Quatro casinhas, com letreiros de neon, funcionam como um verdadeiro polo de economia colaborativa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. São elas: a House of Work, onde pessoas podem se juntar para trabalhar; a House of Food, onde podem se juntar para cozinhar e comer; a House of Learning, para ensinar e aprender; e a House of Bubbles, um bar-lavanderia, onde também funciona a Roupateca, uma espécie de “Netflix para roupas”.
Juntas, as quatro casas formam a House of All, que se apresenta como “uma rede de espaços vocacionados e colaborativos de pequeno porte e alto impacto”. Elas foram criadas por Wolfgang Menke, que apesar do nome de gringo, é brasileiríssimo.
Wolf, como é conhecido, criou as quatro casas em um espaço de três anos. A primeira delas foi a House of Work. Ela funciona como um espaço de coworking. É como um escritório compartilhado: as pessoas podem alugar mesas ou salas inteiras por um dia ou por quantos meses quiserem. Lá, trabalharão ao lado de vários outros desconhecidos que desejam a flexibilidade do espaço.
Na sequência, veio a House of Food. Nela, qualquer um pode ter um restaurante por um dia. O interessado paga o aluguel (R$ 280 a diária) pela cozinha industrial e, todo o lucro do que ele vender, vai para seu bolso. Falamos mais dela aqui.
Pouco tempo depois nasceu a House of Learning. É um espaço aberto para ensinar e aprender. O interessado pode alugar uma espécie de mini auditório, onde pode dar suas conferências, palestras ou cursos. Ele paga o aluguel de acordo com o preço que cobrar pelo seu ensino. Se for dar uma aula gratuita, por exemplo, paga apenas uma taxa de limpeza.
Agora, em maio, deve estrear a House of Bubbles. É uma lavanderia, no estilo self-service, que conta com um bar. Mas, o mais interessante mesmo fica no andar superior do sobrado, onde funciona a Roupateca. É como uma biblioteca de moda. A pessoa pode pagar uma mensalidade entre R$ 100 e R$ 300 e levar para casa de uma a seis peças de vestuário. Ela fica com a roupa por dez dias e depois, lava, devolve e pode pegar outras.
Como começaram as casas de economia colaborativa
Wolf, que é designer, estava cansado da vida em agências de publicidade. “Eu estava em uma rodinha de rato: trabalhava em uma coisa que eu não acreditava muito para ganhar um dinheiro, que me daria conforto para descansar e voltar a trabalhar mais naquilo que não gostava. Não via sentido nisso”, conta ao Free The Essence.
Ao mesmo tempo, ele já vivia a economia compartilhada no dia a dia. “Eu adorava, por exemplo, alugar minha casa no Airbnb. E, quando viajava, sempre queria usar o Airbnb para ficar na casa de alguém, ficar amigo daquela pessoa e conhecer a cidade a partir da visão dela”, conta.
Até a senha de Wifi do apartamento de Wolf funcionava na lógica compartilhada. A rede se chamava “wifixpiza” e o empreendedor oferecia a senha da internet para qualquer vizinho que lhe pagasse uma pizza.
Mas a história das casas começa mesmo em 2013, quando, querendo sair desse paradoxo, encontrou uma pequena casa em Pinheiros. Queria alugá-la para montar um coletivo para amigos e artistas apresentarem seu trabalho para o mundo. “Logo percebi que iria à falência. Artista nunca tem dinheiro e amigo nunca paga”, brinca.
A solução foi alugar a casa e transformá-la na House of Work. A ideia da House of Work, no entanto, nunca foi ser apenas um espaço de coworking convencional. Wolf conta:
E foi exatamente isso que aconteceu. “A galera se juntou e começamos a entregar diversos projetos para grandes empresas e acabamos nos tornando uma espécie de anti-agência”, diz.
Em três meses a casa estava cheia e já se pagava. Os trabalhos não paravam de surgir e o negócio estava crescendo. Pouco tempo depois, surgiu a oportunidade de alugar outra residência, no mesmo quarteirão. Havia um porém: essa vinha com uma cozinha industrial. Daí veio a ideia de transformá-la também em um restaurante compartilhado.
