29/12/2015 às 05h00
Por Eduardo Laguna | De São Paulo
Com o fim de um ano em que a crise tomou conta da indústria automobilística, as dificuldades não devem dar trégua às montadoras em 2016, ano em que as previsões indicam o retrocesso de uma década nas vendas de veículos novos. A General Motors (GM), a Ford e a chinesa Chery, uma novata no Brasil, já tornaram públicos cenários para o ano que vem em que consideram a possibilidade de um mercado ao redor de 2 milhões de unidades, o que significaria uma aproximação ao número de 2006, quando os emplacamentos somaram 1,93 milhão de carros, utilitários leves, caminhões e ônibus. Geralmente mais pessimistas, as consultorias que acompanham o setor estão, dessa vez, fazendo cálculos menos sombrios do que os anunciados até agora pelas montadoras, com previsões de queda que, na maioria dos casos, vão de 6% a 15%. A Fenabrave, entidade que representa as concessionárias, fala em recuo de 5%. Em qualquer um desses cenários, a queda seria menor do que tombo deste ano, que deve terminar com variação negativa de 27%, mas, mesmo na melhor das hipóteses, suficiente para levar as vendas ao patamar mais baixo em dez anos. Há quem ainda aposte na chance de o consumo de automóveis no Brasil ficar perto da estabilidade, com viés até levemente positivo. No pequeno grupo de otimistas, a Jato Dynamics, por exemplo, antevê um 2016 0,6% superior a 2015. As previsões mais positivas se baseiam, sobretudo, na base fraca de comparação ou seja, 2015 seria o fundo do poço e no calendário mais favorável, com cinco dias úteis a mais. No embalo do transporte da safra recorde de grãos, a possibilidade do início de uma reação das vendas de caminhões, que despencaram neste ano, é maior do que a de carros de passeio, dizem os especialistas. Mas projeções como as da Jato são exceção. A maioria dos consultores dá como certo o quarto ano consecutivo de baixa na demanda por veículos, o que significaria uma sequência negativa inédita em pelo menos seis décadas. Não há perspectiva de grande mudança em relação às forças que conduziram 2015 ao pior nível de vendas dos últimos oito anos. A combinação de recessão econômica com falta de confiança seguirá sendo um limitador à propensão dos consumidores a investir num carro novo. Como a inadimplência voltou a subir nas carteiras de financiamentos de veículos, os bancos não devem afrouxar seus critérios para conceder crédito, assim como o ajuste fiscal fecha portas à volta de incentivos tributários à compra de automóveis. Somamse ao quadro o avanço do desemprego, a menor disponibilidade de renda e a alta dos juros, que comprometem o poder aquisitivo, ainda que com uma inflação, conforme se espera, mais controlada em 2016. “Não há nenhum indicador que faria os consumidores se sentirem mais confiantes, o que é fundamental na compra de veículos novos”, resume Augusto Amorim, que faz as projeções sobre o mercado sulamericano para a consultoria IHS Automotive. A crise política é a variável de maior imprevisibilidade nos cenários traçados para 2016 por não se saber ao certo quanto tempo vai perdurar e até onde vai a instabilidade entre governo e Congresso. Se o impasse político se agravar e se estender durante todo o ano, adiando ainda mais a agenda de ajustes macroeconômicos, mais tempo será preciso esperar pela melhora dos índices de confiança. Por outro lado, uma definição rápida dos processos de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e da cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), dissipando algumas incertezas que estorvam a recuperação econômica, pode fazer com que 2016 termine com resultados melhores do que as expectativas, embora esse pareça ser hoje o desdobramento menos provável. “O cenário é menos catastrófico do que as montadoras estão anunciando. Trabalhamos com a tendência de queda de 7,1% das vendas de carros. Mas o quadro pode ser pior no caso de evolução do processo de impeachment, por exemplo”, diz Raphael Galante, analista da Oikonomia, ao antecipar a vulnerabilidade de suas projeções em um quadro de agravamento das tensões políticas. A tendência é mais positiva para as exportações, amparadas pelo ganho de competitividade permitido pela desvalorização do real, pelos novos acordos de livre comércio com países como Colômbia e Uruguai, assim como pelo crescimento do consumo no México, segundo maior destino dos carros embarcados pelas montadoras brasileiras. A grande incógnita é como ficará a Argentina, principal destino internacional, diante do choque inflacionário que deve vir na esteira da forte desvalorização do peso. Mas mesmo com essa ponderação, Marcelo Cioffi, sócio da PwC, aposta que as exportações terminarão o ano que vem com um acréscimo de 100 mil veículos, dando continuidade à recuperação iniciada em 2015. O dólar mais forte também vai jogar a favor do produto nacional na concorrência com os importados, ao passo que a inauguração, até março, das fábricas da MercedesBenz e da Jaguar Land Rover tornará nacionais produtos antes importados. Assim, mesmo com o alto número de estoques parados nos pátios de montadoras e concessionárias, parte dos analistas acredita que a produção vai superar o tamanho do mercado doméstico no ano que vem, algo que não é recorrente a última vez que essa situação aconteceu foi em 2008. Isso não significa que a produção voltará a crescer em 2016. Só tende a cair menos do que a demanda interna. O problema da alta ociosidade nas fábricas persistirá, o que indica a continuidade das demissões nas montadoras, conforme a maioria das análises. Tendo como base o potencial máximo de produção do parque automotivo, os cálculos da PwC mostram que o excesso de capacidade instalada da indústria automobilística ficou em 56% neste ano. Em 2016, esse percentual deve chegar a 60%. “É pouco provável que o setor consiga segurar esse nível de ociosidade sem novos ajustes de capacidade. É possível que algumas fábricas fechem nos próximos anos”, diz Cioffi.
Valor Econômico – SP