Em entrevista exclusiva a SM, o papa da gestão empresarial Vicente Falconi explica que é preciso se dedicar mais a controle financeiro, operação enxuta e produtividade. Sem isso, a roda não gira
O país está confuso. As vendas andam difíceis e o consumidor vive inseguro. Em vez de engrossar o caldo de queixas e frustrações, o melhor é agir. Ser o sujeito das mudanças e assumir a responsabilidade pela recuperação dos negócios. Muito do que pode ser realizado está nas mãos de cada empresário (e não do governo). Suas decisões podem abrandar e até reverter a crise em benefício próprio, de funcionários, clientes e fornecedores. Para ajudá-lo, SM publicará, até o final do ano, uma série de reportagens sobre como agir para fazer a roda girar.
A primeira é uma entrevista com o papa brasileira da gestão empresarial Vicente Falconi. Ele mostra que é preciso mais do que mercado favorável e ímpeto empreendedor. É essencial uma gestão eficiente. E o varejo, segundo ele, ainda se dedica pouco a controle financeiro, operação enxuta e produtividade.
Em épocas de crise econômica, o mantra costuma ser: reduzir despesas, elevar eficiência e aumentar a receita. Isso não é óbvio demais?
A questão é que o varejo alimentar precisa trabalhar esses pontos de maneira contínua. Quando a economia vai bem e a receita aumenta, esquece a eficiência e as despesas. Logo, quando o mercado encolhe, sofre mais. Já o varejista que nunca negligencia gastos e eficiência se mantém saudável e obtém melhores resultados.
A gestão do capital empregado é um dos pontos negligenciados?
Sim. Existem empresários que nem sabem o que é isso. A gestão de capital envolve ativos que podem ser convertidos em capital de giro. Exemplo: vendas a prazo. Se o cliente paga com cartão de crédito, que demora para ser compensado, e o varejista não considera isso na hora de negociar prazo de pagamento com o fornecedor, acaba comprometendo o caixa. Por isso, algumas redes precisam buscar crédito no banco. Muitas vezes o capital da empresa está todo aplicado em ativos que não geram liquidez. Imóveis e veículos também são exemplos de capital imobilizado. Não convém ser dono do imóvel destinado à loja. É preferível alugar o espaço a fim de liberar recursos para a expansão da rede.
Como gerar mais capital de giro nesse momento recessivo?
Reduzindo despesas onde for possível: energia elétrica, operação, folha de pagamento, abastecimento, estoque. Isso ajuda a gerar mais capital de giro. Sem caixa, o que resta é empréstimo. Como o custo é alto, isso acaba fazendo a empresa se afundar em dívida.
E quando a empresa já está endividada?
Aí é importante, entre outras decisões, se desfazer de ativos, como terrenos, para obter dinheiro imediato. Mas a reestruturação principal é a financeira, coisa com a qual o varejo alimentar precisa se preocupar mais.
Renegociar aluguéis é recomendado para enfrentar momentos difíceis?
Com uma boa renegociação é possível reduzir entre 5% e 10% as despesas com aluguel de lojas e de salas administrativas. Vale lembrar ao dono do imóvel que a oferta anda maior do que a procura, o que retarda novas locações e reduz o valor. E vale assinalar a pontualidade no pagamento e as reformas já realizadas. Convém ainda mostrar a queda na receita da loja, para mostrar a dificuldade de honrar o valor cobrado.
Qual a fórmula para reduzir despesas?
O primeiro passo é mapear todas as despesas da empresa, por meio da classificação contábil. Isso em cada loja, nos CDs, nas áreas administrativas. Assim, é possível analisar todos os gastos mês a mês, monitorando o impacto de cada um no resultado. Uma das piores maneiras de reduzir despesas é de forma linear, atingindo indiscriminadamente todos os setores. Isso é comum, mas prejudica a área que já atuava com orçamento apertado. O melhor é analisar custo por custo, departamento por departamento, para não gerar problema cortando demais onde é dispensável.
