Com os olhos voltados em fazer a própria lição de casa, o CEO (Chief Executive Officer) do Magazine Luiza (MGLU3), Frederico Trajano, prefere não discutir o que acontece com as rivais. Por outro lado aponta, com animação, o que está acontecendo no próprio quintal: a transformação do modelo de negócios do Magalu – e que fez a companhia ter uma verdadeira virada na bolsa nos últimos dois anos. Um novo sinal disso foi observado através da divulgação dos resultados da companhia, no dia 31 de outubro, quando a varejista bateu as estimativas já altas do mercado.
Em entrevista ao InfoMoney logo após o resultado, Fred destacou otimismo com a economia brasileira, que deve impulsionar os resultados da companhia. Já sobre a possível “ameaça Amazon” no longo prazo (e que azedaram os papéis da companhia nas últimas semanas), o CEO ressalta: “aposto muito no nosso modelo”, que traz, com base em cinco pilares – multicanalidade, digitalização de lojas físicas, inclusão digital, transformação do site em uma plataforma digital e cultura digital – a combinação do digital com as lojas físicas, um diferencial particularmente importante em um País com tantos problemas de infraestrutura como o Brasil.
Lembrando do cenário difícil para a companhia no início de 2016, quando assumiu a presidência da companhia, Trajano afirma que os frutos foram colhidos antes do esperado – e espera que novos frutos sejam colhidos em breve. E é bom ficar de olho no que o CEO tem a dizer: afinal, desde que ele assumiu a companhia, os papéis MGLU3 já saltaram mais de 3.300% em dólares, superando o desempenho de 5 mil empresas da América Latina e dos EUA, conforme apontou estudo da Economatica. Confira a entrevista com Frederico Trajano abaixo:
InfoMoney – O resultado do Magazine Luiza foi considerado excelente e acima das estimativas. Porém, muitos analistas e gestores ainda veem a expansão da Amazon como o único motivo para ficar com o “pé atrás” em relação à companhia. Qual a sua avaliação sobre esse cenário?
Frederico Trajano – Tenho evitado ficar apontando concorrente, não quero alimentar a retórica do mercado, seja sobre Amazon, Via Varejo ou B2W. Nós temos acertado bastante o que estamos prevendo e estamos bastante otimistas, independentemente da alteração do cenário competitivo.
O maior competidor do Magazine Luiza é o desempenho em comparação ao trimestre anterior e é o que tem sido mais difícil de lidar. A alteração no cenário competitivo terá pouco impacto nos próximos trimestres e, por outro lado, haverá impacto positivo com a volta do consumo e do crédito, que estavam represados e destravam de maneira acelerada. Isso pode ser visto na temporada de balanços: tirando empresas que tenham problemas de execução, as varejistas em sua maioria estão com resultados muito positivos. Esse foi o nosso caso: mesmo com a expectativa, que era muito grande, nós conseguimos superar e registrar o maior crescimento trimestral nos últimos cinco anos.
Assim, estamos convictos de que o maior concorrente é a nossa base de comparação, uma vez que estamos otimistas de que o cenário econômico que enfrentaremos é bastante favorável. Além disso, ano que vem é ano de Copa, período em que costumamos ter uma boa performance. Estamos num momento de boa execução e, dessa forma, o nosso desempenho depende muito mais da gente que do mercado. A nossa equipe também estará muito atenta aos detalhes, com muito carinho na execução e sem desperdiçar esse bom momento da economia.
IM – No longo prazo, pode haver uma mudança mais relevante no cenário competitivo?
FT – Enquanto não há mudança significativa na concorrência no curto prazo, a longo prazo, a mudança pode ser mais relevante. Porém, aposto muito no nosso modelo, estamos em um momento de geração de caixa boa, extremamente capitalizados e com o melhor modelo de negócios para capturar o desenvolvimento do e-commerce brasileiro com rentabilidade. Isso porque temos plataforma digital com ponto físico – em outras palavras, o marketplace multicanal. Acredito que, dadas as peculiaridades do Brasil, que é a logística cara e ineficiente, a melhor maneira de endereçar o e-commerce no Brasil com rentabilidade e nível de serviço alto é tendo loja física.
