com Thomas Eckschmidt, cofundador do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB) e coautor do livro Fundamentos do Capitalismo Consciente.
Portal Abrasce – Antes capitalismo “selvagem”, agora capitalismo consciente. O propósito era o lucro, e agora, o lucro é consequência de uma abordagem ligada a um propósito. Já temos exemplos no Brasil de empresas que atuam desta forma?
Thomas Eckschmidt – O capitalismo nunca foi selvagem. Selvagem eram os líderes das empresas. O capitalismo é fundamentalmente ético porque ele é baseado em trocas voluntárias. Isso significa que as pessoas em um sistema capitalista não são obrigadas a vender ou a comprar de ninguém. Cada um compra de quem quer vender pra quem quiser. O problema é quando você decide vender só para um cliente e o ele não tem o mesmo nível de consciência que você.
Acredito que antes as pessoas entendiam que o objetivo de uma empresa era gerar lucro. A maioria das escolas de administração e economia ensinava isso. Mas uma mudança do modelo mental se tornou necessária. O objetivo de uma empresa é gerar valor para a sociedade. Quanto maior o valor percebido pela sociedade maior será o resultado percebido pela empresa.
No Brasil, a maioria das empresas que atua desta forma o faz de forma discreta, sem propaganda ou alarde, porque essa filosofia é de dentro pra fora. Ela é a razão de ser do negócio e não um mecanismo de promoção e marketing.
Na área do varejo, temos alguns exemplos como o e-commerce Meu Móvel de Madeira, e a rede de moda Reserva, que usa suas peças como uma forma de manifestar uma ideia; ou ainda Euzaria, que segue o modelo da americana Tom Shoes, ou seja, a cada par de calçados vendido outro é doado para comunidades carentes.
Cada uma delas tem clareza do seu propósito, da causa que representa, e a transformação que quer causar na sociedade. A consequência dessas crenças reflete em um resultado financeiro positivo.
Portal Abrasce – Nessa nova era, as empresas enxergam sua responsabilidade na criação de uma ética de negócios envolvendo fornecedores, clientes, consumidores e comunidades. Mas como atuar desta forma?
Thomas Eckschmidt – Capitalismo consciente é uma jornada. Não é uma certificação onde existe uma meta, uma linha de chegada ou número de pontos a serem alcançados. Quando começa a olhar o mundo de uma forma consciente, a empresa percebe que a cada passo que avança na direção da consciência, mais oportunidades aparecem para melhorar e transformar.
Para estar no caminho de um capitalismo mais consciente, a empresa precisa estar alinhada aos quatro princípios desta filosofia, que são:
1- Liderança Consciente: uma empresa só muda quando o líder quer mudar. O comportamento do líder se reflete em toda a organização. O líder tradicional foca só em custo e receita, e faz com que todos os funcionários foquem unicamente em seu próprio custo e sua própria receita ou salário. Quando um líder consciente muda o foco do negócio a partir de um propósito ou uma causa, isso transforma o comportamento dos seus funcionários, e colabora para transformar toda a sociedade.
2- Geração de valor para sociedade: o propósito, maior objetivo da empresa, deixa de ser o lucro e passa ser a geração de valor para sociedade. A empresa passa a ter uma causa a defender, e usará os mecanismos comerciais para transformar a sociedade ao seu redor.
3 – Stakeholders: eles são os atores da cadeia produtiva. As empresas tradicionais estão focadas no próprio umbigo, diferentemente das empresas conscientes, que desejam gerar valor para todos os atores da cadeia sejam eles funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, meio ambiente, e outros. Cada um desses atores pode entrar na relação comercial com a empresa com objetivos além dos financeiros. E além dos valores financeiros, há valores adicionais (sociais, culturais, tecnológicos), que permitem fortalecer essas relações e criar um ambiente de segurança onde a criatividade e colaboração predominam no lugar da competição e insegurança.
4- Cultura consciente: todas as estratégias que uma empresa pode adotar podem ser copiados. A única coisa que não é copiável é o comportamento coletivo de seus funcionários, fornecedores, clientes e comunidades em prol da causa coletiva defendida pela empresa. A aplicação desses princípios gera uma fortaleza chamada de cultura.
Portal Abrasce – O empresário da era consciente é engajado. Ele está preocupado com os destinos do mundo e propõe soluções. Howard Schultz, presidente da Starbucks, acredita: “O sucesso só é válido quando pode ser dividido por todos”. Essa é uma ideia romântica do capitalismo consciente ou é o que deve acontecer na prática?
