23/09/2015 às 05h00
Por Adriana Mattos | De São Paulo
A pior crise já enfrentada pelo varejo na última década obrigou as lojas a turbinar promoções para tentar atrair clientes, e um dos reflexos negativos disso começa a aparecer agora. Há maior falta de produtos nos supermercados neste ano, e isso ocorre, em parte, porque há demanda maior por mercadorias em oferta em ritmo acima do previsto em certas categorias.
Com desemprego em alta e renda em queda, a caça pelas promoções cresce, o que acaba levando a um aumento no número de espaços vazios nas gôndolas.
Somado a isso, varejistas dizem que renegociações mais acirradas com fornecedores, na busca de melhores condições comerciais, acabam levando a
falhas na entrega de certos produtos. Erros nas previsões de compra por parte do próprio varejo na tentativa de reduzir ao máximo o estoque
também explicam o problema.
Uma rede de farmácias conta que transportadoras regionais enfrentam problemas para cumprir prazos e acabam afetando o abastecimento em lojas
de médio porte. E há transportadoras que têm levado mais tempo pois seguram os caminhões, à espera para que fiquem mais cheios.
Para uma varejista de alimentos paulista, o setor pode estar sentindo o efeito de um comportamento típico de período de inflação em alta: “O consumidor vê a oferta e tem medo que o preço suba logo. Então, acaba levando mais produtos para casa. Se a reposição na loja não passou a acontecer em prazo menor, vai ter falta de produto na gôndola”.
Levantamento realizado pela consultoria NeoGrid, em parceria com a Nielsen, mostra que o índice de ruptura, que mede falta de mercadorias nas prateleiras, foi a 12,6% em julho. Em junho ficou em 9,7%. O percentual de 12,6% está acima da média do segundo trimestre, quando a taxa foi de 11,1%.
Isso quer dizer que a loja deixou de vender a mais cerca de R$ 12 a cada R$ 100 faturados.
A NeoGrid começou o levantamento no fim de 2014, portanto, não há dados comparáveis com julho do ano passado. Mas outra pesquisa, da Associação
Paulista de Supermercados, mostra que, em meados de 2015, este índice estava em 8,5%. A taxa média de ruptura no varejo alimentar no país no ano
passado alcançou média de 8%, segundo pesquisa da Nielsen, feita para a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Levantamento com dois mil consumidores, feita em junho pela empresa Reclame Aqui, mostrou que quase 77% dos brasileiros não encontraram algum produto procurado nos supermercados nas últimas compras que fizeram, incluindo ofertas de mercadorias. Na área de alimentos e bebidas, essa taxa foi de 58%.
Forte queda no varejo neste ano, que ocorreu de forma abrupta para algumas varejistas, e as dificuldades para prever, de forma acertada, a demanda futura, acabam tornando esse cenário mais complexo para o varejo. Pode estar mais difícil acertar nas estimativas, apesar da gama de sistemas e controles internos das lojas. Se a loja errar na compra, vai pagar mais caro pelo erro com o aumento do custo do capital neste ano.
“Com medo da retração nas vendas, o varejo passou a se preocupar ainda mais com os excessos de estoque e a diminuir os pedidos para a indústria, e um dos reflexos desse comportamento é a falta de produtos nas prateleiras”, diz o diretor de relacionamento do varejo e indústria da NeoGrid, Robson
Munhoz. “A neurose em se reduzir estoque nas lojas pode estar custando a venda para o varejista”, concorda Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Levantamento apresentado alguns anos atrás pelo professor americano de marketing Thomas Green, em evento da Abras, mostrava que a ruptura no varejo americano levava a perdas de lucro por ação de US$ 0,012, considerando que o lucro médio por ação no varejo estava em US$ 0,25.
Outro levantamento de Green mostra que quase a metade (47%) dos problemas de falta de itens nas lojas refletem erros em projeções de demanda ou falhas no processo de pedidos à industria (atraso proposital para tentar obter melhores condições comerciais, por exemplo). Para Terra, há uma espécie de atraso na atualização de dados de estoques que atrapalha hoje o setor. “Muitas vezes, uma perda que se tem num produto, porque estragou ou quebrou, não entra como baixa no estoque imediatamente. A loja só vê isso quando faz o inventário. Aí ela acha que tem o produto no estoque e não faz a reposição”. Segundo ele, o aumento do número de minimercados também pode pressionar essa taxa de rupturas. “Fazer reposições nessas lojinhas é bem mais complexo porque muitas vezes a loja nem tem área de estoque. O risco de falta de produto é muito maior”.
Valor Econômico – SP