No mês de janeiro realiza-se em Nova York o tradicional evento Big Show – convenção e feira de varejo da NRF – National Retail Federation. É o principal evento de varejo nos EUA, que tradicionalmente atrai diversos brasileiros – este ano foram mais de 1.300. O Grupo BTR-Varese levou delegação com 270 participantes para participarem da NRF. Neste artigo, “aterrissamos” em 6 grandes insights as principais tendências apresentadas no evento.
1) O novo mapa do varejo global – os números sobre as empresas globais de varejo divulgados nesta última NRF mostram um novo mapa se formando no contexto global. O primeiro ponto que nos chamou muito a atenção foi o crescimento da Amazon, entrando para a importante lista dos Top 10 varejistas do mundo. Atualmente a 10ª maior empresa de varejo do mundo, se mantiver o seu crescimento dos últimos anos, a Amazon deve se tornar a 2ª varejista do mundo em no máximo 3 anos. Este fato mostra a força do e-commerce no mundo, com empresas ganhando cada vez maior representatividade. As vendas pela Internet já representam 19,6% do varejo na China, 18% no Reino Unido, 10% nos EUA 10% e 3,3% no Brasil. Mesmo no Brasil onde a representatividade total é menor em função da baixa penetração em alguns segmentos, categorias como informática já tem mais de 1/3 das vendas sendo fechadas pela Internet.
Os valores de mercado das principais empresas do varejo também mostram este novo mapa do mercado, a Amazon atualmente vale US$ 370 bilhões, quase duas vezes o valor de mercado do Wal-Mart (US$ 200 bilhões), faturando 5 vezes menos. Ou seja, os investidores percebem as perspectivas de crescimento da Amazon e seu papel no futuro do varejo. Além da força do e-commerce os números e rankings divulgados na NRF mostram a evolução da globalização no varejo. Apesar de ainda ser considerada uma “indústria” de empresas locais e regionais, o varejo tem mostrado uma evolução em termos de globalização. A participação no faturamento das empresas de varejo geradas fora de seus países de origem tem crescido (Wal-Mart 25,8%, Carrefour 52,9%, Amazon 38%), o número de diferentes países de atuação também cresceu (Wal-Mart 30 países, Carrefour 35 países, Amazon 14 países). No Brasil, a presença dos grandes players do varejo global de manteve estável. Temos atualmente 32 das 250 maiores empresas de varejo com atuação em solo brasileiro.
2) Tecnologias emergentes – cada vez mais observamos a penetração de tecnologias acessíveis do ponto de vista econômico na construção da experiência nas lojas e na busca de eficiência e produtividade das empresas varejistas. Foram destaques nesta edição da NRF realidade virtual, realidade aumentada, uso dos robôs e o monitoramento das lojas com uso de câmeras e wi-fi. Existe uma característica comum em todas elas, a massificação das tecnologias com o uso doméstico em escala global.
Este fenômeno tem barateado os equipamentos e tornado o uso mais fácil pelo consumidor. Dois exemplos estão na realidade virtual e na realidade aumentada. A primeira vem ganhando força com as novas gerações de vídeo games, que permitem uma experiência mais real e emocional para os seus adeptos. No e-commerce os óculos de realidade virtual, que já podem ser comprados por menos de US$ 20,00 permitem que o consumidor viva uma experiência muito próxima a estar em uma loja de verdade. Diversos cases foram apresentados mostrando a aplicação desta solução.
A realidade aumentada permite que o consumidor projete em sua sala, em seus ambientes reais, uma televisão, um móvel ou até peças de roupa em uma espécie de manequim virtual com as mesmas medidas de quem está comprando.
Os robôs também apareceram com força e desta vez mais acessíveis e humanizados. Um exemplo foi o robô apresentado pela Tyco que por US$ 7,00 por hora faz o papel de segurança em uma loja, monitorando o estacionamento ( carros e pessoas ), monitorando lojas com atenção para cheiros, barulhos e situações de perigo ou ameaça. Robôs que fazer o papel de primeiro atendimento em lojas e robôs que fazem inventário ou monitoramento de planogramas também foram apresentados, sempre com um discurso de viabilidade econômico-financeiro. Por fim, o uso de câmeras e wi-fi nas lojas físicas tem permitido os varejistas um monitoramento mais preciso do fluxo de suas lojas com indicadores de conversão e mapas de calor que permitem uma gestão mais científica das lojas.
3) “Data is the new oil” (informação como moeda forte) – há muito tempo discutimos a necessidade de dados e informações na gestão das empresas de varejo. Apesar de termos superado a barreira da coleta dos dados e nos últimos 10 anos termos evoluído muito o conceito e as aplicações do Analytics com a geração de relatórios e análises cada vez mais precisos e didáticos, ainda temos um grande desafio: transformar esta enorme quantidade de informações em decisões, ações e resultados. Na NRF 2017 o conceito de computação cognitiva trouxe uma solução para esta questão, com o uso de algoritmos, motores de decisão e modelos estatísticos. A computação cognitiva dá um passo muito importante nesta jornada de transformarmos dados em resultados. Os gestores de varejo deixam de receber uma quantidade enorme de relatórios e gráficos e passam a interagir com motores de decisão. Exemplos práticos mostram que decisões sobre preços, sortimento, reposição e ações promocionais passam a ser tomadas com base na computação cognitiva e não mais pela opinião dos profissionais. Temos aqui um desafio de tecnologia (custos, aplicações e adaptações à realidade de cada segmento e ao Brasil), além de um grande desafio cultural. As empresas precisam começar a trabalhar a mentalidade de seus gestores, que insistem em desafiar informações e algoritmos de decisão; é preciso entender que estes motores têm muito mais condições de definir preços, quantidade de um produto pedido, entre outras questões. O uso da expressão “data is new oil “ em alguns painéis da NRF reflete em muito esta questão: assim como o petróleo, se os dados se forem extraídos, tratados, refinados, distribuídos e monetizados não têm valor algum para as empresas.