E quais seriam os ganhos da análise departamento por departamento?
Esse é um ponto importante. Quando se cria um desafio de redução por área, despesas desconhecidas acabam aparecendo. O importante é que os cortes não provoquem impacto negativo na operação. Se a temperatura do ar-condicionado oscila muito e isso eleva os gastos com energia elétrica, a solução não é desligar o ar condicionado, mas estabelecer um padrão de temperatura para todas as lojas e a área administrativa.
O corte da folha de pagamento é inevitável?
Folha inchada não é bom, mas ter pouco funcionário nas lojas é ruim. Ao reduzir gasto, é preciso considerar questões como os horários de pico da loja e as seções que mais precisam de gente. Se o varejista exagera no corte de operador de caixa ou repositor, por exemplo, contará com poucos profissionais nos horários de pico, prejudicando o atendimento. Treinar os funcionários para que possam ser multitarefas é uma saída para ter um quadro enxuto. Assim é possível realocá-los sempre que for necessário.
Mas não dá para sacrificar um pouco o atendimento em momentos de crise?
O momento exige o contrário: bom atendimento para gerar mais gente na loja e mais receita. Mesmo comprando pouco o cliente quer ser bem tratado. Há os que só valorizam preço e vão para o atacarejo. Mas há os que querem atendimento e, se não encontram, migram para o concorrente
Basta controlar o resultado geral do negócio para tomar decisões rápidas e acertadas?
Controlar o resultado geral é insuficiente. O controle financeiro deve envolver o acompanhamento e a comparação de despesas, faturamento e lucratividade loja a loja, seção a seção. Mas uma boa parte das redes supermercadistas ainda não faz isso. Sem esse controle, não é possível saber o que acontece dentro da empresa – os entraves e as oportunidades – e, portanto, torna-se difícil tomar boas decisões.
O senhor pode dar um exemplo?
É necessário saber, por exemplo, que unidades estão com baixo desempenho. Isso para identificar os problemas e desenhar as soluções. Talvez seja importante adequar sortimento e melhorar atendimento. Talvez o resultado esteja ruim por excesso de estoque, o que eleva demais o custo. E pode ser que, mesmo agindo com eficiência, a loja continue deficitária. Aí a saída só pode ser fechar as portas, para que a unidade deixe de prejudicar o negócio como um todo.
Mas fechar lojas é uma decisão difícil
Um problema comum entre os supermercadistas é se apegar demais ao negócio. Por isso, não conseguem se desfazer de unidades mesmo que estejam puxando os resultados para baixo. Isso é inadmissível, pode acabar com um bom negócio. É preciso entender que, às vezes, o mercado obriga a empresa a se encolher, a fim de adquirir forças para uma expansão saudável.
Como elevar o tíquete médio?
Em média, a cada dez clientes que entram na loja, seis ou sete realizam uma compra. A loja tem que conseguir elevar o tíquete médio de, pelo menos, um desses seis ou sete. E isso se conquista com bom atendimento, ações de marketing, preço acessível, mas principalmente com sortimento adequado em todos os grupos de categorias: rotina, conveniência, sazonais. A exposição também deve estimular o consumo
Dá para elevar em 1% ou 2% a margem de um produto que está vendendo bem?
Em alguns casos, sim. O consumidor não vai notar e vai continuar comprando. Essa medida funciona com itens de maior valor agregado, que não têm presença constante na cesta do cliente e, portanto, em sua memória de preço. É preciso criar pontos extras para chamar a atenção sobre esses itens e criar ações de merchandising em parceria com fornecedores.
Qual deve ser o foco do varejo neste momento?
Tem de fazer o básico bem feito e manter uma atitude inconformada com seus resultados. Acompanhar, medir, comparar os números e, a partir daí, encontrar oportunidades.
Fonte: Supermercado Moderno