Por Paulo Gratão | Consolidação de canais digitais, expansão para o interior e algumas fusões e aquisições ajudaram a definir o mercado de franquias em 2023, ano em que o sistem atingiu nove trimestres consecutivos de alta no faturamento. Apesar de se mostrar resiliente frente aos desafios econômicos, o franchising não ficou imune às crises que movimentaram o mercado.
As reestruturações e recuperações judiciais que marcaram o varejo em 2023 também respingaram sobre o setor. A Americanas, que controla o grupo Uni.co — dono de marcas como Imaginarium e Puket—, colocou o ativo à venda para se capitalizar. A SouthRock, que comanda a Starbucks no país, também era máster-franqueada da Subway, e teve sua RJ aprovada em dezembro. Enquanto isso, a Natura vendeu a The Body Shop por um preço bem abaixo do que pagou pela rede, em 2017. A rede de hamburguerias Bullger também vem tentando sair de uma crise que se arrasta desde 2021.
Franquias
Adriana Auriemo, vice-presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), diz que o ano foi de consolidação das vendas digitais. “Um medo que as franqueadoras tinham era de que isso causasse um conflito entre os canais, mas boa parte conseguiu trazer isso para o universo da loja e hoje vemos transações em redes sociais e WhatsApp, por exemplo, com mais naturalidade”, diz.
Quanto à expansão das marcas para o interior do país, um dos fatores que puxou o crescimento, segundo Auriemo, foi a ascensão do agronegócio, o que ajuda a estimular economias locais. Melitha Novoa Prado, advogada especializada em franchising e varejo, pontua que isso, inclusive, pode ter segurado o investimento das marcas em internacionalização. “Como ainda há bastante oportunidade de expansão no mercado interno, as marcas preferiram continuar crescendo por aqui, com menor risco”, avalia.
Confira, a seguir, 7 tendências para o setor de franquias em 2024, na visão das duas especialistas consultadas por PEGN:
1. Microfranquias e cidades pequenas
As redes que demandam um investimento inicial de até R$ 135 mil vêm em uma trajetória de ascensão nos últimos anos e devem continuar crescendo. Os formatos, no entanto, devem variar ainda mais. Marcas home based e minimercados de proximidade, autônomos ou com atendimento físico ganharão ainda mais espaço. Redes tradicionais também devem continuar desenvolvendo formatos diferentes e com menor investimento para se consolidar em cidades do interior. “Com a tecnologia que temos hoje, de treinamento e suporte virtual, as franqueadoras conseguem entrar em locais menores, onde antes o custo era inviável”, diz Auriemo.
2. Indústria “varejando”
Thais Kurita, advogada especializada em franquias e varejo, diz que o setor deve ver cada vez mais redes vindas diretamente da indústria, como Casa Bauducco e Omo (da Unilever). “A indústria entendeu que tem no varejo uma forma de expansão, ampliação de seus canais de distribuição e melhora de relacionamento com clientes. Elas podem usar o franchising não apenas como uma forma de escoar produtos, mas para se fazer presente na memória do consumidor”, diz.
3. Economia circular e ESG
Auriemo acredita que as redes devem intensificar compromissos ambientais e apoio a causas sociais. “Não existe mais a opção de não fazer”, diz. Mais do que isso: na visão da vice-presidente da ABF, a sustentabilidade pode ajudar a impulsionar negócios de economia circular, como brechós, aluguel de brinquedos e energia solar, por exemplo.
4. IA e tecnologia
Para o próximo ano, as especialistas veem a inteligência artificial ainda mais inserida em aspectos como controle de estoque, sortimento, relacionamento com consumidor, desenho de campanhas de marketing, entre outros. “O bom uso da IA ajudará os franqueados a realizarem tarefas com mais eficiência e eficácia, deixando-os com tempo livre para ser estratégicos”, diz Melitha Novoa Prado.
Auriemo acredita que a tecnologia deve começar a frequentar também as reuniões de expansão das franqueadoras. “Tenho certeza que um profissional que saiba usar bem a IA será um dos perfis mais buscados pelas franqueadoras em 2024. Poderá ajudar na análise do ponto de venda, na seleção de perfil e na previsão de custos com obra, entre outras etapas”, diz.
5. Evolução dos segmentos
Os segmentos devem experimentar uma evolução dos serviços oferecidos, como as redes de educação, que passaram a buscar complementação para seus currículos, e as marcas de alimentação, que devem aprimorar a atuação no delivery, por exemplo, com consultorias específicas, além de trazer novidades para os cardápios.
Redes de estética devem avançar com o “fast-beauty” e atrair ainda mais o público masculino com soluções direcionadas. O implante capilar, que passou a ganhar terreno em 2023, deve se consolidar no próximo ano.
Auriemo ainda cita o potencial de crescimento de negócios direcionados ao cuidado de idosos, como cuidadores e instituições de longa permanência para idosos (ILPIs). Prado e Kurita chamam a atenção para a “bancarização do sistema”, que deve continuar atraindo grandes instituições para o sistema por meio de empresas de menor porte, como empresas de crédito e seguradoras.
6. Negócios inexperientes
Prado e Kurita observam que a visibilidade que o setor tem ganhado também tem atraído — e deve continuar atraindo — negócios que não foram suficientemente testados e redes que inauguram franquias por meio de processos seletivos praticamente automáticos e sem critério. A combinação dos dois fatores deve acentuar a busca por solução jurídica de conflitos. “A consequência é a impressão equivocada de que franquia não é um bom negócio”, diz Kurita.
7. Humanização das relações
Empresas mais estruturadas devem viver uma crescente na humanização do relacionamento com os franqueados, algo que já vem sendo fomentado desde 2020. Além das ferramentas jurídicas, redes têm buscado aprimorar técnicas de comunicação não-violenta, empatia cuidadosa e escuta ativa. “Há uma corrente no franchising que trabalha para promover relações cada vez mais humanizadas entre os parceiros”, diz Prado.
Fonte: PEGN