Os pequenos luxos do cotidiano ficaram um pouco mais longe do brasileiro. Para provar um macaron da Ladurée ou experimentar uma bermuda de praia da Vilebrequin, o jeito agora é comprar uma passagem para a França ou para qualquer outro país onde estas marcas estão presentes. Os dois anos seguidos de recessão no país afetaram o perfil de compras até do cliente de alta renda. Com isso, grifes internacionais do segmento de luxo que desembarcaram por aqui quando a economia estava em expansão, começaram a fazer as malas em busca de mercados mais rentáveis.
Entre os ícones locais desse segmento no varejo, o naufrágio da Daslu, que acaba de fechar sua loja no shopping JK Iguatemi, em São Paulo, por atraso nos aluguéis, é o movimento mais emblemático da abrangência da crise.
Se até pouco tempo o segmento parecia imune à recessão, o desempenho em 2016 mostra que o setor perdeu um pouco do brilho. Dados da Euromonitor indicam que as vendas do segmento de luxo crescerão 5% este ano, contra a média de 9% da última década, e o auge de 11% em 2013.
Um dos segmentos nos quais esse movimento foi mais intenso é o de automóveis de luxo. Após três anos consecutivos de expansão, Jaguar, Land Rover, BMW, Mercedes e Audi acumulam queda de 27,3% nas vendas até novembro, segundo números da Anfavea, associação que reúne as montadoras.
Guilherme Machado, analista de pesquisa da Euromonitor Internacional, explica que o cenário instável também prejudica a confiança do consumidor mais rico, que passa a ser mais criterioso com seus gastos.
— Até o padrão de compras dos consumidores de alto poder aquisitivo se tornou mais conservador — resume Machado.
Dificuldade em entender o gosto do brasileiro
Bruno Pamplona, consultor especializado no mercado de luxo, percebe as mudanças no dia a dia. Em sua empresa, ele atende famílias milionárias e as auxilia a comprar bens de alto valor, como barcos, aviões, imóveis e carros. Ele relata que, desde o ano passado, predomina o receio quanto ao futuro. A apreensão não só afeta o tamanho dos gastos, como faz o consumidor concentrar suas compras em marcas mais reconhecidas, como Louis Vuitton e Chanel.
— O mercado de seminovos está muito mais aquecido. Hoje, a família que me procura para comprar um carro, por exemplo, opta por adquirir um zero quilômetro para o patriarca e seminovos para a esposa e o filho — exemplifica.
Outro movimento que perdeu fôlego com a crise, segundo o especialista, é a importação de barcos e aviões, que estava forte há dois anos.
— O câmbio encareceu demais as transações. Além disso, não é possível prever qual será a cotação daqui a uma semana. Sendo assim, esse público tem preferido comprar um usado que já está aqui — detalhou Pamplona.
O Brasil é o 19º maior mercado de consumo de luxo no mundo. Se descontada a inflação, a Euromonitor conclui que as vendas do segmento fecharão o ano com retração de 3%.
— Além da crise, percebemos também que algumas empresas que fecharam ao longo deste ano não encontraram um casamento feliz de seus conceitos de produto com o gosto dos brasileiros. As linhas predominantemente retas e as cores mais sóbrias da Lanvin, por exemplo, não causaram o apelo ambicionado nos consumidores brasileiros de luxo — ponderou Machado, da Euromonitor.
Demanda mais fraca, altos impostos e o câmbio são os fatores que impactaram as atividades das marcas estrangeiras que decidiram deixar o Brasil. A Ladurée, exemplo, vendia cada macaron por R$ 11, antes de fechar. O valor é exatamente o mesmo que a marca pagava para importar cada doce. Outra empresa do segmento alimentício que encerrou a atividade é a espanhola de chocolates CacaoSampaka.
Relatório elaborado pela Millward Brown tem conclusão na mesma linha da Euromonitor: as dez marcas mais poderosas do ramo perderam US$ 5 bilhões em valor ao longo deste ano, uma redução de 5%, para US$ 99,7 bilhões. Em 2015, a consultoria havia registrado a primeira retração no valor dessas marcas, de 6%, equivalente a US$ 7 bilhões, para US$ 104,6 bilhões. Entre as razões para a perda de valor, segundo relatório da Millward, está o menor consumo brasileiro.
“O crescimento mais lento no Brasil, Rússia e China impactou os valores de certas marcas. E a força do dólar dos EUA também impactou negativamente as vendas de marcas americanas ofertadas no exterior ou compradas nos EUA por visitantes estrangeiros”, explica o relatório.
Recuperação só em 2018
A pesquisa da Euromonitor também identifica um arrefecimento do consumo de luxo em todo o mundo. Machado explica que ao longo de 2016 os mercados de luxo considerados consolidados, como os da França e de Hong Kong, e os emergentes, como Rússia e Brasil, sentiram impactos de problemas econômicos vividos em seus países. Ele pondera porém que a Índia e o México têm mostrado crescimento vigoroso nas compras deste tipo de artigos.
O maior mercado de luxo do mundo é o americano, representando 21% das vendas globais em 2016. China e Japão vem em segundo e terceiro lugar, respectivamente.
E as perspectivas para o segmento no Brasil não são animadoras. A Euromonitor indica ainda que para 2017 a estimativa é de um crescimento módico de vendas de 1% acima da inflação. A recuperação, segundo a consultoria, só deve começar em 2018 e, mesmo assim, ainda longe dos dois dígitos nos próximos cinco anos.
— A recuperação deve começar a acontecer somente em 2018 e mesmo assim o crescimento não deve voltar aos dois dígitos pelos próximos cinco anos. Nesse período o Brasil deve ultrapassar a taxa de crescimento médio mundial e se reaproximar de taxas de crescimento mais elevadas, como aquelas que o México tem apresentado — detalhou Machado.
Outro indicador da perda de encanto do mercado brasileiro, segundo o levantamento, é a diminuição do interesse de grifes de luxo negociarem sua entrada no país. “Assim, prevemos entrada de poucas marcas no Brasil. Essas poucas entrantes e as que se mantiveram no país deverão disputar acirradamente a preferência do consumidor”, analisa a Euromonitor, em relatório que acompanha os dados da pesquisa.