Com o IPO, com o follow-on [feito em setembro pela companhia e que captou R$ 1,56 bilhão], com o crescimento da expansão de lojas e das ofertas de multicanalidade, como o Retira Loja [em que o consumidor compra pelo app ou site e retira na loja em até 48 horas sem custo de frete], que estendermos para o 3P [marketplace, modelo de negócios em que outros varejistas pagam uma comissão para utilizar as plataformas de e-commerce da empresa], o nosso modelo é o melhor para endereçar especificamente o Brasil e é algo que poucos concorrentes conseguem replicar.
Só o futuro vai dizer quem está certo ou não, mas o que posso dizer é que, se o mercado compra no boato e vende no fato, eu acho que é melhor vender o boato e comprar o fato.
IM – Quando comparadas as mensagens da administração do resultado do primeiro trimestre de 2016 com a do terceiro trimestre de 2017, havia alguns pontos parecidos sobre a estratégia da empresa, mas a empresa não vinha bem no início do ano anterior. A mudança na trajetória foi mais rápida do que você esperava, o quanto te surpreendeu?
FT – Naquela época, estávamos iniciando um novo ciclo estratégico, de sair de um varejo tradicional com área digital para uma plataforma digital com pontos físicos, tendo como base cinco pilares – multicanalidade, digitalização de lojas físicas, inclusão digital, transformação do site em uma plataforma digital e cultura digital.
Muito do que falávamos eram planos, projetos, e o que eu fico mais feliz e confiante ao longo desses trimestres é que implementamos muita coisa até mais rápido do que imaginávamos. Estamos transformando um discurso em realidade com uma velocidade de execução muito grande. Nós tínhamos um slogan antigo que era “a empresa que fala e faz”, usado para ofertas (se falamos da oferta, fazemos na loja). E agora é isso o que falamos para o mercado: colocamos uma visão estratégica e implementamos com muita disciplina, com várias novidades em todos os trimestres e os números são decorrentes da implementação dessa estratégia.
No ano passado, apesar de termos feito um trabalho básico de aumentar participação e reduzir custos, plantamos várias sementes que foram a implementação do marketplace, o desenvolvimento do aplicativo, a digitalização do vendas mobile, a implementação do vendas mobile nas lojas, implementação mais abrangente do Retira Lojas – todas essas sementes foram colhidas esse ano. O interessante é que novas sementes estão sendo plantadas agora para os próximos trimestres, como o carnê digital e o mercado Magalu.
O que me deixa satisfeito é que, além de estarmos entregando no curto prazo, continuamos plantando várias sementes para colhermos no longo prazo. A diferença mais significativa na comparação entre esses dois períodos é que a economia também está mais favorável. No biênio 2015-2016, vivemos um momento muito duro, talvez os dois piores anos da história da economia brasileira. Navegamos bem, o que aumenta a confiança em um momento em que a economia estará melhor. O mercado tem que incorporar mais esse aspecto mais econômico das projeções e um pouco menos de preocupação com relação ao ambiente competitivo. Porque o macro tende a ser muito mais relevante que o micro.
IM – Você apontou ter uma visão positiva para 2018, mas o próximo ano é de eleições, com perspectiva de um ambiente bastante incerto e que pode afetar as perspectivas para a economia no ano que vem. Qual a sua avaliação sobre esse cenário?
FT – Acho que todos os executivos do Brasil estão absolutamente antenados com relação à eleição do ano que vem, que é um componente de imprevisibilidade grande. Existe um risco eleitoral significativo de ganhar uma corrente populista. Obviamente, todos os empresários estão procurando evitar, de maneira democrática, que isso aconteça, para que a corrente que entre seja racional e que mantenha esse processo de recuperação da economia brasileira. Isso é importante para todo mundo, ricos e pobres, em todos os níveis sociais.
