7/11/2015- 07h51min
Por THIAGO SANTAELLA
O presidente da Mormaii está em sua sala de calça jeans, camiseta e uma blusa por cima, por causa do vento forte em Garopaba. Em sua mesa, pilhas e mais pilhas de jornais, livros, revistas, propostas de negócios, ideias de novos produtos para a marca, entre muitas outras coisas. Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, conversa da mesma forma como fala com quase todo mundo, tentando abrir a cabeça da pessoa para a consciência até sugere o livro Éden: Queda Ou Ascensão?, de Ken Wilber, o maior filósofo de todos os tempos, de acordo com ele. Morongo fala de espiritualidade, gestão e sobre o fato de acreditar ter sido precursor não só na produção de roupas de neoprene para surfar, mas também no entendimento de que a marca vale muito mais do que suas fábricas e os outros bens de uma empresa.
O senhor une duas paixões: o surfe e a empresa. Acha que um dia vai parar de surfar?
Vou. Quando morrer a gente para. Não tem como não parar. Mas o que tem me mantido saudável durante todos esses anos é que eu pratico esporte. Também pratico ioga, pilates, mergulho, surfe, um monte de atividades que, assim, a gente vai enganando a morte.
E parar de ser empresário? Venderia a marca?
Essa é uma pergunta muito difícil de responder porque a gente nunca deve dizer dessa água não beberei. Mas hoje, nesse momento aqui, eu não tenho essa visão. Não estou preparando a empresa para ser vendida nem estou pensando nesse assunto. A gente foi muito assediado por fundos de investimento e etc. Mas nunca chegamos a um finalmente. Então, geralmente bate na trave. Por essas e por outras, a gente não está pensando nesse assunto. Pode ser que aconteça. Mas não é nem prioridade nem pensamento.
Quando parou de ser médico?
Quem é médico nunca para de ser médico. Até hoje a gente ajuda pessoas. Claro que não no nível profissional, mas eu deixei de clinicar profissionalmente nos anos 1980. Mas em uma surf trip lá no meio da Indonésia, no fim do mundo, você não imagina o que a gente tem que fazer às vezes, até pequenas cirurgias.
Quando costurou a primeira roupa para surfar, achava que um dia a iniciativa daria início à principal marca de surfe do país?
Como todo pioneiro, as primeiras roupas foram experiências quase a nível pessoal. Eu fiz para mim. Não fiz para vender. O que aconteceu é que, na medida em que comecei a aparecer com aquele tipo de material, alguns amigos diziam: Pô, faz uma para mim. Aí foram pedidos para fazer para loja de um parente. Foi um crescimento bastante orgânico e teve muito tempo para amadurecer a ideia de ser ou não ser uma empresa. Ao mesmo tempo que foi muito difícil ser pioneiro, foi muito fácil por não ter concorrência. O tamanho atual é apenas uma consequência de belas parcerias e muita gente ajudando. Quando comecei, o mercado não existia. Na época, as pessoas não podiam praticar o esporte no inverno e essa roupa permitiu. Podia até ter um sonho que ia ficar desse tamanho. Acreditar, mesmo, eu não sei.
Tem algum momento em que houve um estalo: isso vai ser um grande negócio?
Foi o momento em que eu tive que largar a medicina, porque cresceu de uma forma tal que eu não podia mais fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Então tive que optar. E foi muito interessante porque eu parti de um business em que trabalhava com o que há de pior no humano, a dor, a doença e o sofrimento, para outro que trabalha com o melhor, a saúde, a alegria, o lazer. Não tive muita dificuldade na escolha.
A ideia de licenciar os produtos foi planejada? Até doando a fábrica em alguns casos?
Não. Esse negócio de licenciamento surgiu a partir daqueles anos terríveis onde a inflação era de 30%, 40%, 20% ao mês. Teve um momento em que a economia estava super complicada. Eu não estava estruturado financeiramente para segurar aquela onda e tive que fazer uma reengenharia. E a única solução que surgiu, porque a marca já era relevante, a gente licenciou e deu certo. A partir daí isso se transformou no nosso modelo de trabalho. Nosso perfil, na verdade, era muito mais de branding do que de vending. Então a gente tem trabalhado em cima disso. Inclusive, uma das poucas empresas que ainda restaram foram cedidas agora, há uns três anos, e atualmente não tenho mais produção industrial (Morongo doou a fábrica ao empresário Carlos Casagrande, que já detinha as licenças para fabricar protetor solar com a marca Mormaii).