O processo para a House of Learning foi a mesma coisa. Mais uma casa ficou desocupada no quarteirão, Wolf alugou, e resolveu criar um espaço para dividir a educação. É uma das casas que, diretamente, menos dá dinheiro, mas que Wolf considera das mais importantes. “Compartilhar capital intelectual é algo do maior valor. O negócio, apesar de se pagar, não é tão rentável quanto as outras casas. Mas quando penso nas pessoas que conhecemos por causa da Learning, vejo que ela faz todo sentido”, conta.
E, por fim, veio a Bubbles, que é um mix da Roupateca no andar de cima e uma lavanderia no andar de baixo.
Levando a economia colaborativa pelo mundo
As casas vão se espalhando. Wolf transformou os modelos das casas em franquias. Assim, já nasceu uma nova House of Learning no Rio de Janeiro e outra em São Paulo; mais uma House of Food no Rio de Janeiro e uma última em Belo Horizonte.
Há expansões internacionais em vista também. Wolf promete que, em breve, deverá estrear uma casa em Londres e outra em Paris. “Ali é a capital da moda e da gastronomia, dois temas com que trabalhamos bem”. Também tem intenção de criar algo nos EUA. “Quero fundar minhas casas lá, e depois começar a vender franquias”, conta. O empreendedor admite que deverá procurar sócios para entender melhor a cultura de cada país e fazer as adaptações necessárias.
No entanto, um dos maiores desafios não é nem criar uma das casas em outro país. É criar nas periferias das cidades brasileiras. Há um tempo, Wolf tenta desenvolver um de seus negócios em alguma comunidade de São Paulo, mas diz que ainda não encontrou o articulador certo.
“Bem ou mal, é algo que precisa de dinheiro para fazer”, conta. Esse articulador seria um dos franqueados. O interesse em criar um espaço na comunidade não vem ao acaso. Wolf acredita que é lá que estão as grandes oportunidades.
“Esse tipo de coisa, com a escala certa, pode atingir muito mais gente. O que você precisa fazer é aproximar um cara desses com o empresário da Berrini”, defende.
A casa na comunidade, no entanto, seria um negócio social. Qualquer lucro que ela tiver, deve ser reinvestido no próprio espaço para ampliar seu impacto. A ideia, apesar de ainda não ter sido colocada em prática, foi selecionada pela Yunus Negócios Sociais, aceleradora de negócios sociais, fundada pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus.
Os desafios da economia colaborativa
Apesar de as casas irem bem, Wolf ainda enfrenta uma série de desafios. “Acho que um dos maiores é em relação à questão jurídica”, conta. “A lei tem muitas brechas. E, para coworking, elas são gigantescas. Falta legislação específica para o compartilhamento”, diz. “Como você fala que algo é de todos e não tem dono? Quando é de todo mundo, quem é o responsável por tudo isso?”, questiona.
Na falta de uma lei específica, Wolf diz que acaba assumindo as responsabilidades por tudo. Felizmente, diz que nunca teve problemas, uma vez que só trabalha com quem ele confia. “A confiança é um dos princípios da economia compartilhada”, diz.
Há outras preocupações. Uma delas é viver em harmonia com o bairro e a cidade. O empreendedor conta que, com o objetivo de respeitar seus vizinhos, sempre evita que os usuários das casas possam causar qualquer problema. Além disso, fecha os locais no máximo à meia-noite e sempre respeita a lei. “A legislação não existe à toa. Ela está lá porque os limites precisam ser respeitados mesmo”, diz. “É por essa visão que temos uma relação tão tranquila com o bairro”.
Tocar tudo isso exige muita dedicação. Mas Wolf diz que não vê separação entre trabalho e lazer. Chega todos os dias às 08h e sai à meia-noite. “Quando você faz algo com propósito, você já encara o trabalho como vida pessoal. Quem fala que divide os dois está mentindo. São indivíduos que só vem para fazer o dinheiro e ir embora. E eu odeio essas pessoas”, diz.
Encontrar o propósito, no entanto, não é algo tão simples. Segundo ele, é muito mais uma questão de tentativa e erro. “Você vai testando e percebendo. Mas, quando acha algo em que acredita, simplesmente segue”.