Thomas Eckschmidt – Esse comentário do presidente da Starbucks é um reflexo da atitude dele perante os problemas da sociedade. Uma das ações que ele instituiu foi o pagamento de educação de nível superior para todos os funcionários. Assim que começou a crise de refugiados, ele se comprometeu a empregar dez mil refugiados em sua organização. Isso é apenas um exemplo do que um presidente fez para defender a sua causa, que é transformar a sociedade para o bem.
Outro exemplo recente foi, no auge da crise americana, uma lavanderia se oferecer para lavar a roupa de graça para desempregados que tivessem uma entrevista de emprego. É uma iniciativa que afeta a vida das pessoas da sua comunidade.
Portal Abrasce – Varejistas e Shopping Centers vivem de sua área de influência e podem impactar forte e positivamente seu entorno. Como transformar a teoria em ações?
Thomas Eckschmidt – Os Shopping Centers têm uma presença muito forte dentro das comunidades. Veja o exemplo que acabei de citar, da lavanderia. A mensagem é clara: “Se você está desempregado e precisa de uma roupa limpa para ir a uma entrevista de emprego, nós lavamos de graça para você”. É uma conexão humanizada direta com um problema social local, o desemprego. É uma ação que melhora a autoestima da pessoa e aumenta as chances dela se dar bem. O dono da lavanderia pedia, entretanto, uma contrapartida: queria que a pessoa retornasse à lavanderia após a entrevista para dizer como foi. Esse comerciante oferece muito pouco, uma muda de roupa lavada, mas que representa um valor enorme para quem precisa. Ele cria uma dívida moral com aquela pessoa, que ao ser empregada, certamente se tornará um cliente fiel. Sem contar que essa pessoa terá uma bela história para contar, uma história que com certeza irá reverberar pela comunidade e poderá tocar a vida de várias pessoas incentivando melhores ações.
Há muitas possibilidades para que Shopping Centers pratiquem o capitalismo consciente. A primeira tarefa é ter um propósito, ou criar ou apoiar iniciativas que encontrem eco na comunidade. Vejamos um exemplo em que um shopping de Uberlândia cria uma ação para apoiar as tartarugas da Bahia. É uma bela ação, mas não há muita conexão com a comunidade. Agora, se esse mesmo shopping fizer uma ação para revitalizar um lago da cidade, encontrará uma sinergia imediata, porque seus frequentadores se relacionam com essa realidade, elas irão associar o mall aos esforços realizados no lago, melhorando a autoestima da cidade. As pessoas não esquecem.
Portal Abrasce – O livro Fundamentos do Capitalismo Consciente se presta a elucidar mais este conceito. Que temas você se preocupou em concentrar as atenções?
Thomas Eckschmidt – O livro tem causado impacto na comunidade não só no Brasil como em alguns outros países. Os representantes do capitalismo consciente do México e da Espanha já entraram em contato para fazer uma edição em espanhol. No final de maio, estaremos em Cuba para lançar uma versão adaptada do conteúdo do livro.
Nosso livro tem uma abordagem diferente pois ele conecta o mundo analógico ao digital, levando o leitor para vídeos e conteúdos on-line, e exercícios para desenvolver a sua própria jornada de capitalismo consciente.
Portal Abrasce – Por fim, a empresa que atua desta forma também atrai talentos que querem se engajar em propósitos que valem a pena. Há outros benefícios?
Thomas Eckschmidt – O grande desafio das empresas é atrair e reter talentos. Quem consegue fazer isso da melhor maneira são aquelas que tem uma causa e um propósito. Isso permite que as pessoas se engajem na causa, sintam-se responsáveis pelas ações e decisões do negócio.
A comunidade passa a defender os interesses da empresa; os fornecedores passam a privilegiar ou dar preferência para as parcerias nas quais as relações são mais justas e transparentes; os funcionários passam a ser mais criativos e colaboraram sem medo; e os consumidores são mais fiéis, e grandes promotores da marca.
Esses são apenas alguns benefícios, sendo que o mais importante benefício é o impacto financeiro. Empresas com essas práticas têm gerado resultados financeiros 15 a 10 vezes superior à média de mercado. O livro “Empresas Humanizadas”, coescrito por Raj Sisodia, destaca que no período de 1998 a 2013, as empresas humanizadas tiveram retorno 10 vezes superior à média na bolsa dos Estados Unidos. Neste período, a bolsa subiu 160%, e as empresas humanizadas subiram 1600%.
Significa que fazendo o bem a gente pode se dar bem. Mais que isso, fazendo o bem a gente pode se dar muito melhor que a média do mercado, em todos os valores que podem ser gerados por um negócio.
Fonte: Abrasce