Por que a decisão de ficar só com a marca?
Aquele momento ruim da inflação passou, mas ficou o momento bom do licenciamento. Foi uma experiência vencedora. A gente continuou com indústria ainda muitos anos depois da crise. Da mesma forma que optei um dia entre ser empresário e médico, tive que optar entre trabalhar com a produção ou trabalhar com a marca. Fiquei com a marca, como ela estava sendo licenciada para muitas empresas. Hoje são mais de quarenta no Brasil, fora as licenças que existem no exterior em dezenas de países. Então, como a gente teve a opção de escolher, a gente escolheu por trabalhar em cima do branding. E fica essa outra parte de industrialização para empresas que estão muito mais qualificadas que nós.
Isso não pode significar que a Mormaii não vai mais desenvolver nenhum produto novo?
Uma coisa é produção outra coisa é desenvolvimento. Se você tem uma indústria própria, nem sempre você tem foco em cima do desenvolvimento do produto. Você tem que estar cuidando do chão de fábrica. É mais fácil para nós identificarmos o que o mercado está querendo através das nossas informações hoje, com as internets da vida. Captamos essa mensagem e traduzimos isso em termos de produto. Depois fornecemos essa ideia para aquele que está fabricando.
A vida de empreendedor é difícil de conciliar com a vida pessoal?
O segredo do trabalho é você fazer aquilo que gosta, né? Se você está fazendo o que ama fazer, talvez aquilo nem se chame trabalho, se chame só fazer. A palavra trabalho na nossa cultura tem um sentido meio pejorativo de obrigação. No nosso caso, a gente faz curtindo essas coisas, produtos que nós mesmos testamos. Os óculos é minha filha que desenvolve. Nas roupas de borracha, eu também faço. Outra pessoa dá um toque no chinelinho. É uma grande curtição.
O trabalho e a vida pessoal meio que se interligam e fica uma coisa prazerosa.
Em algum momento da empresa pensou em tirar a Mormaii de Garopaba?
Sair de Garopaba para ir para São Paulo? Ir para onde? Hoje com o avanço das tecnologias você pode estar sentado em cima de uma montanha no Tibete e fazendo negócio em Nova York ou no Japão, seja vendendo ou comprando. Não tem por quê. Você tem que estar confortável em um lugar para levar sua vida mundana ou espiritual, de acordo com o que você deseja para sua vida. E se adaptar, usar as tecnologias para se comunicar com o mundo. Antigamente, houve esse tipo de coisa. Hoje, as pessoas estão saindo dos grandes centros e indo para ambientes low profile onde possam ter qualidade de vida. Eu viajei o mundo inteiro, já fiz volta ao mundo de barco, e não consigo encontrar um lugar melhor para viver hoje do que Garopaba. Se eu encontrasse um lugar melhor para viver, eu vivia. E continuava fazendo negócio igual.
O que você tentou trazer da tua vida pessoal para aplicar como prática dentro da empresa?
Aumentando meu nível de consciência, e trazendo isso para dentro da empresa, em um ambiente com muita liberdade e com muita responsabilidade. O altruísmo, tentar ajudar uma comunidade de alguma forma. As empresas hoje têm que ter três compromissos. O compromisso econômico, tem que dar certo financeiramente.O compromisso social. Antigamente, no século retrasado, você era um grande empresário, se dava bem, e subescravizava um monte de gente. Assumia aquela posição de mim chefe, mim bacana. Hoje isso não cabe mais. Não precisa ser igual, mas tem que estar bom para todo mundo. Não pode ter um aviltamento do seu irmão. E há o compromisso ambiental. Olha o que aconteceu agora com a Volkswagen. Ferrou o ambiental e isso repercutiu no econômico. Esses três níveis precisam estar blindados com a mesma intensidade para você conseguir criar prosperidade. Isso é uma tendência moderna que cada vez mais vai chegar à realidade. Não adianta só encher e encher o balão porque no final ele estoura. Melhor é encher o balão até uma medida certa e depois brincar com o balão.
Diário Catarinense – SC