4) O futuro da loja – o crescimento do varejo online e impacto do mundo digital nos negócios de varejo leva à inevitável reflexão sobre o futuro da loja física. A premissa fundamental é que as pessoas não irão em lojas porque precisam comprar, mas porque querem. As motivações para visitar e compras em lojas vão além de necessidades e envolvem informação, educação, interação social, inspiração, prazer e emoção.
Entretanto, para que as lojas continuem relevantes – e, portanto, escolha consciente dos consumidores – elas devem conciliar duas características: baixo atrito e experiência.
As lojas precisam remover os obstáculos que separam o cliente da compra e que envolvem facilidade em chegar, parar, entrar, entender, encontrar, comparar, informar-se, pagar, sair e trocar. A tecnologia permite aumentar produtividade, melhorar fluidez de processos e municiar equipes de lojas com mais informação e ferramentas para reduzir atrito para os clientes. Adoção de ferramentas móveis para acesso a dados de clientes, informações de produtos e estoques, consulta de “prateleira infinita”, processamento de vendas e trocas e captura de meios de pagamentos removem atrito.
De outro lado, é preciso elevar o grau de experiência das lojas, o que passa por edição de sortimento, execução de produtos e visual merchandising, customização, experimentação, integração ao mundo digital e envolvimento humano.
A Nike inaugurou no final de 2016 sua mais nova loja conceito em NY, que reúne a nova visão de experiência de varejo da marca. Os caixas foram eliminados, vendedores recebem chamados de clientes, acessam estoque e processam compras (inclusive para entrega ou para retirada em outra loja) em smartphones. Os diversos elementos de interatividade e experiência da loja gravitam em torno do aplicativo Nike+. A loja dispõe de serviço de concierge pessoal (agendado pelo aplicativo), teste e experimentação de produtos (para usuários do aplicativo), experiências com realidade aumentada. Além disso, o modelo de gestão valoriza e incentiva a loja a integrar opções de compra via aplicativo, retirada de produtos em lojas, recebimento de compras digitais. Há um lounge com provadores maiores e mais confortáveis exclusivos para as mulheres.
Já a Amazon voltou a surpreender e desafiar o varejo no final de 2016, ao inaugurar em Seattle uma loja de proximidade (minimercado) que se caracteriza como um supermercado sem atrito. Nela, os clientes são identificados pelo aplicativo ao entrar, pegam livremente os produtos disponíveis (que são automaticamente adicionados a seu carrinho de compras) e saem da loja tendo o pagamento debitado pelo aplicativo. Foram combinadas tecnologias de reconhecimento de imagem, inteligência artificial, fusão sensorial, máquinas inteligentes e interação com aplicativo. O projeto é piloto restrito a funcionários e será aberto ao público em abril de 2017.
5) Transformação digital – trata-se do tema dominante para o varejo. O impacto do mundo digital representa o maior desafio estratégico para as organizações de varejo nos mais diversos segmentos e mercados. Para enfrentar o processo, as empresas precisam fazê-lo a partir do cliente. Consumidores não se relacionam ou compram de canais, mas de marcas.
A transformação digital pressupõe fundamentos (arquitetura de sistemas e infraestrutura) que permitam visualizar o fluxo de produtos e os clientes nos diversos canais. Sua execução se materializa pelo desenvolvimento de cultura digital. A transformação digital é acima de tudo transformação organizacional Ae a empresa não envolver e engajar as pessoas, repensando governança, modelo de gestão e desenho organizacional, o processo não evoluirá.
As empresas de varejo também precisam repensar seus modelos de negócio, o que significa definir o cliente; a capacidade da empresa em gerar valor para ele; seu negócio; e as formas de geração de receita e resultados. O Westfield, um dos principais grupos empreendedores de shopping centers no mundo, abraçou há cerca de três anos profundo processo de transformação digital e revisão de modelo de negócios. A empresa implantou lab de inovação, redesenhou sua arquitetura de sistemas, implantou iniciativas como aplicativos, compra online para retirada no shopping, acesso a estoques de lojas, controle digital de estacionamento e ativação de clientes. De outro lado, passou a desenvolver novas fontes de receitas, ligadas a eventos, locações temporárias, mídia e prestação de serviços envolvendo inteligência analítica e iniciativas digitais.
6) Cultura e engajamento – o varejo continuará sendo um negócio de gente para gente. Consumidores buscam crescentemente transparência e identificação com valores e princípios em suas escolhas de marcas, produtos e lojas. A sustentabilidade dos negócios dependerá de engajamento de pessoas. O ponto de partida é o propósito, razão de existir do negócio; ele se apoia em princípios, valores e causas; exemplo e liderança inspiradora moldam cultura, que permite engajar colaboradores que engajarão clientes. As empresas de varejo precisam comunicar de forma mais transparente e explícita seu propósito, valores, causas e compartilhar sua cultura, pois isto permite criar identificação e conexão com consumidores e partes interessadas.
Globalização, novas tecnologias, explosão de dados e mundo digital, são fatores de incerteza e instabilidade para empresas e negócios. Empresas com cultura forte e pessoas engajadas terão condições de adaptar-se e reinventar-se mantendo seus negócios relevantes e lucrativos.
Fonte: O Negócio do Varejo