Por Rebeca Ribeiro | Dentro dos ônibus, nas redes sociais, expostas em camisas de times de futebol. As apostas esportivas on-line, as famosas bets, cresceram rapidamente na vida dos brasileiros e passaram a fazer parte do cotidiano dos consumidores. Segundo o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), 52 milhões de consumidores adultos já fizeram apostas esportivas on-line.
Destes, 25 milhões começaram a fazer apostas nos sete primeiros meses de 2024. De acordo com Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, na reunião do Conselho Consultivo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última sexta-feira (04/10), o Brasil vive hoje uma “epidemia do azar”, expressão que nomeia o estudo realizado pelo instituto sobre o assunto. Isto porque muitos brasileiros têm investido nessas plataformas um dinheiro que iria para despesas essenciais.
Outro levantamento, do Instituto Locomotiva, mostra que 51% dos brasileiros utilizam, nesses sites de apostas, dinheiro que pouparam no final do mês. Outros 48% usam o que era para ser gasto em bares e restaurantes e, 41%, para compra de roupas e acessórios.
Já a pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) com a AGP revela que 19 milhões de brasileiros afirmam que já usaram dinheiro destinado a outras coisas importantes em sites de apostas.
63% dos brasileiros afirmam que já tiveram parte da sua renda comprometida com apostas. Além disso, 66% dos consumidores que já ganharam em apostas esportivas usaram ao menos uma parte do valor para apostar de novo.
As famílias de baixa renda são as mais afetadas, já que 79% dos apostadores são das classes sociais C, D e E, enquanto 21% são das classes A e B. Segundo dados do Banco Central divulgados em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram cerca de R$ 3 bilhões via Pix para plataformas de apostas.
Com isso, um alerta vermelho se acende no varejo, já que parte da renda que iria para atividades básicas como compras em restaurantes, delivery, contas, ou até mesmo para roupas e acessórios estão sendo utilizados em sites de apostas.
Para Gonçalves, do IDV, além de essas famílias deixarem de investir em gastos essenciais, as apostas nestas plataformas acendem também um alerta para problemas na saúde mental, assim como para a inadimplência.
A pesquisa do Instituto Locomotiva aponta ainda que 30% dos brasileiros que fazem apostas on-line já tiveram prejuízo nas relações pessoais por conta delas. Além disso, 42% afirmam que utilizam as apostas para escapar de problemas ou pensamentos negativos. E 67% dos entrevistados afirmam que conhecem pessoas viciadas em apostas.
Outro problema destacado pelo presidente do IDV é o rápido crescimento dessas plataformas de apostas, que entraram no Brasil em 2018 e hoje representam grande parte dos gastos com propaganda. Enquanto em 2023 essas empresas investiram R$ 1,31 bilhão em publicidade, em 2024, estima-se que foram investidos R$ 2 bilhões em anúncios.
Além disso, uma pesquisa da PWC/CETIC mostra que 68% dos brasileiros afirmam que tiveram influência em propagandas, anúncios, ou patrocínio em camisetas de times de futebol para apostar.
Segundo Gonçalves, é preciso que as publicidades dessas plataformas tenham as mesmas restrições de outras atividades viciantes, como tabaco e bebidas alcoólicas e, dessa forma, controlem essa ‘massa’ de anúncios.
A pesquisa ainda revela que o investimento em bets já equivale ao PIB dos principais setores econômicos, chegando em 2024 ao valor parcial de R$ 1,74 bilhão, enquanto o mercado automotivo representa, por exemplo, R$ 1,33 bilhão. O mercado de bets pode crescer 16%, atingindo R$ 176 bilhões até 2027.
Além da preocupação com plataformas de apostas on-line, Gonçalves alerta para o perigo da aprovação da PL 2234/2022, que dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional, pois abre margem para atividades como as que estão acontecendo em Campina Grande, onde há uma grande loja em que os apostadores podem ir jogar.
O QUE PODE SER FEITO
Para lidar com essa epidemia, Gonçalves destacou uma série de ações necessárias, como a taxação de impostos semelhantes à de outros vícios, como tabaco e bebidas alcoólicas, que podem ultrapassar 80% do valor final do produto, assim como restrições do uso do Bolsa Família, através do CPF, em qualquer plataforma de aposta, por qualquer modalidade de pagamento. Outra seria a obrigatoriedade de as bets custearem as despesas de saúde sobre a ludopatia, doença do vício em jogos.
Além disso, o presidente do IDV destacou a necessidade da antecipação da proibição de cartão de crédito em qualquer tipo de aposta, medida tomada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito (Abecs), na última semana.
Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP, destacou também a importância de as plataformas on-line serem regulamentadas, uma vez que hoje elas crescem rapidamente, mas não possuem regras adequadas.
Ao lado de Fábio Pietro de Souza, secretário da Justiça do Estado de São Paulo, e Luiz Orsatti Filho, diretor do Procon-SP, destacou que, desde o final de 2023, o órgão criou uma comissão para Jogos e Apostas, com o objetivo de discutir exclusivamente essa questão uma vez que o apostador é um consumidor.
Dessa forma, há um processo de divulgação dos direitos dos consumidores nessas plataformas, o processo de crédito irresponsável para apostadores e orientações sobre educação financeira.
Além disso, Orsatti destacou que através dessa comissão já encontrou diversas ações no mercado que podem ser objeto de atuação por propaganda enganosa, e destacou a importância dessa regularização. Como exemplo, citou empresas do ramo que são registradas como micro e pequenas, porém arrecadam muito mais do que as dessas categorias.
CÂMARA TÉCNICA SETORIAL DO COMÉRCIO
Durante a reunião, foi assinada a criação da Câmara Técnica Setorial do Comércio entre ACSP, Procon-SP e IDV, que tem como objetivo discutir, prevenir e resolver problemas coletivos do setor que afetam varejistas e consumidores – como é o caso das bets. Assim, a Câmara Técnica pode auxiliar os empresários em uma única sessão, evitando desgastes e mantendo o relacionamento entre fornecedores, consumidores e empreendedores.
O objetivo da Câmara é ser um canal institucional de comunicação para o setor, possibilitando um maior número de atendimentos aos empresários para facilitar a resolução de demandas.
Além do presidente Ordine e dos representantes da Secretaria de Justiça e Cidadania de São Paulo, do Procon e do IDV, participaram da solenidade o superintendente de Serviços Institucionais da ACSP Renan Luiz Silva, e o membro do Conselho Consultivo da entidade Alfredo Veloza.
Fonte: Diário do Comércio