De qualquer forma, estamos preparados para lidar com esse cenário volátil. Acabamos de fazer uma oferta cujo capital colocamos no caixa da companhia, estamos antecipando pagamento de parte significativa da nossa dívida bancária e provavelmente nós vamos terminar o ano que vem com a dívida bancária zerada uma vez que também estamos gerando caixa também. Estamos avaliando o nosso nível de liquidez e temos também uma estrutura de capital muito robusta para que, na eventualidade de qualquer cenário desfavorável econômico, estejamos muito preparados do ponto de vista financeiro.
E, apesar de tudo, independente do cenário eleitoral, uma coisa que temos que apostar é que o e-commerce no Brasil vai crescer. Esse crescimento é secular, acontecerá com crise ou sem crise, como cresceu em 2015 e 2016, embora em ritmo mais lento. Vejo que, apesar de tudo, a empresa continua tendo uma história robusta independentemente das questões macroeconômicas porque estamos expostos a um crescimento secular do e-commerce e a acreditamos ter o melhor modelo para ele. Assim, [o cenário das eleições para 2018] pode nos afetar, mas a longo prazo continuamos otimistas com a economia e com o Brasil.
IM – Na divulgação de resultados, vocês destacaram a expectativa de entrar no Ibovespa, MSCI e IBX-50. No que a entrada da ação nesses índices muda para vocês?
FT – Temos observado como tendência mundial – e tenho certeza que o Brasil vai replicar essa tendência – uma certa migração de fundos ativos para passivos. Os fundos passivos estão ganhando muita participação lá fora e internamente também, inclusive participando de ofertas, o que é uma realidade incontestável.
Assim, hoje é muito importante, mais do que era 5 anos atrás, participar dos índices. Não consigo quantificar bem esse nível de importância, mas diria que hoje é fundamental estar nos principais índices Ibovespa, IBX-50, MSCI porque consegue atrair um “pool” muito maior de dinheiro para o papel e o torna menos volátil. Com liquidez e com maior participação no índice, haverá maior oferta e menor volatilidade.
IM – Neste sentido, vocês chegaram a pensar em fazer listagem de ADR (American Depositary Receipts – recibos de ações em Wall Street de empresas não listadas nos EUA)?
FT – Chegamos a avaliar. Mas optamos pela 476 (número da instrução da CVM que designa oferta de ações com esforços restritos, para um número limitado de investidores), porque ela é muito mais rápida e e queríamos executá-la na primeira janela e termos os benefícios disso.
Mas tenho observado o avanço de todas as operações que são feitas no exterior, não somente o específico a ADRs. Vale destacar que é uma realidade que as operações no exterior em América Latina, com forte componente digital, tiveram uma demanda muito grande e esse é um fenômeno que a gente tem que observar. A Decolar.com foi um ótimo exemplo disso.
Nós não vamos fazer nada agora porque acabamos de fazer uma oferta, mas isso é algo que tem que estar no escopo de estudo de empresas que querem abrir capital, principalmente empresas com componente digital forte. Grande parte dos fundos que conhece digital de verdade às vezes nem acessa diretamente a B3 e isso, infelizmente, é uma realidade que toda a empresa que tem esse componente tem que considerar para ofertas futuras. Mas reiteramos: nesse curto prazo, não temos nenhum plano porque acabamos de sair de uma oferta.
IM – Voltando à questão das lojas físicas, vocês têm plano de inaugurar mais trinta lojas neste ano. Qual o plano de expansão agora e no longo prazo?
FT – No longo prazo, a gente quer estar em todos os estados brasileiros. Atualmente, estamos em 17 dos 27 estados e queremos uma cobertura completa no Brasil através das lojas físicas. Este é um sonho de longo prazo.
No curto prazo, vai depender de oportunidades, se há pontos disponíveis… estamos com uma disciplina muito grande de abertura de pontos e com um foco de crescimento orgânico e não por aquisição.
Não vou falar do próximo estado ou região que vamos entrar mas, na visão de longo prazo, nós queremos estar em todos os estados e em todas as regiões, cobrindo a maior parte da população brasileira. Hoje a gente cobre menos de 50% da população brasileira no raio dessas lojas físicas e queremos ampliar significativamente ao longo dos próximos anos.
Fonte: Infomoney